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6 DE FEVEREIRO DE 1963 1987

Pimenta, Fialho d´Almeida, Homem Cristo, o próprio Guerra Junqueiro ... O suplente dos Vencidos da Vida haveria de vencer na morte.
Dias depois do regicídio, Unamuno traça dele, a 4 de Fevereiro, em Salamanca, impiedoso c distorcido epitáfio, que, tantos anos volvidos, ainda nos confrange. Junqueiro chegara a Salamanca poucos dias antes de o crime se perpetrar e, segundo o testemunho de Unamuno, «venía evitando presenciar los sucessos que ya entonces se preveía habian de llegar». Unamuno continua: «y hablándome (Junqueiro) del rey D. Carlos, después de encarecer una vez más el rebajamiento moral de ese pobre monarca que de tan trágica manera ha concluído, añadia: «No sé en qué parará esto; pero creyendo, como creo, que en Portugal sobra una familia y que el rey es un menstruo de perversión, se pudiese desde aqui matarle con el pensamiento, y o lo haria». A los pocos dias, anteayer domingo, 2, estando todavia en esta ciudad Guerra Junqueiro, llegó la noticia del asesinato del rey D. Carlos y del príncipe heredero D. Luís Filipe».
O artigo de Unamuno é epitáfio que lido hoje nos deixa inevitavelmente na alma sentimentos de repulsa e de indignação. É o juízo de um grande escritor espanhol sobre o nosso rei D. Carlos, o juízo de um homem arrastado - como tantos outros - na onda de vergonhas e de infâmias com que se pretendeu envolver a figura do monarca. E mais nos confrangerão essas palavras se tivermos presente que foram escritas quando a rua ainda estava tingida de fresco pelo sangue de D. Carlos e do príncipe seu filho.
«Está bien que la prensa de todas partes haya execrado el asesinato», dizia Unamuno, para continuar logo a seguir: «así lo pide la moral, que profesamos con mayor o menor sinceridad; pero como yo creo que por encima de todos los amores se debe poner el amor a la verdad, he de decir que los tiros al rey partieron de las entrarias mismas del pueblo portugués».
Noutro passo: «He estado varias veces en Portugal, trato con muchos portugueses y a ninguno he oído jamás defender al difundo rey. No tenia, en rigor, ni un solo partidário».
E nós a lembrarmos neste momento uma das grandes virtudes de D. Carlos, que foi precisamente a de saber reunir à sua volta, com verdadeiras amizades pessoais, um escol de artistas, de intelectuais e de militares, que lhe foram sempre de uma dedicação inexcedível! Nesse grupo se contavam, entre outros, Oliveira Martins, António Enes, António Cândido, Soveral, Mouzinho e tantos e tantos ... É que, segundo palavras de Ramalho Ortigão, «na convivência íntima ele era mais do que afável; era terno, e a sua bondade chegava a ser humilde. Todos os seus criados o atestam: ele era o amo que nunca ralhou». E nós a lembrarmos, quando Unamuno nos diz que ele foi sempre «un desenfrenado gozador de la vida», estas palavras ainda de Ramalho, escritas também pouco depois do regicídio: «Ninguém mais escrupulosamente do que ele soube evitar um dos escolhos da realeza: o abuso da sumptuosidade dispendiosa. Nunca foi dissipador, nem perdulário, nem libertino».
Mas a calúnia sistemática é, sem dúvida, força muito poderosa. «Contábanse de el cosas execrables y horrendas». Assim se ia pervertendo a opinião do País.
Malheiro Dias conta-nos que o próprio rei D. Manuel, quando saiu à rua pela primeira vez, três meses depois do regicídio, teve oportunidade de ver nas montras das lojas do percurso os retratos dos assassinos - os que lhe haviam matado a tiro o pai e o irmão: «Logo após o regicídio Lisboa foi literalmente inundada de bilhetes-postais, de cromos, de miniaturas, representando os matadores do rei e do príncipe».
A imprensa republicana, simulando condenar a violência homicida ... «que vinha atrasar-lhe o advento», esgotava-se em panegíricos aos heróis mortos pela liberdade da Pátria. Entre a plebe, fanatizada pela propaganda, Buíça e Costa engrandeceram-se em divindades. Num só dia uma tabacaria da Rua do Arsenal vendia 1700 bilhetes-postais com os retratos dos algozes do Terreiro do Paço. As edições repetiam-se, sucessivas. Numa taberna em Algés, a dois passos do posto da Guarda Fiscal, quem passasse na rua podia ver pelas portas abertas, escrito a grandes caracteres vermelhos na parede, o panegírico dos assassinos. Por toda a parte, nas álfurjas de Lisboa, se gritava: «Viva Buíça! Viva Costa!» Nos jornais abriam-se subscrições em benefício dos órfãos de Buíça, quando já se reatava a conspiração contra o órfão das Necessidades. E mais adiante: «A Lisboa demagógica das associações secretas enaltecia os seus mortos, e como réplica ao enterro real, em cujo préstito se haviam incorporado os príncipes de todas as casas reinantes da Europa, a população ia ao cemitério do Alto de S. João fazer a apoteose dos assassinos».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: D. Carlos, rei de Portugal, foi o elo de uma dinastia que é património da Pátria, herdeiro de uma família que deu à Nação heróis, santos, varões ilustres - linhagem em que se confunde a nossa história de alguns séculos, nas suas vicissitudes de grandeza e dor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estudar a família de Bragança é desfolhar um livro com muitos séculos de história de Portugal. Mas em poucos reis, como no grande rei, se poderá verificar a justeza daquele princípio de que, na realeza, as imprevisões ou os erros serão saldados na própria família, nos descendentes, e de que, por isso mesmo, é do interesse do rei zelar o bem de todos, como se fosse o seu interesse pessoal. E é, em verdade, seu interesse pessoal, visto caber-lhe transmitir aos do seu sangue a herança dinástica figurada na coroa. D. Carlos foi, na dinastia de Bragança, vítima dos tais erros que de longe vinham.
Não são estas, Sr. Presidente, horas de retaliação, mas de consagração de uma grande figura da nossa história, a que todos, monárquicos e republicanos, rendem o seu preito de comovida homenagem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os erros que de longe vinham abateram o rei e o seu programa de engrandecimento nacional. Os homens, os intérpretes do drama, representam muito pouco neste processo. Caiu el-rei e o seu sonho, a sua ambição de levar Portugal a reencontrar os caminhos salvadores e regeneradores da nossa vida pública. Mas não quedou por aqui o longo processo da nossa decadência e do nosso afundamento.
A máquina democrática ainda deveria percorrer mais um estádio de caminho, ainda não esgotara de todo a sua capacidade de destruição. Desconjuntada, é certo, mas ainda mortífera, ainda pulverizante. Por isso, iria cumprir sangrentamente a etapa final.
Foi, de facto, preciso que o País se afundasse ainda mais, subisse, degrau a degrau, o doloroso calvário da corrupção e da anarquia: teve de experimentar o travo das sujeições que envergonham e comprometem: teve de sofrer, de sangrar, de abeirar-se do fim. Os ventos, soltos