19 DE FEVEREIRO DE 1964 3241
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: alguns portos portugueses, mercê da sua situação, como sejam Lisboa e Setúbal no continente, Funchal e S. Vicente de Gabo Verde, nas rotas do Atlântico Sul, têm sido. por mais de uma vez, apontados como possuindo condições excepcionais para constituírem zonas ou portos francos de primeira ordem.
Um porto franco, como já foi definido, é «um porto estabelecido fora da linha das alfândegas, aberto a todos os navios de comércio, sem distinção, quaisquer que sejam as suas bandeiras e a natureza da sua carga. E um ponto comum ao qual vêm ligar-se, por uma espécie de ficção, o território prolongado de todas as nações. Ele recebe de umas e lança noutras, livremente e sem direitos, os produtos respectivos.»
Os portos francos têm sido, através dos tempos, instrumentos fecundos de expansão económica. Porque são centros de agrupamento e armazenamento e, por vezes, de manipulação e transformação de mercadorias, activam o comércio externo, aumentam a reexportação e o tráfego marítimo, facilitam a utilização da mão-de-obra, são factor de desenvolvimento do rendimento nacional e, naqueles que têm um carácter industrial, elemento relevante no lançamento de novos empreendimentos e actividades, cujos benefícios não se circunscrevem ao porto franco, mas, pelo contrário, se alargam a todo o país em que este se encontra situado:
A navegação, as bolsas de comércio, o sector bancário, o turismo, o comércio de comissões e corretagem, encontram meios naturais de expansão e desenvolvimento no estabelecimento de zonas francas, que são também fonte importante de obtenção de moedas e divisas.
Foi certamente em obediência ao conjunto destes benefícios que se encarou já a possibilidade de criação de zonas francas no nosso país. A ideia é velha entre nós, mas pode dizer-se que só foi estudada em profundidade pela comissão formada pelas portarias do Sr. Ministro das Comunicações de 14 de Novembro de 1949 e 21 de Abril de 1950, a que presidiu o Sr. Eng.º Salvador de Sá Nogueira. A comissão, de que faziam parte diversas entidades que, pelas funções que desempenhavam, podiam pronunciar-se sobre os diversos aspectos a esclarecer e ventilar, encarou a possibilidade de se estabelecerem zonas francas em Lisboa e em Setúbal.
Sobre o assunto fizeram-se diversos estudos parciais, alguns deles de grande interesse, como os dos Srs. Eng.º Bacelar Bebiano, vogal do conselho de administração do Porto de Lisboa, Carlos Mantero e Manuel Alberto de Sousa, presidente e vogal da direcção da Associação Comercial de Lisboa, Dr. Miguel Bastos e Eng.º Luís da Fonseca, então, respectivamente, presidente da Junta Autónoma e engenheiro director do Porto de Setúbal, sendo o relatório geral da autoria do presidente da comissão, o Sr. Eng.º Salvador de Sá Nogueira, que produziu um trabalho notável, não só pelo seu ordenamento, mas também pelos esclarecimentos que lança sobre matéria tão vasta e complexa.
A definição e o âmbito de uma zona franca, as várias modalidades que pode revestir, as controvérsias que tem suscitado, as vantagens que do seu estabelecimento resultam, a disciplina e regras a que está sujeito o seu funcionamento e a sua administração, condições mais convenientes para a sua localização, espaço e instalações que pressupõe e implica, tarifa aduaneira aplicável às mercadorias importadas da zona- franca para o interior, aplicação de contrôle de câmbios e contrôle de comércio, tudo está estudado e exposto com uma clareza e objectividade que muito honram a inteligência e o saber do seu ilustre autor.
Depois de expostos e desenvolvidos todos estes pontos, a comissão concluía por considerar possível e altamente conveniente para a Nação o estabelecimento de zonas francas nos portos de Lisboa e de Setúbal, de carácter comercial e limitadamente industrial.
A construção e exploração destas zonas deveriam ser feitas directamente pelo Estado ou em regime de concessão a longo prazo. Em primeiro lugar devia
tentar-se a construção e a exploração em regime de concessão e, se a tentativa não surtisse o efeito desejado, o Estado tomaria para si o encargo de realizar todo o empreendimento.
O Sr. Eng.º Sá Nogueira, ao terminar o seu relatório, lembrava a célebre frase de D. Pedro V:
Quando se nomeiam comissões é para que elas façam um trabalho útil e não para que os seus escritos aumentem os valores mortos, que jazem na poeira dos arquivos das secretarias de Estado.
São passados quase doze anos e, apesar de longo período decorrido, não deixamos de considerar trabalho utilíssimo o que realizou a comissão encarregada de estudar a possibilidade de estabelecer zonas francas nos portos de Lisboa e de Setúbal pela contribuição que deu para um assunto que, desde o rei D. José, por mais de uma vez, tem sido debatido nó nosso país.
É evidente que, como se afirma, num estudo citado no referido relatório:
O problema das zonas francas é, essencialmente, um problema de comércio internacional. E sobretudo em relação às condições gerais em que se podem efectuar as trocas internacionais que ele deve ser estudado. Não se trata, somente, de saber se convém subtrair uma parte do território à aplicação da regulamentação aduaneira ou de estimular as reexportações, facilitando a criação de vastos centros de distribuição internacionais de mercadorias ou mesmo de transformações industriais. Trata-se também de saber se as disposições que se podem tomar no quadro da legislação aduaneira são compatíveis com os regulamentos estrangeiros, se correspondem ao clima em que se efectuam as trocas de mercadorias entre nações no momento preciso em que o problema se discute.
Escritas há perto de vinte anos, estas palavras tem plena actualidade, sobretudo à face das novas directrizes que informam a política aduaneira dos diversos países. Formaram-se na Europa dois blocos de nações que prosseguem uma política de desmobilização pautai e de um dos quais Portugal faz parte. Por outro lado, criou-se o espaço económico português, destinado precisamente a fomentar o intercâmbio comercial entre todas as parcelas do território nacional.
Marcou-se também uma orientação definitiva no sentido da maior industrialização do País.
E em face destas realidades que tem de ré ver-se o problema do estabelecimento de zonas francas, que continuam a ter a maior importância, sobretudo em países possuidores de portos situados nas encruzilhadas da navegação ou nas proximidades de grandes mercados consumidores.
Em obediência, certamente, a esta orientação, mandou o Governo que se estudasse a possibilidade do estabelecimento do regime de franquia aduaneira na ilha de S. Vicente, ou até em zona mais vasta de Cabo Verde.
Também no cumprimento deste despacho se efectuaram estudos destinados a determinar as vantagens e incon-