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2408 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96

por ele nas deambulações frequentes por terras desconhecidas da vizinhança, ora enviadas pelo seu rendeiro, do horto de Bombaim, ora ainda trazidas por amigos e comerciantes dos pontos mais distantes do Oriente.
Dioscórides, Plínio, Avicena, Seráfio, Manardo, António Musa e outros estarão sempre presentes na sua memória a relembrar os gregos, os árabes e os modernos que formaram a base da sua erudição científica. Mas o resultado da sua investigação directa corrigirá, sem hesitação nem demora, todos os erros cometidos por esses grandes mestres, quebrando assim o prestígio, que parecia imutável e indiscutível, de muitas das suas obsoletas ideias.
Esta a faceta mais arrojada, se não mesmo a mais valiosa dos Colóquios dos Simples, de 1563.
Nesse livro, sob a forma clássica do diálogo, Garcia de Orta desdobra a sua personalidade de erudito e de observador em duas figuras, ao mesmo tempo fictícias e reais, a última das quais, mantendo o seu próprio nome (talvez para melhor afirmar a faceta dominante ou preferencial da sua vida), toda a ética do seu rasgado espírito aflora no embate entre o que aprendeu e o que viu.
Essa ética está plenamente definida no colóquio do benjuy, a p. 105, quando Orta responde a Ruano: «Não me ponhais medo com Dioscoridas, nem Galeno; porque não ey de dizer senão a verdade e o que sey ...».
Esta afirmação é bem a ânsia de claridade a triunfar das sombras do passado.
É o precursor do método científico experimental a vibrar a primeira cutilada no velho corpo de doutrina da tradição autoritária.
E o homem da grande gesta da Renascença a desmentir, com o seu exemplo, o labéu do sentido aventureiro das Descobertas e a dar, com a sua obra, provas de veracidade à afirmação que ele mesmo fizera acerca delas: «que se sabe mais em hu dia aguora pellos Portuguezes do que se sabia em cem anos pellos romanos».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este o valor intrínseco ou primacial da obra de Garcia de Orta. Mas para nós, portugueses, este livro tem ainda outros cativantes aspectos sentimentais ou culturais:
Ele foi redigido em português, e não em latim, como bem o sabia fazer Garcia de Orta e era prática corrente entre todos os eruditos dessa época.
Ele é o primeiro documento onde aparecem impressos versos de Camões.
Ele é o primeiro livro escrito por um médico português.
Toda esta soma de qualidades excepcionais tem merecido a atenção e o louvor dos mais altos espíritos de Portugal e do Brasil, quer no século passado, quer no século presente.
Mas, como sempre se considera mau juiz quem julga em causa própria, preferível será talvez que vos recorde apenas os depoimentos de muitos daqueles que noutros países se referiram à sua obra.
Assim, o académico espanhol D. Joaquín Olmedilla y Puig escreve algures:

Um dos homens ilustres, cujo talento e múltipla cultura pode honrar o país em que nasceu, é, seguramente, o português Garcia de Orta, que brilhou no claro céu do século XVI como estrela de primeira grandeza; os seus fulgores deixaram eterna recordação na história científica. O seu nome deve pronunciar-se sempre com admiração e respeito, considerando-o como glória indiscutível, não só de Portugal, mas também das ciências médicas ...
Não o deve jamais esquecer quem se consagre ao estudo da ciência dos medicamentos, considerando a obra daquele autor como uma das mais claras, puras e cristalinas fontes da história da farmacologia.
Ele deu entrada, por direito próprio e por aclamação, no templo da imortalidade.

O catedrático holandês Stokvis, por sua vez, disse um dia em Amsterdão:

Saudemos com reconhecimento a Espanha e Portugal como os colonizadores mais antigos e rendamos sobretudo homenagem a este nobre português Garcia de Orta, médico do vice-rei da índia, que, num livro afamado, com razão, fez conhecer primeiro que ninguém, no meado do século XVI, em 1563, um grande número de plantas medicinais das Índias Orientais desconhecidas até então na Europa.

Sir Clements Markham exprimiu-se também assim, ainda não há muitos anos:

Poucos homens foram mais largamente dotados no saber da sua profissão.
Ele conhecia plenamente a sua sabedoria sem deixar, todavia, de reconhecer as próprias imperfeições.
Nenhum homem desse tempo corrigia os próprios erros com a sua sabedoria.
Houve eminentes botânicos que se ocuparam da Índia desde então. Bastará citar os nomes de Van Reed, Roseburgh, Wellick, Wight e Hooker.
Mas em primeiro lugar deve estar sempre - primus inter pares - o nome do ilustre português Garcia de Orta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E para limitar as citações sómente às grandes sumidades mundiais, apenas mais estas palavras do americano Louis H. Rodis:

Ele é a mais importante figura em matéria médica e farmacológica desde a época de Dioscórides, nó primeiro século da era cristã, até aos nossos dias. Ele foi também um dos poucos grandes filósofos naturalistas, um verdadeiro observador do homem nas suas relações com a natureza, digno de emparelhar com os nomes de John Hunter ou de Alexander von Humbolt.

Todas estas insuspeitas apreciações alheias mostram que não serão nunca de mais todas as homenagens que nós próprios, os portugueses, prestemos a Garcia de Orta no 4.º centenário da publicação dos Colóquios dos Simples.
Carlos de 1'Escluze (Clusius), vertendo para latim vários epítomes do seu livro, o primeiro dos quais em 1567, Annibal Briganti e António Colin, traduzindo-os logo de seguida para italiano e francês, com repetidas edições nos séculos XVII e XVIII, mostraram, por forma directa e iniludível, quanto apreço tinham por aquela obra, que difundiram por toda a Europa, enquanto nós a lançávamos às fogueiras da Inquisição de Goa, juntamente com os restos mortais do.seu autor, brutalmente arrancados ao silêncio do túmulo e posteriormente atirados às águas do Mandovi como coisa desprezível!!!...
Tenta salvar-nos de semelhante vergonha, a meados do século XIX, a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, convidando para nova reimpressão dos Colóquios Almeida Garrett e Fr. Francisco de S. Luís. A impressão