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21 DE FEVEREIRO DE 1959 215

esparzia tesouros, que de si deu tudo quanto era preciso fosse dado -riquezas, heroísmos, santidade, até o sangue e a vida dos seus príncipes, tudo -, até à exaustão gloriosa de ter assim cumprido o seu papel no mundo.
Lutador infatigável, quase obstinado-a vida do almirante serviu, todavia, sempre para unir, nunca para separar. Não consentiu que a glória ganha ao serviço da Nação fosse posta ao serviço de qualquer facção, fosse qual fosse, e assim atravessou a vida portuguesa sempre indiscutido, respeitado por todos, amado por todos. Uniu os Portugueses e trabalhou sempre por unir Portugal e o Brasil. Não foi só que depois da sua façanha as duas . grandes nações ficaram mais próximas; foi ainda um esforço vigilante, incessante, para conseguir que as almas dos dois povos, irmãs embaladas no mesmo grande regaço lusíada, se conhecessem sempre melhor, se amassem sempre mais profundamente.
É sobretudo à juventude que pertence o meditar sobre a vida dos heróis. A Mocidade Portuguesa, às legiões de gente nova que escolheu por seu sinal e orgulhosamente desfralda ao vento de hoje o estandarte imortal de Aljubarrota, compete tomar em suas mãos o culto do herói que acaba de entrar na história.
Ele ficará bem entre os seus vultos tutelares, entre aqueles cuja vida inteira constitui exemplo, cuja evocação desperta nas almas um sadio, varonil orgulho de ter nascido em Portugal.
Dirijo, pois, ao Governo o meu pedido de que se recomende e confie à Mocidade Portuguesa o estudo da obra, leitos e virtudes do almirante Gago Coutinho. Que em seu louvor se reúna o próximo acampamento nacional da Organização e que ali, nessas veladas de armas que são as chamas da mocidade, na presença de todos os rapazes vindos de todas as províncias de aquém e além-mar, se aponte o seu exemplo e se medite na lição da sua vida.
Sei, sei porque as vivi, o que são essas horas de meditação à ígnea luz da chama que entre as tendas se levanta. Sei como ai, a evocação das grandes páginas da história pátria, as almas juvenis se agitam, se inebriam, como pulsam em frémitos, clarões, de varonil arroubo.
Frémitos, clarões, que são iguais aos dos soldados de antanho, quando, antemanhã, unida a hoste e recebido o Corpo do Senhor, escutavam a voz dos capitães nas horas de ansiedade que precediam, o sol alto das batalhas. Iguais aos que deslumbraram os marinheiros, quando, nas madrugadas do descobrimento, as gaivotas vinham, voando, anunciar que para além do mar escuro a terra e a glória estavam.
Iguais, porque a iminência de batalha, véspera de descoberta, é o tempo da juventude: batalha e descoberta que foram a razão de viver do almirante e que são a própria razão de ser de Portugal.
Sr. Presidente: sei que a vontade dos mortos é para ser obedecida pelos vivos. É da lei da morte esse respeito silencioso diante das palavras derradeiras. E só por sabô-lo não exprimo já o reprimido desejo de muitos portugueses de que os despojos do último herói nacional sejam levados à sua campa própria, na grande catedral lusíada de Santa Maria de Belém.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:-Desejo, porém, que, essa lei da morte, a Mocidade a não ouça. Ela canta nos seus hinos a memória de Camões, e Camões falou daqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando. Penso que é obrigação da Mocidade reclamar para si o direito de lutar ato que consiga levar aos seus ombros, numa apoteose que tem a sua data natural dentro do ciclo das comemorações henriquinas, o corpo do sen herói, desde a lousa humilde que para si escolheu, até ao túmulo ilustre que por seus feitos merece.
Sr. Presidente: são muitos os motivos que apontam a vida do almirante Gago Coutinho como lição aberta à meditação da juventude; creio que todos os conhecemos e não quero sobre eles demorar-me.
Contavam os jornais de ontem que momentos antes de expirar trabalhara ainda, introduzindo alguma correcção em desenho de vela de navio, destinado a servir de capa a uma edição á Os Lusíadas.
Aludo ao pequeno episódio porque também ele me parece do mais alto simbolismo: corrigindo o que há-de ser o invólucro do poema, adaptando-lhe alguma fantasia à sua verdade de argonauta. Todo o invólucro, todo o aspecto exterior, é sempre sujeito & correcção. O canto, esse não muda. Vem do fundo dos séculos e anuncia o tempo vindouro. Refulge em páginas de luz, como a vida desse herói que morreu. Concita os Portugueses ao amor da Pátria, à defesa de tudo quanto é grande e sagrado, e vem de longe, e nos faz a alma, e nos dá uma fé e uma luz para lutar.
O canto, esse não muda.
É a voz de Portugal que se não cala.
É a voz de Portugal que continua.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna na certeza de que por alguns momentos, com os meus colegas nesta Câmara, comungarei no profundo sentimento de luto que a todos, sem excepção, nos domina.
Foi hoje a enterrar o almirante Gago Coutinho, o herói nacional que esta Assembleia ainda há bem pouco tempo mais uma vez consagrou. O seu passamento deu-se no dia seguinte à data para todos nós jubilosa em que completou 90 anos, e no próprio dia em que a Assembleia Nacional se associava à feliz lembrança do distinto colega Teixeira da Mota de o saudar por mais um aniversário, mais um ano de ininterruptos e valiosos serviços que findara, e o início de um novo ano da sua veneranda presença, sempre cheia de promessas de frutuosa e patriótica actividade.
Se os receios pela sua saúde eram grandes, também era licito esperar que o seu dóbil corpo, que tantos trabalhos suportara no mar e no mato, que a tantas fadigas resistira, pudesse ainda dar guarida, àquele espirito cintilante cuja corajosa claridade intelectual nunca abandonara.
Na verdade, os seus pensamentos, quando podiam sobressair do caos orgânico em que se encontrava, estavam sempre no .progresso, no bem-estar da humanidade e na glória da sua pátria. A energia nuclear e as possibilidades de felicidade geral que nela antevia; a exaltação dos feitos dos nossos maiores, que ele afincadamente procurava enaltecer, esclarecendo-os - eram estas as suas preocupações, os seus nobres cuidados.
Reconhecendo que teria de permanecer mais alguns dias no sen leito de doente, quis logo Os Lusíadas, os seus apontamentos, os seus óculos, para prosseguir na tarefa que tanto o interessava naquele momento: a interpretação da rota de Vasco da Gama, tal como Camões a descrevia.
Aceitara com entusiasmo participar na preparação de uma edição especial do poema destinada aos alunos da Escola Naval, e entendia que, com excepção da parte náutica, era de aproveitar o excelente trabalho do Dr. José .Maria Rodrigues, sen adversário nas eruditas polémicas de que todos certamente se recordam. Em tudo o mais