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78 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104

O seu «cruel enigma» era afinal um cruel dilema; um dilema em que ele não podia optar sem trair.
A sua alma alanceada pela dúvida, a sua alma lealíssima oscilava, na angústia das grandes perplexidades, entre a corte e a grei, entre um regime decrépito e uma nação abúlica, entre um rei manietado pela Constituição e um povo iludido pelas paixões libertárias.
E, assim, a sua espada, que relampejara ao sol da glória nas plagas africanas, teria de permanecer para sempre inerte na bainha. Mas a inacção era o conformismo: e ele não tinha o direito de abdicar, alienando o seu prestígio, que era já pertença do património nacional; ele não podia transigir com um estado de coisas contra o qual todo o seu passado constituía um libelo.
E, antes que a perversidade, a hipocrisia e a injustiça quebrassem definitivamente todas as molas de aço do seu coração viril, Mouzinho preferiu eliminar-se a corromper-se.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda e sempre em sua desafronta, consegui apurar que Mouzinho se confessou e comungou na manhã do seu último dia; e não me consta que tenha sido posta, por quem de direito, qualquer objecção ao seu funeral religioso. Tudo leva a crer, portanto, que foram saldadas as suas contas com Deus. E se Deus lhe perdoou, porque não hão-de os homens compreendê-lo e justificá-lo?
Como muito bem diz o Dr. Águedo de Oliveira, Mouzinho sentiu em certa altura que tinha «as saldas cortadas».
E, com efeito, perdido no seu dédalo de angústia, ele devia ter pensado que era aquela a solução lógica, premente e única, do seu problema lancinante.
Não se trata dum desvairado que actua em delírio. Segundo os relatos da época, ao chegar a Palhavà, Mouzinho mandou parar o cupé que o conduzia, apeou-se junto dum marco postal, onde meteu uma carta, e voltou tranquilamente para o carro, onde momentos depois, já em marcha, desfechou o seu revólver.
Ao certo nada mais se sabe. Ouvi dizer, no entanto, que o destinatário dessa carta, cujo conteúdo se ignora, era um palaciano ilustre, seu amigo íntimo e também oficial de cavalaria, que a levou consigo para o segredo eterno do túmulo.
Fica assim pairando sobre a figura de Mouzinho não a suspeita dum escândalo galante, como certos espíritos tacanhos ou mal intencionados ignòbilmente engendraram, mas aquele mistério insondável que envolve num perfume de lenda a recordação dos grandes mortos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não há dúvida que Mouzinho não procedeu como um desvairado. Todos os passos que deu no seu último dia revelam a serena firmeza duma deliberação inexorável. Nem os desvairados nem os apaixonados defrontam a morte com esta serenidade. Un bel morir tutta la vita onora.
Mouzinho não precisava deste verso de Petrarca para escolher uma morte que lhe honrasse a vida, porque foi a própria honra que o matou.
Ele merecia e desejava, com certeza, morrer de espada em punho, acutilando os infiéis de toda a espécie.
Não importa. Mesmo assim morreu em beleza e a sua morte não diminui a sua glória. Não foi uma derrota; no seu caso excepcional e transcendente, foi o seu último acto de bravura.
Poucos anos depois morria, também tràgicamente, el-rei, o maior amigo de Mouzinho, que por mais duma vez o salvara das artimanhas dos políticos da época - dos «milandos dos brancos«...
O monarca andava nessa altura empenhado numa vigorosa tentativa de recuperação moral. Entretanto, assinara em Vila Viçosa a sua sentença de morte. Ele sabia-o, sabia que uma seita esotérica preparava o regicidio, e foi ele próprio quem o disse, tranquilamente, sentado à sua secretária, sem a pena lhe tremer na mão.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Moreira: - Aí tem V. Exa., no que acaba de dizer, a demonstração de que não fui feliz quando considerou apático uni rei que morreu pela forma como morreu o rei D. Carlos.

O Orador: - Pois das minhas afirmações devo V. Exa. inferir que o seu «não apoiado» foi intempestivo.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. é que não foi justa, chamando ao rei D. Carlos um rei apático.

O Orador: - Estou convencido de que naquela altura o era. Só mais tarde deixou de o ser.

O Sr. Carlos Moreira: - Nem nessa, nem noutra altura.

O Orador: - Ao regressar a Lisboa, desembarcou no Terreiro do Paço, diante duma multidão estática, impassível, suspeita. Aguardava a corte uma fila de carruagens prudentemente fechadas.
D. Carlos mandou abrir a capota do seu landau e recomendou ao cocheiro que seguisse devagar.
Na acepção rigorista do rermo, não se podo chamar a isto um suicídio. Em todo o caso, D. Carlos deixou-se matar. É que ele tinha também a alma dum soldado.
Malograda e fatídica previsão! A dum pai que lembra ao preceptor de seu filho que este havia de ser rei.
Estranho e cruciante paradoxo! O dum rei que se ergue a toda a altura dos heróis sobre um trono que desaba.
Veio isto a propósito do centenário de Mouzinho; e são estas, Sr. Presidente, as palavras de homenagem, do justiça e de resgate que entendo dever prestar à memória dum herói que nunca deixou de o ser, nem mesmo no dramático desfecho da sua vida edificante.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: a instalação da indústria da siderurgia em Portugal tem de ser encarada como um dos empreendimentos de maior vulto em que podemos pensar, pelo que respeita ao reflexo que inevitàvelmente há-de vir a ter no equilíbrio económico-social da Nação.
Por isso mesmo devemos cercá-lo das maiores cautelas para evitar que se possa sacrificar a solução que mais interessa ao País em beneficio de soluções que minimizem os factores técnico-económico-sociais que a devem condicionar.
Acresce que, tendo sido a necessidade de encontrar uma solução verdadeiramente nacional o que retardou durante largo tempo a possibilidade de uma produção rentável sem artificialismos nem sacrifícios de maior, muito estranho seria que, após tanto se ter falado e ponderado nas condições que para tal era imperioso criar, tivéssemos de concluir agora pela impossibilidade de resolver o problema no campo da independência que se impõe.