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19 DE FEVEREIRO DE 1964 3243

tem e pelas sérias consequências de ordem económica, social e política que dele podem advir, é, sem dúvida, um dos mais importantes que têm sido postos à, nossa consideração.
Trouxe-o à liça desta Assembleia o Sr. Deputado Amaral Neto, homem de invulgar clareza de inteligência, de serena rectidão de espírito e de nobre independência de carácter, para quem os problemas da terra não têm segredos.
Daqui o felicito, pois, pela utilidade da sua iniciativa e pela profundidade do seu trabalho, daqui lhe agradecendo também a oportunidade que me deu de bordar algumas considerações em torno do assunto.
Srs. Deputados: os problemas que estão na base da crise agrícola do continente português têm sido tão longa e brilhantemente expostos e comentados nesta Casa, quer pelo ilustre Deputado avisante, quer por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia, quer por tantos outros nomes de valor que a este sector têm dado o melhor da sua atenção e do seu saber, que estultícia seria da minha parte julgar que sobre eles poderia ainda lançar alguma luz.
Tantas foram, porém, as vezes que ouvi aludir a dificuldades agro-sociais das regiões do Norte e do Sul do País, sem que nunca se buscasse saber se noutro quadrante haveria terras aráveis ou gente viva, que achei do meu dever intervir, começando por formular uma pergunta:
E a Madeira e os Açores, ou melhor, as ilhas adjacentes?

O Sr. Sousa Meneses: - Muito bem!

O Orador: - Não farão elas parte integrante da metrópole, tal como nos foi ensinado nos recuados e saudosos tempos da instrução primária?
Não interessará trazer para aqui alguns dos seus problemas mais instantes, uma vez que se discute nesta Assembleia, não a crise da agricultura continental, mas a crise da agricultura nacional?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu sei que a economia das ilhas adjacentes é considerada uma economia marginal, tão marginal ou desprezível que nem sequer tem tido a honra de figurar, na constituição do valor do produto nacional bruto ...
Mas, seja como for, julgo que mais de meio milhão de portugueses (619 611 precisamente, pelo censo de 1960) têm direito a fazer ouvir a sua voz neste debate.
Eis por que, como açoriano, peço vénia a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para falar agora dos Açores.
Os Açores, como toda a gente sabe, são nove pequenas ilhas dispersas no meio do Atlântico, cuja superfície não chega à metade da do Algarve, mas onde vivem
336 000 habitantes, isto é, mais 16 000 do que todos os existentes nesta província.
Começo por citar estes dados, comparando-os com os desta encantadora região, não só como homenagem à terra e aos homens que primeiro concorreram para o reconhecimento e para o povoamento daquelas ilhas, mas ainda para dar a VV. Ex.ªs a ordem da pequenez da sua área e a ordem de grandeza da sua população.
Semelhante demografia, se nos dá, à primeira vista, a medida da feracidade do meio, dá-nos também, e de pronto, a marca da actividade do homem.
Com efeito, os Açores não eram, no princípio do século XV, quando foram encontrados pela gente do Infante, ilhas habitadas ou desbravadas.
Uma espessa e intrincada camada de vegetação selvagem cobria-as totalmente, não deixando adivinhar sequer a sua superfície.
Houve que abrir clareiras a golpes de fogo e de machado, para que o solo surgisse, rugoso e duro, por entre acidentes vulcânicos de ciclópicas proporções.
No decorrer dos tempos, e a despeito dos inúmeros terramotos e das constantes tempestades, o homem foi pouco a pouco dominando e adaptando esses longínquos pedaços de terra as suas necessidades imediatas, por meio de difíceis e dispendiosas arroteias que ainda não terminaram.
Do trabalho insano que tão ingente tarefa representa, resultaram os campos, os prados, as hortas, as quintas e as matas que agora, por toda a parte, ali se vêem.
Nas baixas e raras planícies, como nas altas e íngremes encostas, o mesmo homem introduziu quase todas as espécies arvenses, arbustivas e arbóreas da Europa e muitas das que fazem as galas botânicas da África, da América, da Ásia e da Oceânia.
Ele aí tem, como culturas dominantes, o milho, que é a base da alimentação do povo, logo seguido do trigo, que em tempos foi a sua maior riqueza; ele aí possui as mais variadas forragens em belas e extensas pastagens onde cria todo o gado de que precisa e que lhe sobra; ele aí semeia a batata, o feijão, a fava, o tremoço e muitos outros produtos de que precisa; ele aí faz crescer a vinha, as árvores de fruto e numerosas essências florestais, onde predominam a criptoméria e as acácias.

odo este pequeno mundo vegetal, que as chuvas abundantes e frequentes conseguem trazer sempre viçoso c verde, a despeito dos ventos desabridos, constitui a base de sustentação em que assenta toda a economia açoriana.
Esta base, porém, nunca foi suficiente para enfrentai-os problemas da sua população.
Bem cedo os Açores tiveram de buscar na emigração solução, não só para a colocação dos seus excedentes demográficos, mas ainda para a obtenção das divisas indispensáveis à compra de tudo o que lhes falta.
Esta triste solução, que ainda hoje é válida, fixou no Brasil, nos Estados Unidos, na Bermuda, na Venezuela, no Canadá, e até no arquipélago do Hawai, centenas de milhares de açorianos, que, sem esse meio, teriam baqueado, nas suas ilhas, por falta de recursos.

O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - E, no entanto, isto sucedeu c sucede, não porque o Açoriano se não tenha esforçado, em todas as épocas, por criar, paralelamente à sua limitada economia de subsistência, uma mais ampla e rendosa economia de mercado, mas porque a distância e o isolamento a que o condenam a sua fatalidade geográfica, aliados a outras adversidades de natureza diferente, tem feito gorar ou limitar a maior parte dos seus empreendimentos generosos.
É disso mais forte e vincada prova a ilha de S. Miguel, que passo a
descrever-vos com minúcia:
S. Miguel é a maior ilha dos Açores.
Toda a sua grandeza territorial não vai, porém, além de 747 km2.
Nestes escassos 75 000 ha, onde há cerca de 25 por cento de ravinosas montanhas ainda incultas ou incultiváveis, por quase inacessíveis, vivem 171 000 habitantes, isto é, mais de metade da população dos Açores.
Quer isto dizer que, nesta pequena ilha. cada quilómetro quadrado de terra aproveitada tem que sustentar 305 indivíduos.
Esta média, demasiadamente alta para um regime que mantém não só 60 por cento da população activa na agricultura, mas ainda a maior parte dos restantes 40 por cento em sectores subsidiários da mesma agricultura, ex-