3 DE FEVEREIRO DE 1961 399
As populações rurais não podem continuar a sofrer indefinidamente as privações o inibições do passado. Temos de nos debruçar sobre elas, compreendê-las nos seus anseios e preocupações, ir no seu encontro, em suma, tal como o Governo acaba de fazer mais uma vez. Só deste modo lhes poderemos aliviar a penosa missão do amanho e cultivo da terra, proporcionando-lhes o mínimo de regalias a que têm incontestado direito. Ora a existência, ou falta de estradas e caminhos municipais, a sua boa ou má conservação, à semelhança dos graves distúrbios circulatórios causados no corpo pelo derrame dos ínfimos capilares, constituem para aquelas populações o problema vital que decide a orientação a seguir pelo chefe de família, quando não de todo o agregado. Na generalidade, uma vez que o chefe de família, alcance trabalho menos pesado, em melhores condições de prestação, defendido dos calores do Estio e dos rigores do Inverno, condicionado a horários e protegido na doença, na invalidez e na reforma, ele aí vai de abalada. Tempos passados chama até si a família e, com o correr dos tempos, amigos e simples vizinhos, que atraídos pelo que lhes consta de bom e fácil na cidade começam de formar caudais fortes e impetuosos, que tudo arrastam na passagem.
O Sr. Ministro das Obras Públicas de há muito se apercebera do problema. Certamente, em atenção a ele, já no II Plano de Fomento, em curso, resolveu incluir certo número de obras de construção de novas estradas e caminhos municipais. No entanto, como sabemos os 14 750 km de vias reputados necessários consumiriam dezoito anos de construção. O já flagrante atraso converter-se-ia, no termo daquele lapso de tempo, numa situação que, nem sequer, me julgo habilitado a prever; mas penso que nessa altura poucos ou nenhuns seriam os géneros e produtos agrícolas a permutar nos grandes centros, mesmo em troca de metal sonante oferecido às mãos cheias.
Avisado andou o Governo e digna de relevo é a iniciativa do Sr. Ministro das Obras Públicas, cuja proposta de lei do plano de viação rural subscreve, antecipando aquela obra de construção e facultando os recursos materiais e técnicos que hão-de assegurar o melhoramento, bem como a conservação das vias de comunicação existentes e a construir.
Os dilatados dezoito anos já referidos serão, pois, reduzidos para o menor prazo possível, como nos elucida a proposta; e o esclarecimento do Sr. Ministro é garantia sólida de que na realidade iremos possuir uma rede de estradas e caminhos municipais mais densa e convenientemente reparada, como é mister e aspiração de todos.
Sr. Presidente: outro ponto que considero dever salientar é o respeitante à obrigatoriedade, por parte das câmaras ou federações de municípios, da criação e manutenção de serviços especiais a cargo de que fica a conservação das redes de estradas e caminhos sob a sua alçada.
Assim se favorece a acção das câmaras e federações, que até agora eram compelidas a obras de pouca monta e quase sempre inferiores ao exigível, bem como se extermina radicalmente o esporádico desinteresse verificado aqui e ali em pequeníssima escala - anote-se -, todavia motivo de justificados reparos em casos desprovidos da mínima parcela de razão plausível.
As facilidades de que as câmaras e federações passam a dispor, quer no concernente a pessoal especializado, sobretudo de engenharia, a fim de que os estudos e projectos não sofram demoras na elaboração, quer no relativo à fiscalização das obras, que, concomitantemente, o Ministério das Obras Públicas também lhes assegurará, merecem ser postas em relevo, também, como providências cautelares de máxima vantagem técnica e material para os serviços beneficiários.
Por outro lado, o princípio já assente, mas desta feita mais uma vez vincado, do obedecerem ao regime de empreitada os trabalhos de construção das estradas e caminhos municipais, ressalvando-se a hipótese da administração directa no caso da oferta de auxílio significativo das populações interessadas, expresso em mão-de-obra, transportes e materiais de exploração local, considero-o insubstituível, por ser o mais consentâneo com a grandeza das obras a levar a cabo, o menos dispendioso e o de maiores garantias quanto a perfeição técnica dos serviços.
Não deixarei, de igual modo, no esquecimento a referência à disposição importante da proposta, que recomenda o revestimento definitivo das estradas e, sempre que possível, dos caminhos a construir ou a reparar, cujos efeitos, por demasiado evidentes, me dispenso de comentar.
Outrossim, é digna de especial menção a maleabilidade prevista para a atribuição das comparticipações. Expoente inequívoco da ponderação com que os assuntos são estudados pela pasta das Obras Públicas, reflecte a sensatez de que o seu responsável já nos dera prova neste pormenor de romper com o procedimento tradicional da rigidez igualitária no montante das comparticipações do Estado a distribuir por câmaras e federações de situações financeiras as mais díspares. O Sr. Ministro concluiu - e muito bem - ser tempo de eliminar a deprimente desigualdade que de tal processo resultava para a aceitação de benefícios concedidos àquelas autarquias, visto nem todas poderem assumir os compromissos monetários devidos pela execução dos melhoramentos pretendidos. Em diversos casos já atendidos podemos encontrar este mesmo critério; poderia, contudo, tê-lo adoptado a título excepcional, voltando ao obsoleto sistema que vingou já mais anos até do que seria de desejar.
Está dito e redito ser facílimo obter do Estado as comparticipações para obras e melhoramentos a cargo das câmaras; tão fácil, afinal, quão difícil é, para a sua grande maioria, conseguir inscrever nos orçamentos as verbas capazes de fazer face à almejada colaboração superior. Não trago novidade alguma, insistindo no assunto, mas entendo meu dever referi-lo precisamente para fazer ressaltar o espírito de justiça que presidiu à elaboração da proposta em causa. Só assim, mediante tratamento diferenciado para com as autarquias, tendo em atenção as reais possibilidades financeiras de cada uma, o Governo fará justiça a todos.
Sr. Presidente: a ilustrar estas minhas últimas palavras, à primeira vista um paradoxo, posso referir a incidência, daquela realidade palpitante na vida administrativa de três concelhos vizinhos, cujas sedes distam umas das outras, aproximadamente, 18 escassos quilómetros.
Um deles, mercê da circunstância extremamente favorável de centro industrial que, na especialidade, ocupa o terceiro lugar no País, dispõe de boas estradas e excelentes caminhos municipais, muitas destas vias com pavimentos alcatroados, possui recursos bastantes para uma assistência, regular e eficiente à sua rede rodoviária, e quase todos os seus lugares usufruem da regalia de bom acesso.
Os outros dois, de feição tipicamente rural, visto que a sua indústria nada conta na conjectura económica, embora a administração municipal opere prodígios de poupança e seja mestra no equilíbrio entre as desfalcadas receitas e as vultosas despesas, não têm podido prestar um serviço de conservação à altura do razoável em todas as suas vias de comunicação, que não são