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21 DE FEVEREIRO DE 1064 3307

pécie do certidão de registo, que nós, os de Bragança, não podemos esquecer.
Por isso pedi a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me autorizasse, antes da ordem do dia, um pequeno discurso.
Este mandato que fui chamado a exercer pesa-me muito mais do que eu pensava, e quando tenho de falar propriamente da minha terra sinto-me ainda mais carregado de responsabilidades.
Não cuidem que me afrontam as exigências naturais desta Casa.
Tenho uma suficiente reserva de humildade e o perfeito conhecimento das minhas muitas limitações para caminhar cuidadosamente por aqueles caminhos que melhor conheço ou que posso estudar.
Também me não afligem as críticas honestas dos que ouvem o entendem, nem as falas das senhoras vizinhas, daquelas que costumam «desfraldar», e muito bem, a impostura alheia.
Habituado ao nosso estilo, à franqueza e à rudeza com que, desde o Canto do Inferno ao Bairro de Além do Rio, se descobrem e se curam as mazelas de cada um, estou sempre pronto para receber o castigo que mereça e a recebê-lo, como cumpre a quem por aqui anda, com a maior compostura.
Mas afrontaria a minha própria raça, sagrada nas águas claras do Sabor e lavada pelos ventos agrestes da Sanábria, se não fosse, hoje e sempre, igual a mim mesmo. Todos os que me conhecem deixariam de me conhecer ou de me reconhecer como igual a qualquer deles. Tinha acabado e acabado mal.
Todos os que me conhecem deixariam de me conhecer ou de me reconhecer como igual a qualquer deles.
Tinha acabado e acabado mal.
Ora, enquanto igual a mim mesmo e aos meus vizinhos, neste dia de hoje, sinto-me aqui deslocado, triste, desintegrado, apesar da generosa companhia de VV. Exas. e do Doutor Gonçalves Rodrigues e do coronel Augusto Machado, que são tão bragançanos como eu.
Há em Bragança um banco de pedra, de pedra de granito, banco corrido, comunitário, fixo, seguro - porque casa e banco de uma só fábrica romana -, desafiando na sua dureza e segurança os séculos, onde gostaria de estar neste momento.
Era aquele banco em que os homens bons se juntavam para decidir, em conselho, sobre as coisas da terra e da gente.
E eu queria estar ali junto do povo da minha terra, sóbrio, generoso e livre, representado pelos seus vizinhos mais ilustres, para acompanhar o Sr. Duque de Bragança, recolhidamente, nessa Casa da Câmara, tão vetusta e tão nobre que não tem par em nenhuma outra.
Aí floresceram as nossas liberdades e aí veria desdobrar e ouviria ler, em festa de família, a Carta de Foro de 20 de Fevereiro de 1464, pela qual D. Afonso V, rei de Portugal e do Algarve, senhor de Ceuta e de Alcácer, concedeu «a seu muito amado e prezado primo D. Fernando que a sua vila de Bragança se chamasse cidade, com todos os privilégios e liberdades das cidades de seus reinos».
Inflamado nas conquistas dias praças de África, tinha el-rei seu arraial em Ceuta, mas, aí mesmo - talvez para nos fadar africanos -, assinava a Carta de Foro que o duque de Bragança lhe requererá e assínava-a, dizia, sem consideração dos muitos serviços e obras de grandes, merecimentos que a nós e a el-rei D. Duarte, nosso Padre, e s nossos reinos tem feito".
Pois era ali, no seio da minha comunidade serrana, que eu queria meditar a lição da Carta de Foro que o duque de Bragança recebeu, para a sua e nossa cidade, faz hoje, precisamente, 500 anos.
Vale a pena contemplar a exemplaridade dessa organização da vida social assente no poder pessoal, na pessoa física e moral que encarnava o poder sem confusões nem abstracções.
O povo não andava mascarado de soberano, nem o Poder se dissolvia no artifício das convenções.
Quando os vizinhos se juntavam no município eram uma realidade viva em frente de outra realidade, o Sr. Duque de Bragança.
Comportavam-se como uma autêntica comunidade política, portadora de interesses muito claros, falando ao príncipe e fiando-se da sua justiça.
Nesse tempo ainda ninguém se tinha lembrado de converter o Estado em pessoa jurídica, órgão único do direito, titular do Poder, exclusivo representante da Nação, expressão da vontade geral.
O realismo medieval produzia uma organização política concreta, distinguia os elementos vivos dos fantasmas, valorizava as pessoas que prestavam e os grupos e instituições que valiam, assegurando-lhes então uma personalidade autêntica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esse realismo medieval «fundou efectivamente Estados, os Estados que o convencionalismo racionalista acabou por dissolver».
Assim vivemos e definimos os limites da Pátria, aqui, na África e nas índias.
Vale a pena meditar nesta Carta de Foro passada em Ceuta por D. Afonso V.
Escolhíamos então, abundantemente, os frutos sazonados da herança germânica, na pujança das nossas instituições políticas de Quinhentos.
Os séculos passaram e encontramos hoje lamentavelmente abastardado o verdadeiro sentido da aristocracia e muito esquecida a essência do fenómeno aristocrático, que é o fulcro de toda a constituição política medieva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dizem os estudiosos que os Gregos, os Romanos e os Germanos foram os povos que mais contribuíram para a formação do Ocidente.

Porém, enquanto a Grécia e Roma se consumiram sem deixar uma constituição política duradoura, a lição dos povos germânicos, «incomparavelmente superior», sobreviveu ao período propriamente germânico da história europeia e permitiu transformar os reinos bárbaros nos Estados que ainda hoje existem, fundando «uma ordem política de quinze séculos».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pois essa ordem política repousava no princípio da hereditariedade aristocrática e na base de toda a concepção aristocrática estava a ideia de serviço, que a mentalidade individualista traduziu para a burguesa concepção da recompensazinha mais ou menos chorada ou contratada.
Se a ideia de serviço juntarmos, como é de preceito entre quem trata destes temas a sério, «o formidável vínculo político que é a relação de fidelidade» - relação recíproca, importando obrigações e direitos muito concretos -, teremos esboçado a teoria da nobreza.
«Os reis não eram representantes do povo, nem delegados do povo, nem donos do povo», contentavam-se de ser, como nesse tempo de D. Afonso V se dizia, «pastores não mercenários».
Srs. Deputados: o terceiro braço das Cortes resumia, muito democraticamente, em precisas e simples palavras,