O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

768 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109

mara a reexaminar o assunto. Ë esse o alcance dos desenvolvimentos seguinte».

7. Em matéria tributária é preciso que a legislação constitucional disponha em termos de a iniciativa e a competência parlamentares não comprometerem o equilíbrio financeiro. Os parlamentares são frequentemente inclinados a votar desagravamentos fiscais que conduzem em linha recta a deficits orçamentais mais ou menos importantes, tanto mais quanto é certo que, por outro lado, eles são também quase sistematicamente favoráveis aos acréscimos de despesas públicas, que, a ser-lhes dada iniciativa nesse domínio, aumentariam progressivamente. Os deputados para o dizer numa fórmula- são, em princípio, agentes redutores de receitas e aceleradores de despesas.
Além disso, é um dado de experiência que os membros das assembleias legislativas não estão normalmente ao corrente das consequências financeiras e económicas de uma lei que estabelece, modifica ou extingue um imposto (ou que acarreta uma nova despesa). Trata-se de problemas técnicos especializados para cuja apreciação eles se derem considerar normalmente menos preparados.
Estas duas razões concorrem no sentido de se dever retirar aos membros das assembleias legislativas a iniciativa em matéria de criação, alteração ou extinção dos impostos e taxas e de a atribuir exclusivamente aos governos. Mas não são necessariamente no sentido de retirar a tais assembleia» a competência para criarem, modificarem ou extinguirem os impostos e as taxas da iniciativa do Governo.
Em favor da competência de decisão do Poder Legislativo em matéria financeira, e designadamente em matéria tributária, está, por sua vez, em primeiro lugar, o facto de os impostos e as taxas constituírem um sacrifício da propriedade e dos direitos privados dos cidadãos, de que o Parlamento é considerado o guarda e protector; em segundo lugar, o facto de as imposições tributárias terem, por via de regra, efeitos importantes e múltiplos na vida económica nacional, sendo, por isso, conveniente ouvir os representantes de todos os interesses em jogo; em último lugar, o facto de, através da publicidade da discussão sobre os tributos no Parlamento, se mostrar aos contribuintes o interesse público da sua cobrança.
Foram razões desta ordem - designadamente a primeira - que conduziram, na Inglaterra, à vitória completa e definitiva do Parlamento na questão da criação os impostos em 1688-1689, altura em que o BUI of Rights declarou, de um modo geral, ilegal toda a requisição de dinheiro para a Coroa e para seu uso, sob pretexto de prerrogativa, por um período diferente e de forma diversa daquela por que tal requisição foi autorizada pelo Parlamento. Uma vez reconhecido o princípio da votação do imposto, todas as outras fontes da receita pública foram aos poucos passando para o controle do Parlamento. Esta evolução consumou-se, como se sabe, no século XVIII.
Em França, em 1789, a Assembleia Nacional pôde solenemente proclamar, por uma vez, que toda a imposição tributária se teria de fazer, e só se poderia fazer, com o consentimento formal dos representantes da nação a. E da França o sistema transmitiu-se progressivamente a toda a Europa.
Ora bem. A Inglaterra obteve a harmonização dos dois princípios -o da exclusividade da iniciativa governamental em matéria tributária e o da competência de decisão da assembleia legislativa nessa matéria - pela forma seguinte: em matéria de receitas, os membros dos Comuns não podem, sem recomendação da Coroa, propor medidas cujo resultado seja fazer pesar sobre o povo novos encargos. São, assim, proibidas as iniciativas tendentes à criação de um imposto novo, ao aumento de um imposto existente, à mudança das modalidades do imposto e & supressão da isenção de um imposto existente. Podem, pelo contrário, ser propostas por eles todas as medidas que não aumentem os encargos fiscais, tais como a redução de um imposto existente, a criação de uma taxa em troca de um serviço prestado pelo Estado 1. O que sucede é que, na prática, os deputados ingleses nunca exercem o seu direito de iniciativa e de emenda nesta matéria 2. E não o exercem, deixando-o exclusivamente ao Gabinete, porque a sua missão primordial, na medida em que façam parte da maioria, é apoiarem os projectos que envolvam a política geral do Governo. Fazendo parte da minoria, não a exercem porque a sorte das suas propostas está antecipadamente traçada. A supressão da iniciativa individual nesta matéria é, afinal de contas, como se vê, uma expressão do two parties system inglês 3.
Já o tradicional sistema francês, praticado desde a III República, por seu turno, não conduzia a uma fórmula satisfatória de conciliação das exigências e princípios atrás expostos, admitindo não só a competência do Parlamento como a iniciativa dos deputados, individualmente e através da Comissão do Orçamento ou das Finanças. Esta iniciativa conduziu frequentemente a desfigurar o projecto orçamental do Governo, a desagravamentos tributários injustificáveis e aos consequentes desequilíbrios orçamentais 4.
Segundo a Constituição da IV República Francesa, os deputados tinham plena iniciativa em matéria de receitas, embora certas disposições do regulamento da Assembleia Nacional consignassem limitações ao direito de iniciativa e de emenda no sentido da sua redução. Simplesmente, dada a própria índole do regime constitucional, estas limitações foram ignoradas na prática.
Nos termos da Constituição da Y República, por último, os membros do Parlamento não podem apresentar propostas e emendas cuja adopção determine uma diminuição das receitas públicas.
Em Portugal, desde a Constituição de 1822 até à de 1911, a regra foi que as assembleias legislativas interviessem na fixação dos impostos e no seu voto anual º. Sem embargo, na nossa prática constitucional, tornou-se frequente que, fora da oportunidade da votação do projecto de orçamento, o Executivo fosse autorizado pelo Parlamento a elaborar e publicar leis tributárias avulsas ou reformas tributárias amplas. De toda a maneira, as normas editadas pelo Parlamento em matéria de impostos tiveram quase invariavelmente uma generalidade tal que o Poder Executivo ficou nesse campo com uma liberdade considerável. Desta sorte, as regras que entre nós regularam as contribuições foram quase sempre

1 Cf. G. Jèac, Cours de Science de Finanoes (Théorie générale du bulget), 6.ª edição, p. 11.
1 Cf. autor e obra citados, p. 10.
1 Cf. M. A. Soulier, «L'article 17 de la Constitution et sés incidences sur la reforme budgétaire», in Ia Reformo Budgétaire, n, 1054, p. 80.
C.F. Maurice Duverger, Inatitutions Financiarei!, 195C, p. 848.
Cf. autor e obra citados, pp. 848 s seguintes; Soulier, obra citada, pp. 80 e seguintes; Eneyclopadia of the social science», vol. m, p. 43.
Cf. .Soulier, obra citada, p. 81.
Cf._Duverger , obra citada, pp. 350 e seguintes.
' Aliás, cem recuadas épocas aparece-nos já o princípio do voto do imposto em Cortes como ponto fundamental do direito português». Cf. Armindo Monteiro, Do Orçamento Português, vol. n, 1922, p. 140.