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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65 1708

das diligências probatórias necessárias para apurar a verdadeira situação (substituídas por uma presunção - verdade formal - resultante do internamento e durando o que este dura), a nomeação ipso jure como uma medida normal, destinada a estabelecer o regime da gestão dos interesses do internado, enquanto o for. Podem diminuir-se as formalidades da interdição aumentar-se a celeridade à custa da 'ponderação, mas só para estabelecer um sistema provisório de gerência dos interesses do demente em face da urgência em o fazer, do periculum in mora. Não se pode assentar numa summaria cognitio, num procedimento célere e por isso pouco seguro, uma deslocação para outrem do poder de gerir o próprio património, deslocação essa a título definitivo, ou pelo menos por tempo indeterminado, sem a justificação da urgência e a garantia de que a situação será apreciada mais detidamente. Crê a Câmara que tal possibilidade representaria uma violação grave das garantias da pessoa, sujeita a ver-se privada da gestão do seu património, com todos os perigos e prejuízos materiais que tal acarreta, sem um exame atento e profundo das circunstâncias, feito ou a fazer no mais curto possível espaço de tempo.

A imposição da curatela ipso jure, sem a intervenção judicial, sem um exame do caso concreto (que só em tribunal se concebe) (1), traz necessariamente casos de injustiça, ainda mesmo que se excluam (como é devido) os casos em que o internado se mostre apto a continuar a gerir o seu património (que elo melhor que ninguém conhece e poderá manejar) (1), os casos em que, sendo o internado casado, a mulher assegure a gestão dos seus interesses e os casos em que o internado constitua representante voluntário (como pode fazer enquanto não for interdito, assim como destituí-lo).

Por outro lado, sujeito o internado a um regime de curatela in abstracto, há o problema da determinação do curador in concreto.

Essa determinação pode ser feita também ipso jure - por exemplo: o director do estabelecimento onde alguém fosse internado seria ipso jure seu curador. Esta solução é referida só como exemplo, para esclarecimento do sistema que se analisa, porque as suas desvantagens são patentes. Não parece conveniente sobrecarregar uma pessoa que é - normalmente pelo menos - técnico em psiquiatria, com funções de administração patrimonial, que não terá interesse, tempo, ou competência especial para desempenhar.

O sistema da lei francesa em Portugal não seria possível sem uma profunda reforma da orgânica dos nossos hospitais de psiquiatria, cuja direcção clínica e administração estão confiadas a órgãos singulares (um director clínico e um administrador, por vezes com um adjunto).

Foi propositadamente guardada para último lugar a apreciação do sistema da lei civil quanto à interdição por demência, sistema que consta do artigo 320." do Código Civil. Aplicando-o à matéria em causa, poderia ' estatuir-se que, internado o doente num estabelecimento de saúde mental, automaticamente ficaria investido nas funções do seu curador de bens o cônjuge (1); na falta, o pai; na falta de ambos, a mãe, e assim por diante, pela ordem do artigo 320." do Código Civil. Simplesmente, a determinação no caso concreto da pessoa que fica investida na curatela, a comunicação a essa pessoa das suas funções, a solução das múltiplas questões que neste domínio se podem levantar, como escusas, remoções, reunião do conselho de família, etc ... ., tudo são factores que aconselham a intervenção do tribunal e apoiam o sistema da jurisdicionalização.

Acresce que, nas hipóteses em que aã evolução da doença nem já terá duração suficiente para permitir recorrer à interdição do doentes (relatório, n.º 9), nesse tempo diminuto pode uma pessoa que pretenda desempenhar-se das suas funções conscienciosamentc não ter tempo para se habilitar a bem gerir um património que desconhecia. Uma doença mental fulminante e rápida do sen titular representará sempre, na gestão do património, um mal inevitável - não há sistema que possa evitar neste caso que sobrevenham prejuízos. E há sempre ainda que recear o perigo da desonestidade de qualquer substituto do titular do património para a sua gerência e administração.

24. Estudado o problema em abstracto, aprecie-se agora a solução que lhe dá o projecto governamental, na sua base XIXIV.

Por mais estranho que pareça, parece poder afirmar-se que lhe não dá nenhuma. A base XXIV contém dois números: o n.º 2 é uma mera remissão ,para a lei civil; o n.º l ajusta-se sem dificuldade ao sistema - vigente, com a única ressalva da substituição da palavra curador pela palavra tutor.

E nem se pense que esta diferença terminológica tem valor relevante. A interpretar a palavra pelo rigor dos princípios, a palavra curador restringiria os poderes do representante legal à esfera jurídica patrimonial (tutor datur personae, curator bonis). No entanto, por um lado, isso não se justifica para um doente temporariamente incapaz de reger a sua pessoa; por outro lado, esta diferença não é levada pelo projecto governamental às suas consequências lógicas, dado que se' atribuem ao curador poderes no hemisfério pessoal - o de exigir a alta do doente [base XIX, n.º l, alínea a)],'o de tomar conta da sua correspondência (base XX, n.º 2). Aliás, se o fundamento do regime proposto no projecto é a conveniência de se nomear uma pessoa com poderes apenas para gerir e administrar o património do doente, deve então notar-se que o § 1.º do artigo 314.º do Código Civil permite, sem sombra de dúvida, uma nomeação de tutor assim restrita.

E pois já válida no direito português a norma segundo a qual poderá ser nomeado curador às pessoas maiores ou emancipadas (deveria aliás dizer-se: capazes), hospitalizadas ou não, que por motivo de doença ou anomalia mental, bem como de toxicomania, se amostrarem temporariamente (2) incapazes ou estejam

(1) Salvo nos casos do artigo 820.º, n.º l, do Código Civil, aos quais se devem juntar ^s do artigo 234.º, por força .do artigo 234.º Note-se que, no impedimento do marido, o cônjuge administra os bens do casal; neste ponto, o sistema em vigor não carece de ser alterado.

(2) Fundamento da interdição por demência (artigo 814.º do Código Civil) é o estado de mentecapto, ou qualquer estado anormal de faculdades mentais, seja temporário (só se devendo ressalvar o que seja de considerar acidental - artigo 858.º do Código Civil) ou permanente, provenha ou não de toxicomania ou alcoolismo.