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20 DE JUNHO DE 1936 1153

Se houver conflito gravíssimo no Mundo, pela essência do seu carácter totalitário, pela extensão que o incêndio tomar na seara, mesmo desencadeado por uma pequena faúlha, Portugal não ficará a coberto, nem permanecerá em neutralidade de qualquer espécie.
Seremos arrastados para o conflito.
Porque estamos dentro da rede de compromissos políticos e militares da N. A. T. O.
Mais do que isso: porque somos portadores de uma alta ideologia ocidental, com um império vasto e repartido a conservar e defender, cumprindo-nos a defesa oceânica e a prevenção do maior mal por um mal menor.
Com a sua área imensa e disperso no Atlântico e no Índico o guarnecimento necessário, Portugal viu os perigos de Leste antecipadamente. Desde l932 que iniciámos um esforço de rearmar enorme, positivo, de elevado custo, pois tinha de aferir-se por algumas das nossas sabidas deficiências.
Esse esforço estava em tais alturas que me parece conveniente acentuá-lo. Porquê?
Porque recaiu sobre o Pais quando este procurava aproveitar os seus recursos materiais e investir em meios gerais e levar a potência económica ao mais alto nível.
Porque a dura lei da necessidade impunha a ampliação dos investimentos reprodutivos de preferência a despesas de puro consumo.
Porque, na tradição romanista, fôramos educados e disciplinados nas ideias de paz e arbitragem, ao contrário da força preventiva ou punitiva, e só em extremo seríamos levados a empunhar as armas, as espadas cediam perante a toga e esta só pedia àquelas que pugnassem pelos seus direitos.
Finalmente, porque o material blindado, automóvel, aéreo, etc., não se produzia entre nós, foi adquirido e pago grande parte dele em moeda forte e não originou reciprocidade de trocas que nos compensasse dalguma forma.
Ora sempre os nossos peregrinos escritores acrescentaram à nobreza das letras a nobreza das artes militares o fizeram do soldado português -no qual se compreende o navegador- o veterano legendário das justas causas e da universalidade e humanismo do seu inundo.
É curioso que em sociedade aristocrática, como na época das campanhas das índias Orientais e da restauração, se dissesse que a nobreza não estava na linha varonil mas nas obras esforçadas - quer dizer: nau estava nos pais mas nos filhos, que são as obras que só fazem e deixam aos vindouros, quando se executam grandes coisas.
Desde a l.ª dinastia que existe um regimento do guerra, que propende apenas para a guerra justa, pois que o direito de defesa é sagrado e de ordem natural, não podendo ser coarctado, e terá de manter-se pelo juízo das armas.
André de Resende e outros, no que chamaram lugares-comuns, mas hoje apelidamos de lugares selectos, empenharam-se em que os nossos se fortificassem no exemplo e brio dos clássicos da Grécia e Roma, para que a melhor política militar fosse a da isenção e nobreza do sacrifício completo.
O muito reverendo padre-mestre frei António Freire escreveu em 1630 sobre o primor e honra da vida soldadesca no Estado da índia.
Tinha larga experiência das plagas orientais.
Sabia e doutrinava que o soldado devia proceder com primor, e então se chamaria honrado, no sentido de que a honra, o respeito, o sofrimento das inclemências, os árduos e cruéis trabalhos da guerra são alicerces da glória quando procedem do acatamento do bem.
A constância não a encontrava só nos empreendimentos dos soldados de Portugal, mas era a própria imagem da Nação Portuguesa, correspondente à lealdade de governantes e governados. Os esforços a despender, tão sobre-humanos longe da Pátria, deviam ser temperados pela piedade e pela misericórdia, pois que os nossos soldados, como valores humanos e universais, deviam ser sofridos, ensinados, gratos, primorosos, no escalão da ética geral.
A obrigação do serviço pátrio preferia a tudo mais, correspondendo a ordem que se não discute na hierarquia.
Luís Mendes de Vasconcelos, na Arte Militar, escrita antes do 1612, diz que esta arte existe para utilidade da república e satisfação pátria e manda fazer a guerra com ordem, segundo a necessidade e conservação do Estado.
A arte militar garante a paz e por isso lhe parece mais necessária do que qualquer outra arte e até do que as leis, mais poderosa ainda do que a própria força, e tira o seu ordenamento da razão humana.
E ela - e não o dinheiro - o nervo da guerra; o seu exercício deve ser geral em toda a república.
O fim da guerra ú a paz; mas, devendo esta ser justa, compreende-se que o não possa ser simultaneamente para ambas as partes.
Rocha Freire, Medeiros Correia e outros falam da política militar como dever do perfeito soldado.
Temos de aceitar a guerra, vê-la, mover, mas quando empreendida com direito e justiça.
Entre a guerra justa e a paz torpe ou infamante não há que escolher -a escolha está feita.
O direito de defesa compreende a vida, a terra, a soberania, os companheiros, os amigos, a fazenda, porque assim este direito natural, em jogo nos conflitos justos, deve entender-se ampliativamente.
A nossa literatura militar está esmaltada e dourada de exemplos nobilitantes, capazes de formar soldados, escola natural de heróis, academia de factos militares que suplantam os padrões de Tácito e Xenofonte - vejam-se as relações dos cercos de Goa, Diu, Moçambique, as dos sucessos e perdas de naus, quo exalçam até ao sobre-humano o ínclito denodo, a bizarria, u fortaleza de Animo, a contenção no sacrifício que exornam o soldado português do Oriente, da África e da América, da Restauração, da Flandres.
Invictíssimos e valorosos soldados portugueses, como diz Angelo de Morais nas suas instruções militares de 1762.
Seria impertinência rememorar as vivíssimas páginas dos escritores do nosso tempo, desde as memórias de Azevedo Coutinho e dos relatórios de Mouzinho aos refulgentes escritos políticos que andam no geral conhecimento. Destacarei apenas um livro com monografia completa, perfeita, admirável, surpreendente, na totalidade dos aspectos focados, no contacto com a natureza, no valor universal dos conhecimentos: Gaza, que o capitão Gomes da Costa fez publicar em l899 e que o diz ter escrito rude e francamente, como soldado que era, sem preocupações literárias, cingido à verdade dos factos e observações, cumprindo duplo dever com o Pais e a consciência.
Pois excede e eleva-se muito mais alto que a intenção do seu autor.
E assim acabo por estes fugazes resumos da nossa brilhantíssima literatura militar, que servem para atestar o valor universal do soldado português, como cie sabe guerrear, mas com justa causa, como é portador duma ideologia suprema e supremamente idealista, como não contam para si, mas sim para o bem comum, os seus inarráveis sacrifícios, como se bate sem outro abrigo que não seja a sombra da bandeira, como a lealdade e o peito descoberto valem mais que todas as couraças e como a política militar e à arte militar devemos grande parte do que somos no Mundo, colectivamente.