226 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 141
limite à livre recondução, na esteira rio preconizado pelo decreto-lei, mas reconhecer que há casos excepcionais que merecem ser tomados em consideração e determinar que a recondução pode, nesses casos, ir além do limite estabelecido. Foi a solução defendida pelos Srs. Deputados Pinto de Mesquita e José Saraiva.
É na escolha de uma destas soluções que tem de mover-se, dentro deste problema, o "exame na especialidade" da Câmara Corporativa: e já ficou demonstrado (supra, n.ºs 15, 16 e 17) que não têm de intervir nessa escolha senão considerações de conveniência ou oportunidade, pois o problema não tem nina solução doutrinalmente exigida ou imposta pela lógica do sistema administrativo vigente.
26. Posto o problema nestes termos, a Câmara Corporativa não tem dúvidas em manifestar-se desde já contrária ao regresso puro e simples ao statu que ante preconizado pela primeira solução.
Compreende-se que o Código Administrativo, na altura em que foi elaborado, não tenha visto necessidade de impor um limite à livre recondução dos presidentes e vice-presidentes das câmaras e que tenha encarado até com certa simpatia a sua longa permanência nos cargos, fixando-lhes um extenso mandato - primeiro de, seis, e desde a revisão do 1940, de oito anos - o admitindo, toties quoties, a sua recondução por iguais períodos de tempo. Vinha-se de uma época de instabilidade governativa e administrativa e conservava-se fresca a memória dos efeitos desastrosos das constantes mutações nos cargos directivos, suscitadas pelas rivalidades políticas; e vivia-se, por isso mesmo, uma verdadeira ânsia de permanência, de ordem, de estabilidade. As conveniências da época - numa palavra - levavam à solução que efectivamente foi adoptada.
Mas essa solução deu, .posteriormente, as suas provas numa experiência que dura já lia mais de vinte anos; e o tempo encarregou-se de pôr a descoberto alguns vícios do sistema, que só podem ser evitados mediante a imposição de um limite à liberdade absoluta de recondução. Pretendendo pôr cobro ao risco da instabilidade administrativa, o sistema deu largo campo à verificação do risco oposto: o da permanência pela permanência ou da estabilidade pela estabilidade, com manifesto prejuízo do rejuvenescimento dos quadros e da revelação de novos valores nas tarefas da administração local.
27. Uma forte corrente de opinião pública começou, por isso, a formar-se contra este excesso de permanência ou exagero de estabilidade para que, a pouco e pouco, se foi orientando o panorama político e administrativo do País. A ideia de que "tudo o que não se renova morre" começou a conquistar os espíritos; e alguns grupos políticos, sobretudo da gente nova afecta ao regime vigente, tomou como cartaz ou bandeira a "necessidade de renovação".
E evidente que este estado de espírito, exacerbado pelos entusiasmos fáceis, pode transformar-se inadvertidamente - como disse o Sr. Deputado Homem Ferreira com tanta propriedade - num "vento subversivo, que altera posições, desintegra planos, ofende esforços e faz deflagrar as mais sérias dificuldades"; e seria erro palmar não levantar uma barreira contra esse vento subversivo, evitando a tempo e horas os seus efeitos devastadores. Mas é evidente também que não seria menor erro fechar inteiramente os ouvidos aos clamores daquela corrente de opinião, na medida em que ela representa uma benéfica e salutar reacção contra o imobilismo político e administrativo, no que ele tem de verdadeiramente nocivo.
28. Regressar, pura e simplesmente, ao sistema da liberdade absoluta de recondução dos presidentes e vice-presidentes das câmaras seria menosprezar este novo condicionalismo, tão diverso daquele que se respirava em 1936, à data da elaboração do Código Administrativo - condicionalismo ao encontro do qual pretendeu ir a medida preconizada pelo Docreto-Lei n.º 42 178, agora em exame.
Não faltará quem diga - nem faltou quem o dissesse já na Assembleia Nacional- que os amplos poderes da Ministro do Interior para demitir, em qualquer altura, os presidentes e vice-presidentes das câmaras são meio bastante para garantir a renovação dos quadros da administração local, quando eles estiverem realmente carecidos de ser renovados. Mas a isso se responde, mais uma vez, com a experiência de mais de vinte anos de execução do sistema.
Viu bem o -problema o Sr. Deputado José Saraiva, quando pós em destaque, olhando para essa experiência, a diversidade de efeitos que a acção do tempo produz sobre cada um dos dois aspectos em que a função do presidente da câmara se desdobra - a de presidir à administração municipal, como representante da comunidade, e a de representar o Governo junto do concelho: "À medida que os anos vão passando, a inserção ao plano da autarquia vai sendo minada; abranda o dinamismo, crescem os descontentes, diminui-se a capacidade pela acção política, a actividade tende a confinar-se aos aspectos burocráticos da administração ou até simplesmente à rotina"; e a este mesmo ritmo, a sua posição de magistrado administrativo vai-se solidificando, porque "o contanto frequente com o governador civil ou com o Terreiro do Paço vai transformando o simples conhecido dos primeiros anos no amigo, cujos méritos se descobrem e se apreciam e sem o qual, á certa altura, já se não admite se possa passar".
Ora - sem falar já da força da inércia ou da solução do comodidade que a recondução representa - salta à vista o grave risco de inversão de valores que a liberdade absoluta de recondução pode acarretar. Já se pôs devidamente em destaque (supra, n.º 12) que no nosso sistema administrativo a mais importante das duas funções que se concentram na pessoa do presidente da câmara é a de representante dos interesses locais, e não a de representante do Governo junto do concelho; e já se destacou também (ibidem) que o Governo, por isso mesmo, não deve utilizar a liberdade de escolha que a lei lhe faculta no sentido de procurar para presidente da câmara quem melhor o represente e possa subsidiariamente gerir a municipalidade, mas quem mais idóneo seja para administrar o município e subsidiariamente possa servir como delegado governamental. Dada a diferente acção do tempo sobre um e outro aspecto da função do presidente da câmara, pode afoitamente afirmar-se que uma recondução é quase sempre um passo dado no caminho que se desvia daquele são critério e que uma série de reconduções acaba por redundar, quase inevitavelmente, numa inversão completa do referido critério. E não há humanamente maneira de evitar isto
1 Diário das Sessões n.º 97, de 23 de Abril de 1959, p. 555. col. 2.ª
1 Diário das Sessões n.º 99, do 25 de Abril do 1959, p. 606,