280 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145
(...) tas povoações onde nem sequer existem as chamadas «fontes de chafurdo» e toda a população se abasteço da água das chuvas, caída nos telhados ou eiras e guardada em cisternas, donde é tirada durante todo o ano.
Nas faldas e no alto da serra dos Candeeiros, região que muito bem conheço, há numerosas aldeias onde, durante o Verão e quando está bastante tempo sem chover, os habitantes têm de ir buscar a água para eles e para os seus gados a 5 km e 6 km de distância
Calculem VV. Ex.ªs o que é a vida dessa pobre gente, tendo de andar 10 km ou 12 km, a maior parte das vezes durante a noite e depois de um dia de trabalho fatigante, para trazer uma bilha de água com que possa matar a sede da família e dos animais domésticos e cozinhar as suas modestas refeições!
Quando, ao fim de tantas canseiras, tropeçam e caem, devido aos péssimos caminhos que têm de percorrer, e a bilha se parte, perdendo o fruto de tanto trabalho, isto representa uma verdadeira tragédia para as pobres vítimas dos acidentes.
Nas regiões a que me refiro, geralmente cheias de algares, por onde a água se escoa para grandes profundidades, é difícil e muito oneroso captar a água para o abastecimento das populações, mas estas, que são tão boas, trabalhadoras e verdadeiramente portuguesas, pelas suas magníficas qualidades, são indiscutivelmente dignas de protecção do nosso Governo, que confiadamente solicito, tendo a certeza de que o meu apelo será atendido, como é de inteira justiça.
Abençoadas serão as obras que se efectuem para este fim e que contribuirão para a melhoria das condições sanitárias dos habitantes dos pequenos aglomerados populacionais e para a satisfação de uma das suas mais prementes necessidades.
Tem o Governo norteado a sua acção atendendo em primeiro lugar os pedidos que são mais justos e que representam a satisfação de necessidades mais prementes. Pois, Sr. Presidente, não creio que se possa fazer um pedido mais justo do que aquele que nesta minha intervenção estou formulando a favor das populações das abas da serra dos Candeeiros e dos habitantes de muitas outras aldeias do País onde a água no Verão não chega para beber e muito menos para praticar os mais elementares princípios de higiene.
Na região a que me refiro todos os anos há febres intestinais devido à péssima e inquinada água que se bebe e algumas preciosas vidas humanas são anualmente sacrificadas por esse motivo.
Sabe-se também que a radioactividade da água das chuvas tem aumentado, sendo esse aumento de vinte vezes na Itália, devido às experiências com bombas atómicas que se têm efectuado nos últimos anos. Não sei o que se tem passado em Portugal, mas é de recear que o alimento não seja inferior ao que foi constatado em Itália, e que no caso de uma guerra nuclear esse aumento se torne perigoso e até mortal para quem tiver de fazer uso da água das chuvas para beber.
Deus afaste de nós mais outra guerra, mas, como é sempre prudente prever o pior, o perigo que acabo de apontar é mais um argumento a favor da satisfação do meu pedido.
Com a proposta de lei que esta Assembleia está a discutir veio o Governo da Nação mostrar, mais uma. vez, o seu interesse pelas desprotegidas populações rurais e tornar possível, dentro de um prazo que todos desejamos que seja curto, a satisfação da mais premente das suas necessidades.
Depois de chamar a atenção do Governo e da Assembleia para a situação em que se encontram muitas povoações do nosso país, idêntica à que acabo de apontar, vou fazer ligeiras considerações a respeito da proposta de lei em discussão, não me alongando, para não repetir o que já foi dito por distintos colegas que fizeram uso da palavra.
A proposta de lei é indiscutivelmente digna da aprovação da Assembleia, concordando eu na generalidade com as alterações propostas pela Câmara Corporativa, limitando-me a observar que quanto à base IV se deve ter em atenção que geralmente as câmaras municipais não têm possibilidades de abastecer de água os povoações que se encontram nas condições atrás apontadas, a não ser que o Estado faça todas as despesas com a prospecção e abastecimento, visto que, encontrando-se a água a grandes profundidades, a sua captação importará em quantias muito elevadas, que as câmaras, mesmo com a comparticipação do Estado, não poderão fazer na maior parte dos casos.
Abençoada será, porém, toda a despesa que o Estado faça em benefício dos camponeses, especialmente dos habitantes das serras, que são, na sua imensa maioria, portadores das mais nobres qualidades que distinguem a raça portuguesa.
Bem sei que é necessário proceder a estudos demorados, fazer prospecções laboriosas e planear com cuidado os trabalhos a realizar para execução desta lei, mas será um benefício de altíssimo valor que o País ficará a dever ao Governo de Salazar quando todas as povoações portuguesas ficarem com o seu abastecimento de água devidamente assegurado.
Até sob o ponto de vista político esta lei é de um enorme alcance, contribuindo, certamente, para que as populações rurais, e especialmente os pequenos proprietários, não continuem a abandonar as suas aldeias, criando uma situação ruinosa para a nossa agricultura, que, além de todos os males que a perseguem e que nesta Assembleia têm sido apontados numerosas vezes, está a lutar com uma falta de trabalhadores que em muitas povoações do distrito de Leiria, e, aliás, de outros distritos, se está a tornar um facto alarmante, digno da atenção do Governo.
Os trabalhadores e, ao mesmo tempo, os pequenos proprietários, que têm sido a grande força desta situação política, abandonam as suas aldeias e as suas modestas courelas e vão para as vilas e cidades, e os trabalhadores que vão ficando, geralmente os que menos valem, exigem salários que, embora sejam modestos comparados com os que auferem os operários da indústria e da construção civil, são incomportáveis para os proprietários da terra, cujos produtos mantêm os mesmos preços, ou pouco mais, há longos anos, quando tudo aquilo de que precisam e os salários dos trabalhadores têm aumentado em proporções bastante elevadas.
Pela leitura do projecto de lei, da autoria do grande Ministro engenheiro Arantes e Oliveira, já hoje uma figura nacional admirada e estimada desde o Minho ao Algarve, vê-se que há a preocupação de fazer a distribuição de água aos domicílios no maior número possível de povoações com grande número de habitantes.
Estou de acordo com a realização desta utilíssima medida, mas entendo que muito mais necessário será atender, em primeiro lugar, ao abastecimento de água às povoações ou agrupamentos de povoações que a não tenham e necessitam de a ir buscar muito longe, como aquelas a que me referi no principio da minha intervenção.
Não desejo terminar as minhas considerações sem manifestar o meu pleno acordo com o parecer da Câmara Corporativa no que diz respeito à falta de agentes técnicos de engenharia para auxiliarem os engenheiros encarregados da execução dos planos de fomento e das causas que tem originado essa carência.