3178 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 127
os aumentos até onde praticável - e deve sê-lo nalguns casos e nalguns pontos: será um problema de mais equitativa redistribuição dos sacrifícios- do que à concessão de subsídios, os quais, se tivessem agora de recair sobre o erário público, como foi dito, introduziriam encargos na hora presente porventura ainda mais difíceis de enfrentar. Uma frase recentemente atribuída ao chefe do Governo Alemão resume, a propósito, a sã doutrina em termos pitorescos: «o Estado não é uma vaca que o Céu alimente para ser ordenhada à vontade na Terra»!
Em si mesma, aliás, a política dos subsídios repugna e desagrada como todo o artifício, e intimida quantos crêem que os artifícios, em economia, tendem sempre a acabar por resultar caros. Muitos agricultores têm o subsídio por uma desconsideração, olhando-o como esmola e tutela e como obstáculo à proclamação dos preços justos. Há, todavia, um prisma diferente, através do qual o subsídio tem sido encarado como medida de equidade, transferindo uma parte do rendimento nacional para o sector agrícola como meio de o sustentar nas condições de disparidade em que a agricultura tem sido forçada a viver.
Nesta ordem de ideias, o sistema dos subsídios torna-se particularmente defensável se for suportado pela receita de diferenciais cobrados na circulação dos produtos da agricultura ou na importação de géneros exóticos concorrentes da produção interna. Assim se fez entre nós a protecção à cultura do arroz há 80 anos, que lhe permitiu tomar grande incremento e tornar o País auto-suficiente a certo tempo, e se ajudaram os produtores de trigo nos anos particularmente desfavoráveis de 1961 e 1962.
Está calculado que o jogo dos diferenciais no circuito do pão dará, em ano médio e no regime actual, cerca de 80 000 contos de benefício para os fundos do Ministério da Economia, como mínimo; e sabe-se que ao preço corrente de trigo importado coda quilograma dele representa cerca de 1$ de diferença sobre o trigo nacional, que reverte igualmente para o Ministério da Economia em lucro bruto. Aqui estilo várias centenas de milhares de contos, uns anos por outros, para mais já aliviados do encargo de cobrirem os bónus sobre adubos, que poderão ser aplicados em benefício dos nossos preços agrícolas.
O que não vejo, o que a razão me não mostra, a invenção não faculta e o trato de estudos alheios não ensina, é outra maneira de dar a nossa depauperada, arruinada, exangue, agricultura a reanimação geral e sem delongas, que a sua gravíssima crise exige, sem uma imediata melhoria dos preços dos géneros nas presentes condições incapazes de cobrirem os encargos da produção.
Contra inúmeros avisos, deixou-se demasiado longamente agravar o estudo das coisas rurais, não cuidando a tempo de encaminhar os lavradores para especulações mais proveitosas, se as havia, ou de ir temperando consoante as conjunturas os termos das trocas; o mal avançou muito e chegou assim a hora de se imporem irrecusavelmente as medicações heróicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A opção está em as escolher compatíveis com a resistência da doente, ou tais que acabem de a esgotar no sobressalto!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: empobrecida, desconsiderada, repudiada pelos próprios filhos, que a abandonam por madrasta, a agricultura reage em todo o velho mundo à difícil e dolorosa confrontação com padrões de riqueza e bem-estar criados nó jogo de forças superiores às suas, medidas estas como são pelo senhorio da Natureza e pelo domínio da sociedade urbana.
Grande desprezada de uma civilização cega pelo artificial, pelo luzidio e pelo mecânico, quando deveria ser honrada como provedora da primeira e maior das necessidades dos homens, da alimentação que lhes conserva o ser e a vida, a agricultura sofre em primeiro e principalíssimo lugar da debilidade com que se apresenta nos mercados e donde resultou a progressiva desvalorização dos produtos, desde que a fartura de ofertas se tornou constante, graças aos abastecimentos de além-mar, e à medida que os compradores aprenderam a unir-se e ditar mais firmes e duras as suas próprias condições.
Essa debilidade foi aumentada pela perda do poder político, depois que este passou das mãos da aristocracia fica de bens rurais para as dos senhores do comércio e da indústria, e, seguidamente, para as dos sindicatos, senhores das massas operárias, todos indiferentes a vida dos campos e somente desejosos, quanto aos produtos agrícolas, de os obterem cada vez mais baratos.
Destarte se geraram os movimentos de preços para os artigos industriais estabelecidos em termos de custos de produção mais os lucros proporcionados pelo oligopólio e para os géneros agrícolas em função da mínima resistência dos lavradores.
E destarte se geraram as crises modernas das agriculturas europeias na deterioração constante dos termos da troca dos seus produtos com os da cada vez mais poderosa e requestada indústria, deterioração de quando em quando travada, por intervenções protectoras dos governos para logo recomeçar.
Ao mesmo tempo, os camponeses perdiam os seus antigos costumes de quase inteira suficiência e para si próprios e para os suas lavouras incrementavam enormemente o uso de produtos da indústria, aumentando com a desproporção das quantidades, cada dia forçada por novas necessidades ou tentações, a desproporção dos valores de que dispunham para as suas compras.
Foi assim que se chegou na agricultura portuguesa, como nas demais da Europa, feridas inicialmente pela concorrência dos produtos do mundo novo e jamais libertas depois dos adversários que sobre elas então se abateram, foi assim que se chegou a crise actual, em que todos os lavradores desesperam de tirar a recompensa do seu trabalho.
Não tenhamos dúvidas nem ilusões: a generalidade da crise sobre a diversidade das circunstâncias nacionais denuncia-lhe a raiz comum, que é a quebra do poder de compra da produção agrícola!
Atrasos técnicos, adversidades climatéricas, imperfeições de estrutura, influem, sem dúvida, no valor da produção que cada território colhe por unidade de superfície ou por pessoa activa; mas não são as causas de dentro do seu território coda agricultor se remediar pior do que há dois anos, pior há dois anos do que há cinco, pior há cinco do que há dez; pior sobretudo, muito pior, do que o seu vizinho não Agricultor!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E em parte alguma se encontrou remédio no êxodo rural, por não acarretar aumentos dos rendimentos individuais das explorações, dado que a mecanização supre os braços, mas pouco ou nada barateia os serviços nas limitadas áreas europeias; nem se encontra na expansão das produções, porque depressa chegam a saturação dos mercados; nem na substituição de culturas porque os consumos básicos se adaptam lentamente.