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1154 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153

Trouxe aqui das páginas amarelecidas pelos séculos estas notas, que são cristal do mais puro quando bem entendidas e que nos fortificam ao considerarmos as nossas posições de hoje e a causa justa em que estamos empenhados.
São velharias e antigualhas?
Por certo que a beleza do serviço perfeito e completo suplanta as especulações dos escritores, a notícia dos cronistas, os relatórios da vida heróica.
Velha e respeitável é esta tribuna da representação nacional.
Vem da profundidade do ser colectivo da longínqua Idade Média, habituada às queixas como reivindicação legitima e a construir a lei - essa que é, apesar do tudo, o primeiro dos instrumentos de edificação e progresso nacional.
Vou dar um rápido apontamento do tema: guerra total.
As fórmulas- «nação armada», «nação em armas», «conflagração geral» e outras, embora com sentido inteligível nos códigos e leis fundamentais, vamos encontradas já excedidas nos factos históricos e na lógica das previsões a fazer.
Tem de coutar-se, pensar, gizar, organizar, dispor e estruturar, infelizmente, desgraçadamente, lamentosamente, com aquilo que, desde 1934, Ludendorff baptizou de «guerra total», na qual nem um só capitulo, aspecto ou secção da vida nacional deixa de ser objecto de uma política e de uma estratégia concertadas e solidamente unidas.
Recorreu-se primeiramente, na ordem histórica, à chamada «guerra de gabinetes, em que um exército profissional, de carreira, adestrado por verdadeiros mestres, dirigido de um ofício, se movia na defesa ou para o ataque sem reclamar das populações mais do que os abastecimentos, as riquezas, os custos e as indemnizações que, como despojos e preço, pagavam a liquidação da mesma guerra.
Os Franceses tiravam o chapéu emplumado e diziam aos Ingleses que disparassem o primeiro tiro.
O conde de Vila-Flor não respondia às basófias de D. João de Áustria e apenas registava a prudência dos príncipes quando este, antes de todos, deu às de vila-diogo.
A guerra, pela força dos tumultos, das divisões, por jeito da política e por alastrar naturalmente, também começou a chamar e a entender-se como «popular».
A Nação veio, como corpo imenso, tomar parte nela, chamou a si grandes tarefas, o Exército perdeu parte da honra e do monopólio dos combates e as destruições atingiram todos os cantos, até os mais recônditos. A luta passou a cevar-se nas forças vitais e até na energia psíquica dos países, porque começou a ser dirigida a desintegrar, a paralisar, a aniquilar sem piedade e sem remição.
Além dos meios materiais descomunais, violentíssimos, cruéis e incruentos, o adversário buscava dominar o antagonistanação pela degradação moral e pelo espanto.
Procurava reduzi-lo pela miséria, pelo medo, pelo abatimento; forçá-lo a capitular em todo o sentido.
Que mais diabólico poderia esperar-se da insânia e do ódio dos homens, do antagonismo dos povos ou da violência das raças?
Em 1936 Ludendorff explicava como e quando, por que forma e resultados se chegou à guerra total. É que não há teoria de guerra, nem doutrina bélica.
A guerra é tão-somente a realidade, a mais grave que historicamente se possa deparar na vida dum povo.
Por isso o povo tem de saber com brevidade o essencial, como deve saber o que diz respeito à sua vida e ao sen ocaso, embora o Sol pareça no meio-dia.
O grande mestre da arte bélica foi Von Clausewitz - Wom Krieg-, em que um povo põe outro, ou outros, à sua mercê, com uma arte que consagra o aniquilamento militar.
Na mesma esteira, Von Schliefen afirmava não haver vários modos de guerra, mas sim uma guerra em que os fins políticos e militares coincidem num único sentido.
Portanto, concepções de guerra justa ou injusta, de ética militar, de obrigações- patrióticas temperadas pela ideologia e deveres da cristandade para tal dinastia de escritores deixou de existir.
É preciso vencer e para vencer aniquilar!
Dal o bloqueio da fome e, mais do que isso, o bloqueio moral, alta tensão vital na violência e antagonismo, política completa e estratégia de mãos dadas para eliminar os povos rivais, tocando-os, atingindo-os, desmantelando-os, esfacelando-os na sua coesão e disciplina nacional.
Velho, alquebrado, doente, Freud, em 1918, estudou as desilusões e nevroses da guerra, as ligações à causalidade da vida e da morte, a sobreposição dos impulsos subconscientes, o desaparecimento dos impulsos recalcados - que sobem à tona de água as camadas de iodo sujo que pareciam adormecidas na obscuridade das velhas idades.
O velho realizou uma conferência em Budapeste, que era uma teorização cientifica, mas também uma queixa e um protesto, porque, surpreendido com as brutalidades no comportamento individual, mais o chocava e afligiam as massas humanas como que pervertidas, o desrespeito pelos direitos secularmente estabelecidos; mais que a humilhação dos soberbos, surpreendiam as violências deslustrosas e horripilantes - a morte da civilização.
Facto curioso, que parecia aviso do céu: Freud acreditava que uma cultura sincera, uma ética verdadeira, a preparação do homem para a eternidade conteria, disciplinaria, amorteceria essa subida escachoante dos piores instintos de homens que combatiam, atirando fora todas as máscaras.
Porque apresenta interesse e importância decisiva a concepção crudelíssima da guerra total?
Primeiro, pelo descomunal dos meios empenhados e dos campos sofrendo da sua incidência.
Segundo, porque diplomacia, política, propaganda, indústria, cultura, técnica, meios, instrumentos, tudo fica voltado e aprestado para o mesmo e único fim.
Depois, pela sua exactíssima noção hodierna.
Sobretudo pela importância e extensão da chamada «frente das represálias».
Hoje todos os Estados, com suas barragens, grandes obras públicas, centros fabris, se mostram imensamente atingíveis e susceptíveis dos maiores danos.
Os Estados Unidos, a Alemanha, a Inglaterra e a França apresentam uma relativa fraqueza perante o totalitarismo das guerras actuais, com o seu imponente número de cidades com 400 000 habitantes.
Não é o caso da Rússia, que apenas possui uma meia dúzia, espalhadas pelo seu colossal território e acobertadas por distâncias formidáveis.
Estas são as melancólicas perspectivas da guerra total, às quais devo acrescentar duas observações mais, apenas: a de que as técnicas novas alcançam tudo e que as armas novas e nucleares não respeitam coisa nenhuma.
Como vão esbatidos, na curva da história universal, o chapéu emplumado e as cortesias do conde de Vila-Flor e do marquês das Minas!
Ficaria incompleta esta resenha se me não referisse, ainda que ligeiramente, aos motivos económicos determinantes das guerras actuais, as escolas que a sua apreciação suscita e às grandes divergências dos escritores a este respeito.
Os materialistas históricos querem fazer acreditar que as instituições consideradas por eles capitalistas, em certos períodos de desenvolvimento, geram as guerras.