798 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 110
dade, gastar-se-á ou quebrar-se-á, se acaso não achar suporte, clima e alimento, num estado afectivo do espírito, num estado geral que seja, de certo modo, um misticismo. Fará um povo viver integrado na mesma estrutura .e dirigir a sua vontade no mesmo sentido é preciso que os seus elementos participem da mesma mística, de um exaltante sentimento comum, de uma fé comum.
Sabemos que certos empreendimentos demoram a realizar, a exibir a sua importância ou a produzir os seus resultados. Alguns chegam a prolongar-se por gerações - e assim se compreendem desígnios de dinastias, fidelidade a um plano. Mas o natural egoísmo dos indivíduos, dos grupos e dos povos torna-os incapazes de entender a vantagem de um plano de bem comum ou bem futuro, e também a sua impaciência, mesmo quando entendessem tal vantagem, tornar-lhes-ia difícil a aceitação de uma demora. Cada pessoa, cada profissão, cada localidade, cada município, ou região, ou estado, cada geração, exigem, cada qual, o bem-estar, um acréscimo de bem-estar, ou até a primazia no bem-estar. E perante esta tendência impaciente e egoísta, centrípeta e de sístole, reduzem-se as comunidades, as forças de entrega, diástole, colaboração.
Como poderemos, pois, obter que esta geração se modere e sacrifique, em obediência ao imperativo e a vocação de gerações passadas ou ao destino das gerações futuras? Como poderemos obter que estes indivíduos ou estes grupos se sacrifiquem e moderem, para afinal beneficiar outros que, com eles, formam comunidades mais vastas? Como poderemos, no caso do nosso ultramar, por exemplo, obter a aceitação, imediata e sem reservas, de actividades ou organizações em que será maior a dádiva do que o recebimento - do continente para a índia, ou do Angola para o continente? Como poderemos evitar os apetites de particularismo?
As razões estritamente ou abstractamente económicas não bastam para a vitória, e até podem, ao contrário, contribuir para acicatar a revolta. Tem de haver razões místicas ou, se quiserem, sentimentais. Não podemos, todavia, deixar o caso entregue ao puro sentimentalismo, que é dissolvente e cego. Precisamos de considerá-lo numa força conjuradora e fiel, numa fé, mas numa fé que seja vértice e condutor de energias, uma límpida mística colectiva.
Só mercê de idealismo serão aceites sem revolta, e porventura com entusiasmo, o sacrifício e as limitações. Aquela sentença de um pensador francês - «quand lês peuples cessent d'estimer ils cessent d'obéir reúne-se a consideração de que, quando os povos deixam de crer, deixam de sacrificar-se, de continuar o passado e de preparar o futuro; o dia de hoje, o egoísmo, o particularismo, a ganância, a revolta, a sede de prazeres, a materialismo, avançam.
Reconhecemos, pois, a necessidade de mística.
Mas para a mística tomar o seu lugar em qualquer sociedade política é preciso que as almas vejam almas lavadas à sua volta, sobretudo ao de cima, que a seriedade, o comedimento, o espírito de luta e de sacrifício, escorram desde o vértice da pirâmide e venham na base conformar as inteligências despertas para a vida e às quais o simples pressentimento da mentira ou do logro pode afastar definitivamente de nós - definitivamente e irrecuperavelmente!
Se todos os que no País exercem funções preeminentes e que pela sua posição suo alvo dos olhares curiosos e são exemplos a exaltar ou a condenar, se todos tiverem presente a lição de modéstia, de austeridade, de isenção a lição magnífica da vida de Salazar-, outras serão seguramente as perspectivas de futuro bem mais aberta, e iluminada, e crédula, e confiante, a alma da nossa juventude - sempre atenta e sabendo julgar devidamente os exemplos que vê à sua volta!
E quantas tarefas clamara por nós! O ultramar, por exemplo, é uma estrada aberta ao sonho da gente nova! O acrescentamento da riqueza nacional, pela execução dos planos de fomento, é outro motivo capaz de polarizar energias e vontades!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O modo próprio de o bem comum se expressar e realizar é, na sua estrutura fundamental, aquilo a que normalmente chamamos política. Afirmar a realidade axiológica do bem comum, tentar definir o bem comum, tudo isso é manifestar um pensamento. A política propõe-se estabelecer a justiça social, mantendo a ordem, usando a autoridade. A acção, o resultado social que a política se propõe, reparte-se em dois sectores: o económico-matenal e o espiritual. Donde, o problema económico é primeiro um problema social, e o problema social é primeiro um problema político. A política • apresenta-se deste ânodo como um processo de actividade prática, a forma adequada para atingir certas justezas: a justiça social.
No entanto, o fim em vista é que nos há-de sugerir a natureza dos meios para o atingir. Como estabeleceremos, pois, um pensamento político? Pela observação das realidades tais como são, pela consideração do que é preciso que seja e pela relacionação entre o que é e o que deve ser.
Observemos: desde já: o progresso social, o bem-estar material, a riqueza e a segurança externa não dão, só por si, a felicidade nem são o cumprimento do destino do homem. Em povos adiantadíssimos sob tais aspectos intensifica-se, a angústia, multiplicam-se u ansiedade, o desespero, é aflitivo o número de suicídios e doenças mentais, bem como o desvairamento de uma juventude que reclama a «vida urgente». Por outro lado, sobretudo em certos povos, um acréscimo de bem-estar material só serve de acicate para reivindicar novo acréscimo, e assiste-se, entoo, a uma desenfreada corrida ao luxo, às exigências, à inveja.. Finalmente, certas soluções de distribuição mais ou menos igualitária da riqueza adoptam-se - à custa do esmagamento ou do desvio das formas naturais, das mais íntimas e mais importantes vocações da alma humana.
Uma observação realista deve, no entanto, notar que o actual estado do Mundo e das sociedades, as ideias correntes, o exacerbado predomínio da opinião (e da opinião fabricada por inconfessados interesses), geram a mentalidade e o clima emocional que irão contrariar a concepção de vida e os hábitos indispensáveis para um voluntário sacrifício, ou uma simples aceitação de vida frugal e modesta. Além disso, no estado de desenvolvimento técnico, económico e, digamos, social a que chegou o Mundo, é justo haver uma atitude diferente perante, alguns problemas e é igualmente justo haver, para todos os homens, maior fruição de bens materiais. A civilização e o termo da evolução (predomínio exogenético) são também, como já foi assinalado, o sinal da vitória do homem sobre o meio exterior, transformando-o e utilizando-o. Deste modo, a História fornece-nos a observação de um progressivo domínio das. forças naturais e o consequente desenvolvimento dão formas produtivas. A sentença divina lançada sobre Adão (e que o homem pode transformar numa benção, fonte de alegria e de méritos), essa sentença do ganharás o pão com o suor do teu rosto», refere-se menos a cada um e todos os indivíduos do que a sociedade dos homens. Portanto, mercê da comunidade do mérito e da solidariedade histórica e axiológica do género nu-