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222 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 141

atenta do discurso, nu seu conjunto, logo mostra que não foi rigorosamente deste assunto que o ilustre Deputado quis tratar, mas tão-somente do problema da substituição obrigatória dos magistrados municipais ao cabo de um certo número de anos de exercício do cargo. O que sucede, porém, é que -como adiante se verá (n.º 16)- o pressuposto em que assentou a sua argumentação -serem os presidentes das câmaras um mero cargo de confiança- não obriga apenas a concluir pela inadmissibilidade de um limite à livre recondução; obriga, de paisagem, a concluir pela inadmissibilidade de uma nomeação por período de tempo certo e determinado.

Mas, fora daquele pressuposto - e é, como já vai ver-se no número imediato, o caso do sistema administrativo vigente, que a Assembleia não pôs em causa-, os dois problemas silo doutrinal mente distintos; e convém que não sejam confundidos, tanto mais que a Assembleia Nacional tomou posições bem diversas em relação a cada um deles, aceitando o principio da nomeação por período mirto de tempo e discordando, pelo menos na sua aplicação rígida, do princípio da substituição obrigatória ao cabo de certo número de anos.

11. O principio da nomeação por -período certo, que a Assembleia sancionou ao ratificar o decreto-lei, tem a sua justificação no facto de os cargos de presidente e vice-presidente das câmaras municipais terem uma natureza jurídica mista.
Como acentuam os administrativistas 1 e como muito bem lembrou no seu discurso o Sr. Deputado José Saraiva 2, o presidente Já câmara 6 simultaneamente um magistrado administrativo - e como tal representante do Governo- e um órgão do concelho - e, como tal, representante da colectividade para a administração municipal. O facto de ser nomeado pelo Governo pode fazer esquecer ao observador desprevenido esta sua posição de representante da colectividade municipal; mas a verdade é que ele mantém, apesar de tudo, essa qualidade e pude mesmo dizer-se que, de certo modo, ela sobreleva a de representante do Governo.
Se o presidente da câmara fosse exclusivamente um representante da Governo, o seu cargo seria então, exclusivamente também, de confiança política; e justificar-se-ia que ele fosse - como os Ministros, os governadores civis e os outros magistrados de confiança política - nomeado por tempo indeterminado.
Como ele é, porém, simultaneamente, um representante da colectividade, compreende-se que essa representação não lhe seja dada senão a titulo transitório, tal como sucederia se fosse eleito pela própria colectividade.

12. E note-se que o facto de se ter sancionado, no sistema administrativo vigente, esta regra do mandato transitório é deveras significativo, pois quis-se com isso nitidamente acentuar que a qualidade de representante da comunidade para a administrarão municipal sobreleva, no presidente da câmara - como dizíamos há pouco - a de representante do Governo. Por outras palavras: o presidente da câmara não é rigorosamente, um representante do Governo que acumula as funções de representante da colectividade; é um representante da colectividade municipal que acumula as funções de representante do Governo no concelho.

1 Cf. J. G. da Cruz. Filipe "O Presidente da Câmara no Código Administrativo de Salazar" na revista O Direito, ano 75.º, p. 98, e Marcelo Caetano, Manual do Direito administrativo. 3.ª edição, Coimbra. 1951, p. 896.
2 Diário das Sessões n.º 99, do 25 de Abril do 1959, p. 606. col. 1.ª

Isto tem a sua importância, pois significa que, embora seja o Governo a escolhê-lo e nomeá-la, não deve nem pode essa escolha e nomeação ser feita de forma arbitrária, mas sim em obediência àquela ordem de valores das duas qualidades que na pessoa do presidente da câmara se concentram. O Governo, em suma, não tem de escolher a pessoa que melhor possa representá-lo no concelho e que, subsidiariamente, tenha competência para gerir a administração municipal; tem de escolher, sim, a pessoa que dê garantias de representar da forma mais digna, mais ponderada e mais sábia os interesses da colectividade na gerência do município e que, subsidiariamente, ofereça também a idoneidade bastante para assumir as funções de magistrado governamental. E é talvez por isso que o artigo 71.º do Código Administrativo estabelece directrizes de urdem positiva e de ordem negativa para a escolha do presidente e vice-presidente da câmara, todas elas relacionadas com a necessária idoneidade para representar o concelho, e não com a idoneidade para representar o Governo: devem ser escolhidos "entre os respectivos munícipes, de preferência vogais do conselho municipal, antigos vereadores ou membros das comissões administrativas municipais ou diplomados com um curso superior"; e "não podem ser nomeados - é o § 1.º que frisa este aspecto negativo - os que, nos termos dos n.º 1.º e 10.º a 18.º do artigo 18.º, não puderem ser eleitos vogais do conselho municipal".

13. Diga-se ainda, em jeito de parêntesis, que é este conjunto de princípios que justifica, no sistema jurídico-administrativo vigente, que o presidente da câmara seja escolhido pelo Governo, e não eleito pelos munícipes.
À primeira vista poderia, parecer que devia ser ao contrário: se a qualidade do representante da comunidade sobreleva, no presidente da câmara, a de representante do Governo, parece que devia ser a comunidade, e não o Governo, a designá-lo. Mas é fácil de ver porque não convém que seja assim.
Em sistema monista de magistraturas municipais, a escolha do presidente da câmara não pode deixar de pertencer ao Governo, mesmo que a sua qualidade de representante do concelho sobreleve -como no nosso sistema - a sua qualidade de magistrado governamental. É que o Governo, fora e acima das paixões e rivalidades locais, possui, em princípio, a isenção e independência bastantes para escolher o mais idóneo representante da municipalidade, sem descurar o aspecto da qualidade da magistrado administrativo que elo há-de conjuntamente assumir; enquanto que o eleitorado poderia, quando muito, atender com igual cuidado ao primeiro aspecto, mas desprezaria certamente o segundo.
O sistema oferece o risco, sem dúvida nenhuma, de o Governo ser tentado a inverter, na sua escolha, a ordem de valores assinalada, olhando primeiro às qualidades que o escolhido possa ter como agente governamental e colocando em segundo plano a sua idoneidade para representar os interesses municipais. Mas esse risco, de qualquer maneira, é muito menor e muito mais controlável e evitável do que o de a colectividade escolher um representante seu que não tivesse a menor noção das suas responsabilidades como delegado do Poder Central.
Isto equivale a dizer que só em sistema dualista de magistraturas municipais é possível aceitar a existência de presidentes das câmaras eleitos. E, de resto, a história aí está a demonstrá-lo abundantemente: seja no antigo regime - desde a Idade Média até começos do século XIX-, seja no regime monárquico liberal e no regime republicano, nunca um representante eleito dos