21 DE FEVEREIRO DE 1959 213
Simultaneamente sábio, historiador e geógrafo eminente, foi ainda o grande caminheiro das plagas africanas e o precursor glorioso da navegação aérea.
Nesta mesma Casa, e há apenas um ano, foi prestada ao ilustre português a mais justa das homenagens,- ao propor-se que lhe fosse conferido o posto de almirante.
Por isso afigura-se-me que não podemos, nesta hora de luto nacional, eximir-nos ao doloroso dever de recordar aqui o homem insigne que a morte acaba de arrebatar-nos e em cujo corpo franzino se albergava a alma de um grande português. Apesar dos anos decorridos, as suas faculdades de inteligência e de trabalho mantiveram-se vivas até final, como vivo e imorredouro há-de permanecer o seu nome na saudade de todos os que os conheceram, como na admiração dos vindouros.
Exemplo vivo das virtudes da raça, dele disse nesta Assembleia o ilustre Deputado comodoro Sarmento Rodrigues: «Em volta dessa figura nacional não há sombras nem reservas; cada um dos seus passos é um serviço à nossa pátria ».
Com efeito, em cada um dos aspectos da sua prodigiosa actividade, Gago Coutinho deu-nos uma lição de bem servir a terra gloriosa onde nascemos.
Serviu distintamente a marinha de guerra e como grande marinheiro nela se destacou.
Calcorreou Angola e Moçambique, vagueou pela nossa índia, por Timor, por todas as parcelas de um império de que ele foi o último obreiro, ao demarcar-lhe as fronteiras e ao coroá-lo com novos louros de imperecível fulgor.
Cruzou os mares dos Descobrimentos, estudou os ventos e as águas, na ânsia patriótica de não deixar que fossem por outros empolgados os méritos que nos cabiam.
Refez as rotas dos grandes navegadores de antanho, como emulo do Gama, de Gil Eanes, de Bartolomeu Dias, de Cabral e de Magalhães.
Depois, percorridas já as sendas marítimas, quis de demonstrar ao Mundo o poder inventivo dos Portugueses e, com Sacadura Cabral, seu amigo e companheiro de outras fainas, lançou-se à conquista do espaço e traçou no céu do Atlântico o destino seguido pelas naus de Quinhentos, em direitura a terras de .Vera Cruz, à pátria irmã, a que ele queria quase tanto como à terra onde nascera.
Completava-se assim a façanha, com triunfo absoluto. Enquanto um conduzia pelos ares a pequena aeronave assinalada com a Cruz de Cristo e as cores nacionais, o outro, utilizando instrumentos de- sua invenção, indicava a rota a seguir para que fossem topar, a milhares de milhas do ponto de partida, com os rochedos brasileiros de S. Pedro e S. Paulo.
ra um verdadeiro sábio, como tal reconhecido nos meios internacionais, em matéria de geografia e de geodesia; era ainda um escritor de merecimento, um investigador incansável, um português de lei, da tempera dos Castros fortes e de outros... «sobre os quais poder não teve a morte».
Também o seu nome não morrerá, mas há-de subsistir na história do sen pais, deste pais que tão intensamente fez vibrar de puro ardor patriótico e de febril entusiasmo aquando da ligação aérea Portugal- Brasil.
Esse traço de união entre as duas grandes nações irmãs perdurará como pagina de epopeia que será lida com assomos de orgulho por nossos filhos e nossos netos.
Porque é assim que se escreve a história: a golpes de audácia, mas ponderada, fria, consciente do que se quer e segura do que se pode. '
Gago Coutinho e Sacadura Cabral, irmanados pelo mesmo ideal e desprezo pela vida, sabiam, aquando das jornadas magnificas de Lisboa ao Rio, o que queriam e com o que podiam contar.
Ele próprio o disse, como aqui nesta Casa o sublinhou o nosso ilustre colega general Venâncio Deslandes, ao narrar mais tarde as condições do audacioso feito:
É nesta confiança - não cega; mas reflectida - que está a explicação do voo de Lisboa ao Brasil como Sacadura o concebeu. Se outros pilotos aviadores se não tinham ainda lançado, antes dele, em idênticas viagens aéreas no mar Largo, sem navios a balizarem-lhes o caminho, uma tal abstenção era devida a os outros aviadores não terem bases tão firmes para poderem avaliar, como ele, os resultados práticos a esperar da navegação aérea.
E se a aviação lhe ficou devendo o primeiro passo na arte da navegação aérea, a glória que o cobriu recaiu sobre a sua e nossa pátria e chegou providencialmente para levantar o ânimo e as energias nacionais numa hora de «apagada e vil tristeza»; nem poderão esquecer-se os seus inestimáveis serviços na delimitação das fronteiras dos nossos territórios do ultramar, nem os seus estudos profundos e exactos sobre os Descobrimentos e a arte de navegar à vela.
Considerado em todo o Mundo como homem de saber, foi ídolo das multidões e objecto de enternecido afecto do povo, que tanto o estimava e nas ruas de Lisboa, como nas cidades do Brasil, lhe tributava a homenagem carinhosa dos simples.
Viveu como herói de legenda e morreu como cristão - o espírito lúcido, o coração tranquilo, a alma em paz.
E em paz repousa, desde hoje, em terra portuguesa, em terra que ele tanto amou e tão bem soube servir.
Em terra portuguesa, é certo... _ Mas eu entendo que, se a tanto se não opõem disposições terminantes do insigne português, o seu lugar de repouso devia ser de destaque, ao lado de outros heróis da Descoberta, à vista do Tejo das caravelas e bem perto do local donde ele e Sacadura levantaram voo para a epopeia de Lisboa ao Rio.
E ali o seu túmulo, não longe dos de Vasco da Gama e de Camões, tendo talvez por motivos escultóricos o astrolábio e o sextante, deveria ter aos pés, aberto, um exemplar de Os Lusíadas, ao qual o grande nauta acrescentou mais um cântico patriótico, irradiando imortal esplendor.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vasques Tenreiro: - Sr. Presidente: expresso os sentimentos do povo da minha terra ao tomar a liberdade de recordar mais uma vez nesta Assembleia a nobre figura do almirante Gago Coutinho.
O homem que foi hoje a enterrar, despido de qualquer ressaibo de vaidade, deixa no coração da gente de S. Tomé a mais grata recordação. Foi assim, com a despreocupação de quem .tem preocupações elevadas, que arrostou com as florestas, se perdeu nas capoeiras mais intrincadas, subiu a todos os cones vulcânicos, espreitou crateras, olhou panoramas dos picos mais acerados da ilha de S. Tomé.
Eu, que ali nasci e as contingências da vida atiraram para matérias afins às cultivadas por Gago Coutinho, não encontrei naquela ilha, e nesta época do jeep e do avião, grota profunda ou pico alto onde não colhesse informação, de gente que de tudo se recorda, de que ali havia estado Gago Coutinho, a pé ou a cavalo. Percorrendo de lés a lés a ilha, Gago Coutinho conseguiu