3174 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 127
cado, não a esqueçamos, pelos efeitos que pode ter no mesmo mercado.
Porque o que mais poderemos ir lá procurar é, segundo a figura actual das importações, o pão que até agora tanto procuramos ter nosso. Excluídas as mercadorias inaclimatáveis e o tabaco, também incompatível com o clima ... legal, as nossas importações de produtos da agricultura e da pecuária andaram na média de 1960 a 1962, inclusive, por l 167 000 contos, dos quais quatrocentos e setenta e tal mil de produtos pecuários (animais, carnes, lã, peles, couros e tripas); ora, dos 693 000 coutos, aproximadamente, da média anual de produtos agrícolas importados, duas terças partes, quase, são representadas por trigo e por milho.
A importação do trigo sempre tem pesado na nossa balança comercial e a incapacidade da lavoura para a evitar, salvo em raríssimos anos, não lhe tem sido pouco assacada; a política do Governo, repetirei, foi durante longo tempo a de tudo fazer - menos, talvez, estudos agronómicos bastante profundos - para a diminuir.
Desde o fim da última guerra importamos trigo todos os anos, entre o mínimo de 2105 t e o máximo de 312 0001, de 3710 e de 875 000 contos. Nos dez anos de 1953 a 1962 a média ficou em 101 874 t e 225 631 contos, sangria de divisas nada despicienda, mas correspondente a preço já baixo; no ano de 1947 o trigo estrangeiro ficou-nos, porém, à razão de 4S10 cada quilograma, sabendo-se que houve partidas pagas na vizinhança dos 5$.
Ora, se não parece provável que estes máximos voltem em breve - prefiro não considerar, nem para reforço da argumentação, o risco de perturbações internacionais que façam renascer as dificuldades de algum dia, as dificuldades que nos atenuou n campanha do trigo -, certo reencarecimento do trigo parece muito na ordem das probabilidades, de modo que creio não ser de desprezar a perspectiva de sensível agravamento da balança cambial, se procedermos de modo a, no engodo da barateza aparente do pão estrangeiro, desanimarmos a produção do nosso.
Eis porquê, Sr. Presidente e Srs. Deputados, me permito propor esta resposta à pergunta de pouco atrás: poderemos dispensar-nos de procurar produzir para o abastecimento interno o máximo de pão próprio? Direi que não!
Com o que não quero dizer devermos continuar a produzi-lo, como até agora, em toda a parte e contra todas as indicações, prosseguindo cegamente nesse desafio a Natureza que é hoje a seara em terras cansadas de que não se soube ou pôde restaurar a fertilidade e, pior, onde já não há sequer terra.
A Corporação da Lavoura, ela mesma, já aprovou, ao concluir as suas recentes jornadas cerealíferas e leiteiras, o princípio de disposições tendentes a contrariarem a exagerada insistência da sementeira sem intervenção de rotações reparadoras. No seu voto poderá o Governo encontrar sempre o apoio para providências neste sentido, as quais não deverá hesitar em promulgar com toda a força ... tão depressa tenha para dar aos agricultores melhor orientação técnica e administrativa.
Com efeito, não será entre os agricultores de lavras extensas que se encontrarão os mais afincados nas tentativas de arrancarem as terra o que ela já não pode dar-lhes, salvo o entretenimento do corpo e do espírito e a perpétua esperança na colheita finalmente compensadora. Será nas centenas de milhares de hectares de encostas erodidas de Trás-os-Montes, das Beiras, do Alto Alentejo, do Algarve, em pequenas courelas e estreitas belgas, teimosamente lavradas até ao descarnamento do solo, ao desnudar do leito estéril, que se encontrarão milhares de agricultores matando o corpo e o tempo na miséria das duas e três sementes,...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e a esta triste carga humana importa dar caminho e destino quando chegue o momento de a tentar arrancar ao seu engano e ruína. Entretanto, hão-de persistir encarniçadamente agarrados ao terrunho em que se esgotam coda dia e em cuja contemplação se retemperam cada nova manhã, e será essencial não lhes agravar os motivos de pobreza enquanto não se tiver a segurança .de lhos poder atenuar duradouramente.
Eis o sentido da minha segunda pergunta: que fazer à carga humana das terras lavradias, tanto mais desgraçada quanto mais instantemente estas requerem melhor destino? Pois direi que, enquanto não for possível tirá-la de lá, ou ela por si não tomar outros caminhos, os do abandono da terra, puro e simples, o que se fizer em prol da agricultura será também em prol dessa; o que se fizer que não atenue os problemas da agricultura poderá com mais peso ainda agravar-lhe os seus!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu desejaria que estas minhas considerações não fossem tomadas por ninguém como de oposição ao novo plano governamental de "viragem" para a economia de mercado e de reconversão a usos mais adequados das terras pior aproveitadas; nem sequer daquela oposição surda que, negando-se a si mesma, não obstante persiste a minar as atitudes e a envenenar as palavras. Ao referir-me ao trigo, aliás, muito de propósito pus em destaque o vulto das importações de carnes e de peles, que no âmbito da reconversão poderão vir a ser fortemente reduzidas, se não anuladas, pois bem me lembrei da possibilidade de estar aí maneira de compensar o sobrepreço das acrescidas importações de cereais; simplesmente, não deve ser desejo de ninguém que nos tapemos de uma banda só para destapar de outra ...
A posição que defendo relativamente u abertura do mercado é a de que não devemos nem anunciá-la nem praticá-la em termos de comprometer, no mínimo que seja, a breve trecho ou prazo largo, a segurança do abastecimento e a preciosa segurança da moeda; como não será lícito jogar com a ilusão falsa dos preços internacionais serem medidas reais de produtividade a oferecer como paradigma, ou ameaça, à nossa agricultura.
Não somos, nem parece que jamais possamos sê-lo, competitivos no custo dos cereais, das bases da nossa alimentação; tanto não é bastante para esquecermos o real sentido do cartaz que, já lá vai tanto ano!, nos advertia de ser o pão das nossas searas a fronteira que melhor nos defende. E com quem haveríamos de ser competitivos? O infatigável viajante da agricultura René Dumont couta- ter visto, algures na Ásia Central, um trem do lavoura de seis tractores, cada qual puxando sua charrua de seis ferros; pegavam no trabalho, lavravam a direito diante de si 15 km até à hora do almoço; paravam então, almoçavam os condutores, e depois regressavam acabando o seu dia com outros 15 km no rego de retorno. E previa que alguma vez tais máquinas trabalhariam teleguiadas de um gabinete central.
Supondo, o que ainda falta comprovar, que tanta mecânica deu resultado, pergunto:
É com agriculturas destas que deveríamos competir? E quem mais? Não, parece-me que há-de haver sempre,