7 DE FEVEREIRO DE 1964 3171
clusão esta da mais fácil evidência, integrá-la em soluções eficientes é afinal todo o problema com que governantes e governados se debatem e para o qual, mais do que soluções definitivas, porventura inatingíveis, há que procurar formas suportáveis de acomodação. Somente a urgência de encontro destas põe-se agora com agudeza nunca antes igualada. Factores de deterioração, alguns de há muito apontados, outros irrompidos bruscamente - mas, aqui, não será de mais o plural, não será a subida dos salários o grande acelerador da presente crise? -, conjugaram-se no efeito que vimos denunciando e obrigam a operar a quente no tratamento de males que todos temos dobradamente de lamentar não se ter conseguido, querido ou sabido dominar mais a tempo.
Podia neste momento ter aqui cabida uma análise retrospectiva da nossa política - ou faltas de política - agrícola dos últimos decénios, buscando nela raízes da situação presente para lhes mostrar a introdução e cortar o alastramento. Não a farei porém, por crer que disso só resultaria seguramente um efeito, e este negativo: o maior aborrecimento de VV. Exas, forçados a ouvirem divagações que acabariam por nada adiantar de proveitoso ao debate no sentido que viso dar-lhe, e não é o de chorar sobre o passado, mas sim olhar bem e emendar o presente, provendo a melhor futuro.
Sem desmentir este propósito, posso, no entanto, avançar o juízo de que na política agrária portuguesa dominaram a preocupação dos abastecimentos essenciais - nomeadamente do pão - e, a partir de certo momento, que foi o da restauração das finanças, a da criação de pólos de desenvolvimento, como as zonas de regadio e os núcleos de colonização.
Dedicou-se também incontestável atenção ao sustento de preços - não discutirei se aos níveis mais desejáveis -, o que não terá sido sair muito da política de subsistência; quanto à acção directa ao nível das explorações, nunca se lhe deu grande impulso até ao II Plano de Fomento, onde nos aparece consubstanciada em campanhas de profilaxia pecuária, aliás muito benéficas e oportunas, e na promoção de instalações de armazenamento e tecnológicas, a cujo crédito há a lançar realizações de alto préstimo.
Não conto o povoamento florestal, apesar do seu grande vulto, pois só valorizou propriedades públicas; mas não esquecerei a inesquecível Lei dos Melhoramentos Agrícolas, em potencialidades directas a mais bela iniciativa a favor da lavoura, tão feliz na concepção como tem sido na execução.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - De qualquer modo, a preocupação do abastecimento parece ter dominado a política agrícola, desde que em 1899, vai já para três quartos de século, Elvino de Brito, vencendo não pequenas reacções, conseguiu fazer instaurar um regime protector da cultura frumentária; e terá culminado na campanha do trigo, 30 anos depois, que possibilitou a declaração famosa:
Não teríamos ouro para pagamento imediato da nova esquadra se pelas campinas não houvessem lourejado, abundantes, as searas.
O objectivo de produzir trigo parece ser, infelizmente, no nosso país, um desafio à Natureza, que faz alternar a cultura entre alagamentos asfixiadores das raízes e secas atrofiadoras do grão, quando não é entre contrariedades opostas. A um ano bom, em que por felicidade se conjugam favoravelmente as variedades do tempo, logo sucedem, por vezes em série, profundos desapontamentos.
Ainda há dias me contavam de uma grande lavoura ribatejana que em terrenos de qualidade obteve no último ano de feição, e com largueza, produções de boa classe internacional; pois os anos seguintes logo desgostaram e destruíram as ilusões criadas sobre a técnica que já se tinha por segura, procurando-se agora por lá, afincadamente, de que cultura lançar mão, que não seja a do trigo!
E aqui tendes, meus senhores, toda a inquietação reduzida a duas questões: poderemos dispensar-nos de procurar produzir para o abastecimento interno o máximo de pão próprio? Que faremos, para já, à carga humana das terras lavradias para substituir as migalhas ou ilusões de rendimento oferecidas pela cultura cerealífera?
Suponho que em matéria de produção de trigo as nossas estatísticas nos enganam um pouco. Tem havido demasiado interesse - que é o da consecução dos financiamentos possíveis - em figurar grandes sementeiras, em quantidade ou área, e porventura se pode aceitar que isso haja falseado os números oficiais.
Porventura, pois, os rendimentos reais excedem os registados oficialmente; mas como as terras cultivadas variam do bom ao inadmissível, a média geral tem de resultar fraca. Com estas reservas todas podemos, no entanto, esperar que a estatística nos revele tendências, e nesta ordem de ideias os resultados patenteados são de perfeita desgraça.
Encontramos 935 kg de trigo por hectare na média do quinquénio 1933-1937 e apenas 845 kg vinte anos depois, na média de 1953-1957; no primeiro período 514 000 ha, em média, de superfície semeada, no segundo 788 000 ha - caiu-se nas terras péssimas, e daqui o resultado. E desolador, se considerarmos que em França departamentos considerados menos próprios para a cultura trigueira, já bem no Sul, como o do Tarn e o de Gers, passaram de 10 q por hectare em 1938 a 18 q em 1957; talvez não o seja tanto, se pensarmos no que podem ser aqueles 270 000 ha metidos a mais na nossa seara.
Não sei, não tenho elementos de pormenor, não sei se alguém os têm. Mas o que sei - ah, isto sei! - é que ainda hoje, 35 anos depois de encetada a campanha do trigo, com os seus anúncios de fomento a produtividade, ainda hoje não se sabe como manter a fertilidade nas nossas terras do Sul; e, só para dar um exemplo das incertezas, que as siderações, as estrumações em verde, há 10 anos apontadas oficialmente como o caminho dela, aparecem condenadas em experiências recentes, todavia inconclusas. E sei que o empenho dos departamentos responsáveis em esclarecer pontos desta ordem é tal que a Estação de Cerealicultura de Beja, construída há 5 anos pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo, a fim de ser entregue e utilizada pelos serviços estaduais de agricultura, aguardou até há meses - meses ou semanas? - que se deslindassem esquisitices para poder entrar em serviço ...
Nunca tentámos, nunca quisemos tentar-porque poder podíamos; e lembrado foi esclarecer por experimentação sistemática, metódica, continuada, como hoje se faz, em suma, e como noutros países se encontra o caminho dos progressos em cuja contemplação nos envergonhamos, sem saber sequer até que ponto com razão, nunca tentámos, nunca quisemos tentar saber, com a possível certeza dos homens, e já seria a de uma geração, onde, como e quando produzir trigo.
Tal o trigo, tal o milho, o nosso segundo grande cereal. Parece que produzimos 1160 kg por hectare semeado em 1962; a França - quem a diria, tempos atrás, país de milho - colheu 2150 kg em 1962, 3800 kg em 1963, na