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1988 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79

lá de longe, ainda não haviam desfeito o edifício todo, a máquina ainda soprava, já do há muito liberta dos mágicos aprendizes.
Foram mais dezasseis anos de caminhada sangrenta. Da longa galeria dos mortos destacam-se Sidónio Pais, em 13 de Dezembro de 1918, quando, ele também, tentava dominar a máquina ofegante; Machado Santos e António Granjo, em 19 de Outubro de 1921; os comandantes Carlos da Maia e Freitas da Silva, os capitães Jorge Camacho e Manuel Burros, e outros e outros ... Sombras que se erguem da «balbúrdia sanguinolenta», cadáveres que foram quedando no caminho ensanguentado do calvário doloroso desta Pátria a redimir. Alguns, como D. Carlos e Sidónio, foram vítimas da máquina demagógica, ao tentarem dominá-la, fazê-la obedecer ...
E só ao fim desta derrocada apocalíptica se encontra a luz redentora da Nação. É quando a máquina está praticamente exausta, quando as engrenagens se desconjuntam, quando o ciclo democrático chega quase ao termo da sua obra deteriorante, é então que a Pátria encontra o caminho redentor, com o 28 de Maio e a acção benemérita de um estadista que redimiu o calvário da Pátria, no calvário sublime da sua vida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A voz do conde de Arnoso ainda soa nesta casa. Sr. Presidente, mas longínqua, difusa, no seu clamor de justiça, digno e altivo. O nosso clamor, a tantos anos de distância, é o da nossa homenagem à figura de D. Carlos e também o do perdão comovido a uma época de desvairo, na qual a culpa dos homens se dispersa e se dilui. Paz ao rei e ao príncipe, e pau aos seus algozes - homens ou ideias! Que a Nação, reintegrada no seu destino, saiba honrar os mortos com o pensamento nos vivos e no futuro de Portugal!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes de Almeida: -Sr. Presidente: lá mais para. diante, neste ano de 1968, completar-se-á o centenário do nascimento de el-rei D. Carlos. Penso que esse facto será então devidamente assinalado com a isenção e o respeito que, a memória do soberano merece. A perspectiva temporal que nos vai distanciando da tragédia medonha daquele triste sábado de Fevereiro de 1908 talvez já nos permita analisar os acontecimentos e encarar os homens com exacção histórica, longe dos preconceitos ideológicos e dos motes de propaganda hostilmente judicativa.
Durante os dezanove anos que ocupou o trono, dezanove anos incompletos, todos eles tão cheios de dificuldades e de apreensões no quadro geral da nossa política interna e internacional, el-rei D. Carlos manteve sempre uma suma dignidade que nem os seus mais temerosos adversários lhe negaram. E uma grande constância de alma, sofredora da adversidade e da injustiça, qualidade que individualiza o homem de pensamento e de honra como espécie moral muito à parte.
Quanto e como há-de ter sofrido um homem de forte consciência moral e de nobre sensibilidade como el-rei D. Carlos soube avaliá-lo com justeza esse mestre de portuguesismo que foi Ramalho Ortigão, cognominando-o de «martirizado». Se o martírio é realmente um testemunho. D. Carlos o deu na vida e na morte por amor a Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Governo de el-rei D. Carlos não se iniciou sob signo feliz, o que também acontecera nos dois reinados anteriores. De facto, o advento de D. Pedro V coincidiu com um período de grandes calamidades públicas, de pobreza e de escassez geral, que trouxeram ao País uma inquietação aterradora.
Educado primorosamente para o duro ofício de reinar, esse inteligente e criterioso soberano, logo que tomou o governo efectivo, empenhou-se com ardor e fé em criar novas condições de exercício da vida política que, naturalmente, o seu carácter íntegro pedia como verdadeira ressurreição nas formas e nos processos de actividade.
A opulenta documentação já conhecida, que testemunha as preocupações governativas de D. Pedro V em face dos graves problemas gerais da vida nacional, também denota vincadamente os rasgos essenciais da sua personalidade, a que nenhum sector da administração pública era indiferente ou de menor consideração imediata.
Ainda que muito novo, quando lhe coube a sucessão dinástica não desconhecia, e pode até afirmar-se que já sofrera, as duras consequências da instabilidade política u da esterilidade parlamentar que caracterizara as duas últimas décadas de governo.
O sistema representativo não encontrara os caminhos exactos da sua estabilidade funcional nem os homens que diziam servi-lo sobrepunham o interesse nacional às quezílias partidárias f autoras de rebeliões e de motins. Mau espírito, que muitas páginas dos escritos e da correspondência do soberano documentam com amargura.
Todavia, por entre as tristes reflexões que o consomem, entreabre-se por vezes um viso de esperança na melhoria das condições de representatividade governativa, com apelo à sinceridade e à probidade política de alguns homens que lhe mereciam consideração pela inteligência e pela dedicação à dinastia.
O pensamento do rei, na sua sinceridade ideológica tantas vezes expressa e não menos na segura convicção da sua nobre exemplaridade, empregava-se totalmente na dignificação da instituição real e na disciplina dos processos e normas de actuação política que supunha haviam de constituir e fundamentar a própria estabilidade do sistema representativo. A fortuna foi-lhe totalmente minguada, pois uma estrela funesta lhe encurtou a vida com pasmo e dor da Nação inteira.
O Natal de 1861 foi uma data imensamente triste para a família real portuguesa. Ainda mal arrefecera D. Pedro V, «uma das mais formosas almas que enobreceram a púrpura real», logo o seu irmão e sucessor principiava o reinado sob a ameaça de tumultos populares e de revoltas das forças armadas.
A rua invadia o paço e a disciplina militar era quebrada pela influência deletéria de agrupamentos de política sórdida, que lançava em menosprezo a honra desinteressada de servir.
O País, que nas grandes calamidades públicas labuta e sempre sofre, o país real sentia na carne e na fazenda as consequências penosas das desinteligências políticas e o acre sabor do desgoverno e do desprestígio institucional. Quem se salvava eram aqueles que, empenhados nos trabalhos gloriosos de exploração em África, erguiam bem alto o estandarte da Pátria contra a cobiça das nossas províncias ultramarinas, uma falange de esforçados pioneiros, viajantes e lutadores de nome imorredouro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando el-rei D. Carlos subiu ao trono, em Outubro de 1889, «realizava o Governo Português em-