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3310 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132

de assinalar a responsabilidade morai que por este facto recai sobre quem não tenha sido capaz de apressar o rápido seguimento do assunto ou que até eventualmente tenha impedido que assim sucedesse; tristeza, finalmente, por ter de o fazer em voz alta, revelando assim aos padecentes que é preciso lembrar a sua situação.

O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!

O Orador: - Sei que o caso é invulgarmente difícil o para alguns suscitará até melindre a ideia de se tocar naqueles que já findaram a sua vida terrena e que merecem o nosso maior respeito. Todavia, para que deles se afastem tais susceptibilidades, bastar-lhes-á, certamente, lembrar que de há muito não só no nosso país mas em todo o resto do Mundo civilizado se acha consagrada pelo direito e pela moral a investigação judiciária, científica e de ensino nos corpos das pessoas falecidas.

Ora sendo lícito o aproveitamento de órgãos o tecidos de pessoas falecidas para os fins atrás designados, em ninguém pode restar dúvidas quanto à mesma licitude em relação a um aproveitamento bem mais restrito u que se pretende beneficie directamente pessoas vivas.

O Sr. Melo Adrião: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Melo Adrião: - Era só para prestar um esclarecimento.

No ponto de vista biológico, o facto de o enxerto pegar é um sinal indubitável de que foi colhido em vida. Se nós tirarmos uma córnea a um indivíduo e a enxertarmos noutro e esse enxerto pegar, é sinal evidente de que essa córnea foi colhida num indivíduo com manifestações vitais.

De maneira que isso traz um problema muito delicado: o de que é impossível diagnosticar a vida de ura tecido, a não ser enxertando-o e ele pegando; só assim é que teremos a certeza de que ele está vivo. Será uma dedução a posteriori. A priori não podemos fazer o diagnóstico da morte absoluta.

Isto talvez me dó ocasião de fazer, se for oportuno, neste sentido uma intervenção nesta Assembleia. Mas em todo o caso queria desde já e apenas pôr esta nota, que já é de especialização e que, portanto, não admira que o vulgo não seja elucidado dela.

Se nós formos ver as encíclicas dos Santos Padres que aprovam a ablação de elementos dos cadáveres, verifica-mos que Fio XII admite essa ablação supondo que clinicamente é possível fazer o diagnóstico da morte, o que não é possível.

Eu sei que na lei que permite a ablação de tecidos nos cadáveres se estabelece um mínimo de dezoito horas após a morte clínica, que não pode ser outra coisa que a morte real, porque a morte clinica não existe. A morte é um facto que ultrapassa a clínica, é um facto de ordem superior, e, portanto, não há possibilidade de diagnóstico clínico da morte do indivíduo.

De maneira que nós podemos dizer que as dezoito horas estabelecidas já não permitem a utUização dos enxertos.

Era apenas esta achega que eu queria dar a V. Ex.ª, sem pretensão absolutamente nenhuma de dizer que a opinião que V. Ex.ª tem e o seu desejo, que é o que nós todos temos, não tenham razão de ser. O que é preciso é que esse desejo seja cautelosamente observado e não como fazem noutros países.

O Orador: - Estou mui tu reconhecido u colaboração dada por V. Ex.ª, mas as suas palavras não invalidam o meu lamento sobre a demora do desenvolvimento do assunto.

Sua Santidade Pio XII, num discurso proferido em 13 de Maio de 1956, ocupando-se do problema dos enxertos de tecidos de cadáver em corpos vivos, pôs em evidência que tal facto não contrariava o respeito que á devido aquele.

De resto, sabemos que a legislação em estudo conterá matéria que salvaguarda o direito de cada um tomar disposições prévias quanto ao destino do seu próprio corpo e ainda o direito que assistirá aos seus familiares próximos de se oporem à referida prática após ser-lhes notificado o óbito.

O Sr. Melo Adrião: - É que, moralmente, u mu pessoa não pode dispor do seu corpo post mortem, porque ele já não lhe pertenço. O homem apenas pode dispor do seu corpo enquanto é vivo, mas não como cadáver, e, portanto, não pode ceder parte alguma do seu corpo, nem sequer em testamento. O que pode é o Governo, desde que considere o facto de utilidade pública e desde que isso não vá contra os princípios morais estabelecidos, dispor do corpo da pessoa. O mesmo sucede com as amputações, embora o indivíduo tenha no seu testamento que as consente.

O Orador: - Creio, no entanto, que ao indivíduo pertence o direito moral de, antes de morrer, oferecer os seus olhos.

O Sr. Melo Adrião: - Não pode, porque é uma amputação. Em todo o caso isto daria muito tempo a explicar. A amputação, em princípio, é condenada, tonto mais que, se quisermos fazer uma amputação a um doente, temos de lhe pedir autorização, a mela que com isso perigue a sua vida.

O Sr. Manuel João Correia: - Parece que há receio tia parte de V. Ex.ª, Sr. Prof. Melo Adrião, de que o indivíduo mio tinha morrido, mus eu desejo apresentar o seguinte exemplo: admitamos que o rodado de um comboio corta um corpo em duas partes. O corpo está morto, mus a córnea está viva, e, portanto, poderá ainda prestar um serviço humanitário.

O Sr. Presidente: - A maneira como o assunto está m ser posto tem todo o interesse, mau não pode de maneira nanhiima genemlizar-se o debate.

Peço ao Sr. Deputado Fernando Frade o favor de continuar.

O Orador: - Sr. Presidente: em 1960, quando da realização do I Curso Universitário de Férias em Lourenço Marques, o ilustre oftalmologista Dr. João Sousa Lobo, que ao problema da queratoplastia tem dedicado o melhor do seu saber e esforço, formulou dois votos: o primeiro, que na capital de Moçambique se efectuasse o Congresso da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia e, o segundo, que fosse promulgada a legislação sobre a colheita de tecidos humanos de modo a ali se poderem praticar enxertos da córnea, sem ser de forma episódica, como estava sucedendo, mas em série, às centenas e aos milhares.

Em 1963, nu sessão inaugural do XII Congresso da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, que, de conformidade com o primeiro dos votos formulados, se realizou em Lourenço Marques, o governador-geral de Moçambique, almirante Sarmento Rodrigues, fez especial e elogiosa referência aos altos serviços prestados pelos serviços