21 DE MAEÇO DE 1957 405
carros de cavalos, desde que devemos contar com a irreflexão do condutor e com as manias dos cavalos.
Há sua diferença, pois, ao passo que estes semoventes são utilizados geralmente sós ou em parelha, os cavalos de cada unidade motorizada são mais numerosos e, se realmente aqueles são perigosos quando tomam o freio nos dentes sem que a rédea firme os contenha, estes, pela sua força e quantidade, mais perigosos são quando desbocados sem que o volante os domine.
Ao Sr. Melo Machado mereceu também particular atenção o problema dos peões; e eu tão de acordo estou com S. Ex.ª que, talvez até mais vincadamente, acentuei a enorme contribuição que dá para os acidentes o péssimo comportamento deles e também dos ciclistas nas ruas e estradas. É clamoroso e intolerável, urgindo pôr-Ihe cobro.
Disso resulta até que entre os peões figura mesmo o maior número de vítimas. Ficam muitas vezes impunes, é certo; mas muitos não pagam a multa nem vão para a cadeia, porque vão para o hospital ou para o cemitério.
Vejamos:
Em 1951 houve 4 335 atropelamentos e em 1955 elevaram-se a 5 543, sendo só em Lisboa 2 738. Atropelamentos de peões, é evidente.
Num total de 520 mortos por acidentes de viação em 1955, os peões foram 223, ao passo que os condutores de motorizados foram 66 e os passageiros 112, tendo os ciclistas contribuído com 99.
O Sr. Melo Machado: - Isso não quer dizer nada sobre a culpa.
O Orador:-O peão é grande responsável, mas é também grande vitima, porque não tem nada que defenda a sua integridade física, ao passo que o motorista muitas vezes escapa porque o próprio carro que conduz atenua o efeito do embate.
São inúmeras vezes vítimas de si próprios, e nem o instinto de defesa os contém!
Os choques foram mais do que os atropelamentos, pois elevaram-se a 7827, também em 1955. Porém, deve, por ser justo, notar-se que há muitos casos em que eles são provocados precisamente pela má conduta dos peões.
A primeira vista, uma coisa é, realmente, digna de estranheza : consiste em ser insignificante o número de autos levantados em 1935 por transito irregular de peões; mas isto, além da impossibilidade, já referida, de uma rigorosa fiscalização, proveio, segundo me informaram, de uma certa e calculada tolerância que houve desde a publicação do novo Código da Estrada até perto do fim daquele ano.
Já não sucedeu assim em 1956, pois as multas aplicadas a peões elevaram-se a 15 700.
Muitos utentes das ruas o estradas entendem que elas são propriedade sua e não de todos e para todos, e, além disso, por esse País fora, muita gente do nosso povo, especialmente das classes mais humildes, incluindo muitos ciclistas e até condutores, ignora totalmente as regras do transito; e assim não são vítimas apenas da imprudência, são-no também da ignorância.
Combatê-la pela educação, pela propaganda e por meios suasórios, pode muitas vezes ser mais eficaz do que a simples aplicação de multas. E é aconselhável, em vez da multa ou com o seu recibo ou talão, entregar ao infractor uma pequena cartilha das regras essenciais do trânsito.
Entre os comentadores externos, um ás do volante, muito meu conhecido, disse-me que esqueci os que andam irritantemente devagar. Quis referir-se especialmente a alguns «domingueiros», que realmente, às vezes, congestionam ou embaraçam o transito.
Seria também útil e justo referir estudos e opiniões sobre os problemas de viação e trânsito em todos os seus aspectos e a propaganda de segurança a que se tom dedicado, além das revistas que mencionei, pessoas autorizadas, como o engenheiro Canto Moniz, o Prof. Dr. Moreira de Sá e outros; como menção especial merece também a larga e sugestiva propaganda da segurança no transito a que se tem dedicado a Shell Portuguesa, especialmente pela instrução escolar recreativa.
Algumas pessoas se me têm dirigido nos últimos dias, narrando casos curiosos ou impressionantes, fazendo comentários e emitindo opiniões, o que tudo prova o interesse que este aviso prévio -não pelo autor, mas pelo assunto- despertou no País.
Evidentemente que me é impossível referir-me a todos e estar de acordo com a totalidade das sugestões e alvitres, aliás contraditórios, que me apresentaram.
Apenas refiro, por ser das mais interessantes, uma carta anónima, cujo autor, segundo diz, não assina por continuar a ser anónimo para mim ...
Narra que na Holanda encontrou à margem das estradas grupos de alunos das escolas primárias a observarem, por indicação dos professores, a passagem dos automóveis e a anotarem os seus números de matricula, a cor e outras características, e os que mais cuidado revelassem seriam premiados. Isto, entre outras vantagens, tem a de interessar as crianças no trânsito e fazê-las estar atentas à aproximação do perigo, conseguindo até, por vezes, dar preciosas informações às autoridades, mesmo na descoberta do itinerário da fuga de criminosos comuns e dos infractores das regras do trânsito.
Também um ilustre colega nosso me disse ontem que semelhante prática é usada nos Estados Unidos, intervindo até as crianças em actos de regularização do trânsito.
Das outras cartas, umas dizem que poupei mais os condutores do que os peões e ciclistas e outras dizem que poupei mais estes do que aqueles, e isto, a meu ver, é bem a prova de que me esforcei por ser imparcial e justo. Ataquei, enfim, todos os responsáveis pelos acidentes ou em risco de, por sua culpa, os causarem, e, note-se bem, só eles, seja qual for a sua condição ou categoria.
Fala-se também do que sucede lá fora, mas o Sr. Melo Machado confirmou, mediante dados estatísticos, que, também em confronto com outros países, não é lisonjeira a nossa situação. Mas, se o fosse ou viermos a conseguir que o seja, tanto melhor. Seria mais um exemplo a darmos ao Mundo, além de tantos que, graças a Deus, lhe damos.
O Sr. Melo Machado: - O que se torna realmente preciso é reduzir o número de acidentes.
O Orador:-Sem dúvida. V. Ex.ª vai ver aquilo que para esse fim me atrevo a sugerir.
Sr. Presidente: o artigo 45.º do Regimento permite que o debate seja encerrado mediante uma moção de ordem. E é frequente apresentá-la.
Permitam-me, porém, V. Ex.ª e a Assembleia, que mais uma vez transgrida este costume.
Tenho opinião comprometida a tal respeito. Na sessão de 6 de Março de 1953, ao encerrar um longo debate num dos momentos mais emotivos da minha actividade parlamentar, disse que uma moção anódina, vaga, sem conteúdo, em nada esclarece o Governo e não é por ela faltar que ele deixará de seguir o caminho que o debate lhe sugira.
Por outro lado, uma moção mais expressiva, que especificamente concretize regras ou soluções, pode embaraçar a actuação do Governo que queira ser fiel à doutrina ou ao voto que nela se exprime, mas não possa