368 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150
Proposta de lei a que o Sr. Presidente referiu no decorrer da sessão:
1. Em princípio, um desporto é um jogo obedecendo a regras rígidas, onde destreza e esforço físico se traduzem em gestos gratuitos com o um de atingirem um resultado ou realizarem uma acção de valor.
Umas vezes o jogo é individual, no sentido de cada qual só se preocupar com o adversário - pessoa, animal, obstáculo material -, outras vezes é colectivo porquanto o jogador se integra, disciplinarmente, num plano de acção de unia turma. Em qualquer dos casos o desporto é fundamental mente um lazer, isto é, uma expansão entre dois tempos de trabalho, com o fim de mudar de preocupação, de ambiente e de ritmo de vida. Esta característica está implícita na etimologia da palavra - distracção. No desporto o corpo e o espírito estuo ocupados num exercício muscular disciplinado, realizado com prazer e com o simples desejo de marcar uma superioridade sobre um adversário ou sobre si próprio. O desporto, porque é distracção, nada tem que ver com o lucro material.
O desporto tem um fim eminentemente educativo: por um lado, porque é um lazer que se preocupa com a melhoria do corpo, factor importante para a melhoria do espirito; por outro lado, porque a obediência a regras, aceites sem qualquer imposição, contribui para a vigilância do comportamento, arrasta o respeito pelos outros que agem, com equidade, lealdade e rectidão, segundo as mesmas regras, e fortifica o carácter. O desporto pode assim contribuir para a educação moral e cívica. A sua orientação incumbe, desta forma, ao Ministério da- Educação Nacional.
O carácter de competição, implícito no desporto, leva o participante a desenvolver as suas capacidades físicas. A educação física deve, porém, velar por forniu a só permitir um desenvolvimento progressivo e até às possibilidades do organismo. Temos a obrigação de fortalecer o corpo, suporte do espírito, que desejamos forte. É preciso, porém, evitar os excessos e o forçamento do equilíbrio orgânico. A vigilância e a orientação devem ser constantes e contrariar as proezas tão gratas à vaidade humana.
Imposta a função de vigilante - professor ou monitor de educação física e desporto -, encontramo-nos perante, a realidade da existência de indivíduos para os quais o desporto não é uma actividade complementar, mas um trabalho.
Outros indivíduos especialmente habilidosos para as actividades físicas, ao verificarem a sua superioridade em competições desportivas e ao serem solicitados para repetir exibições e proezas manifestam o desejo de se manter em forma e de alargar o círculo dos seus admiradores, primeiro formado por praticantes menos destros, depois formado por um público anónimo, sugestionável pela virtuosidade, pela beleza ou pela agressividade do jogo.
A psicologia colectiva, desenvolvida por uma multidão concentrada ou por uma massa dispersa, hipertrofia o desejo de marcar, até ao ponto de o erigir em fim de vida. Essa psicologia colectiva pode até atingir as culminâncias do prestígio nacional e dar um significado elevado à necessidade de fabricar campeões.
Resvala-se, assim, do amadorismo que .caracteriza o desporto para um profissionalismo que é inevitável quando a exibição gratuita para praticantes se transforma em espectáculo pago.
Perdida a pureza do desporto e portanto a sua essência, é lícito perguntar se a actividade decorrente de exercícios físicos apresentados como espectáculo de multidões deve continuar a ser vigiada pelo Ministério da Educação Nacional.
Responde-se pela afirmativa, pela dificuldade de coexistência de duas fiscalizações sobre actividades regidas pelas mesmas normas e porque se julga que unificando a orientação superior das técnicas desportivas, se podem atenuar os inconvenientes do profissionalismo, , Aliás, as questões da disciplina do trabalho não são da competência do Ministério da Educação Nacional.
2. A circunstância de as actividades desportivas se? terem integrado inegavelmente nas culturas ocidentais, invadindo todos os méis sociais, é a principal razão que leva o Governo a manter no Ministério da Educação. Nacional a sua fiscalização técnica.
De facto, como elementos de uma cultura, necessitam elas de ser cuidadosamente seleccionadas e depuradas por forma a delas destacar, para a transmissão aos jovens, os possíveis valores que encerram.
Daí também o cuidado que o desporto tem merecida ao Estado, no sentido de o defender, moralizar e auxiliar, procurando colocá-lo, em lugar próprio, na escala dos interesses nacionais. De resto, as virtudes, a grandeza e a força do desporto não estuo em causa, qualquer que seja a faceta por que se encare, e tanta assim é que a Administração tem de estar sempre atenta à defesa dos seus princípios, à sua orientação e até, eventualmente, às suas mutações.
3. Como já se disse, a transformação das exibições de praticantes do desporto em espectáculo pago levou a resvalarem do amadorismo para o profissionalismo algumas modalidades desportivas. Acompanhando tal modificação, houve natural evolução de algumas regras do jogo, incluindo, especialmente, as que dizem respeito à própria participação do praticante.
Embora muitos deles se tenham mantido felizmente com as características muito dignificantes de puros amadores, a verdade é que, naquelas modalidades que maiores paixões despertam, mais público chamam e mais dinheiro movimentam, os praticantes respectivos, afinal os dadores do espectáculo, não puderam deixar de se profissionalizar, na sua generalidade, e a tal ponto que, em muitos casos, vivem e sustentam-se dessa actividade.
Assim acontece em toda a parte e, naturalmente, entre nós. As actividades desportivas profissionais, ainda que discutidas na sua designação, na sua essência ou na elevação dos seus predicados, são realidades que têm de reconhecer-se e regularizar-se.
Não será até descabido registar que a participação de profissionais nas actividades desportivas levou ao aperfeiçoamento de muitas das suas técnicas.
O reconhecimento do profissionalismo desportivo nau deverá representar, no entanto, mais do que a necessidade de uma regularização, na medida, em que ao Estado, sob o ponto de vista gimnodesportivo, mais deve interessar, por força, a prática do desporto com meio de revigoramento do corpo, do que a realização de simples espectáculos para entretenimento dos povos. Não é que este aspecto da questão seja indiferente, mas, sem embargo da sua importância e até do seu interesse, deverão considerar-se principalmente, em nome dos princípios desportivos, aqueles que continuam a praticar desporto por prazer e para seu bem-estar físico ou moral e, portanto, a praticá-lo na sua acepção mais pura e perfeita.
4. Verifica-se que, em todo o Mundo, as actividades desportivas evolucionaram no sentido de admitir a existência dos atletas amadores e dos praticantes profissionais. Desde que assim é, importa legalizar a situação e fazer da distinção entre amadorismo e profissionalismo a linha mestra da nova regulamentação. Considerou-se, (...)