24 DE NOVEMBRO DE 1967 1825
ção do preocupado anseio geral em todos quantos, obrigados pelas mais diversas exigências, têm de utilizar sem um mínimo de segurança as nossas rodovias em estado de conservação lamentável e, o que é pior, infestadas de autênticos assassinos, contra quem urge reagir.
Isto apenas nos propomos, no reconhecimento de que há, primordialmente, uma acção imediata a desenvolver no sentido de obstar, drasticamente, ao crescente delírio das velocidades, à constatada e permanente disputa, de qualquer jeito, pelo lugar da frente, exageradamente praticada pela maioria dos utentes das nossas estradas, ultrapassando quase sempre dominados pelo feroz desejo de ultrapassar, sem embargo de, logo de seguida, corridos os riscos, se mostrarem sem pressa e obstruírem o caminho dos que prudentemente viajavam, minicarros transformados em bólides ávidos de competição com quem lha não facultou. Simultâneamente, porque é fonte de tudo o mais pugnar pelas boas maneiras e educação da maior parte dos automobilistas, a lançarem os mais reprováveis insultos sobre os que não obedecem de pronto aos seus desígnios, ou, por gestos de prudente aviso, recomendam cautela ou desaprovam determinada conduta irregular, todos pequenos «grandes tiranetes» embuídos de estranho poder e a darem provas de não merecerem a posse de máquinas que, mais do que pés e mãos, exigem cabeça para as governar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A não merecerem, e isso é facilmente possível, licença para as conduzirem, pelo perigo público que representam. Tem valido, na matéria, o «código de honra» tacitamente admitido a consentir complacência para os mais indecorosos insultos, ouvidos aqui mesmo nas ruas de Lisboa! Mas adiante...
Contemos antes, para justificar e amenizar, uma pequena história em que tudo é verdadeiro - o cenário, os factos e os personagens.
Há muito pouco tempo ainda, viajava eu numa carruagem do incómodo e anacrónico comboio do Douro, em que, numa estação do seu sinuoso percurso, entrou um rapazola a exibir descontracção, mangas de camisa, posto ao ombro um pull-over escarlate em jeito de evoluído. Apenas não tinha barbas nem o cabelo hirsuto.
A propósito de um fósforo que se pediu, cedo «metia» conversa com dois outros jovens pacatamente preocupados com o estudo das lições preparatórias dos exames que se avizinhavam. E contou, a despropósito, em tom elevado, para. que todos o ouvissem bem, desdenhando no olhar compassivo que eu próprio lhe lançava em continuado erguer de olhos do livro com que me entretinha, as desavenças com o pai, as exigências com que o obrigava a satisfazer-lhe os mais variados caprichos por via de ameaças de abandono do lar, as suas proezas automobilísticas e até a fanfarronada de um feito que alardeou para com um agente da Polícia de Viação e Trânsito que, dizia, queria tirar-lhe a carta, atitude que não teria consumado mercê do temor que lhe incutira, de que, se o fizesse, mais dia menos dia o atropelaria com o seu automóvel!
E assim sucessivamente até que, no prosseguimento de um estulto e infeliz exibicionismo, declarou aos seus jovens ouvintes forçados - honra lhes seja, manifestamente enfastiados e sempre a procurarem concentrar-se no estudo interrompido - que havia sido convidado e aceitara, mediante uma retribuição de 10 000$, dada pelos representantes de determinada marca que referiu, a missão de, ao volante de um desses carros, fazer o percurso Porto-Lisboa à média horária de 120 km! Que levara a cabo o cometimento e que havia sido o «fim do mundo», um andar indescritível, especialmente logo que passada Oliveira de Azeméis, até onde não conseguira aquela média, depois largamente ultrapassada!
Eu não sei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se a proeza relatada se verificou ou se o feito relato não passou de fanfarronada; nem se é prática reclamativa da referida marca o arquivar proezas desta natureza com vista à angariação de clientes loucos, sugestionados pelos cometimentos de outros loucos. Não sei se é verdade, mas nada me autoriza, pelo contrário, a afirmar que seja fantasiosa mentira, e, a não ser, pergunta-se:
Será possível sujeitar a vida dos demais aos encontros com tais criminosos, loucos e irresponsáveis de posse dos meios capazes de tantos danos e tão fàcilmente matar?!
O relatado encontro incidental serve eloquentemente a tese proposta quanto a uma imediata repressão à tão divulgada mania das velocidades excessivas em estradas inadequadas, objecto corrente das conversas de tantíssimos jovens, filhos de papás por igual irresponsáveis que levianamente lhes entregam tão perigosos brinquedos, para si e para os outros, o que ainda é pior.
Ora, o que se está passando em matéria de trânsito rodoviário, porque, como se disse a propósito dos seguros automóveis, de interesse e utilidade pública, tem de ser encarado frontalmente e a sério, reprimido através de uma vasta e diversificada acção fiscalizadora das nossas estradas, não apenas nos dias de velocidade regulamentada em que aquela já se espera, mas sempre e continuamente, especialmente fora desses períodos, em que o prazer da aventura se torna mais apetecível. Mas fiscalização não significa só aquilo a que vulgarmente se chama caça à multa com agentes postados e escondidos em locais estratégicos, como, por exemplo, dentro das povoações à espera dos que transitam a 45 km em lugar de a 40 km por hora. Não. A fiscalização que se impõe e mostra necessária deverá ser muito outra, orientada no sentido de educar, recomendar e prevenir dentro de um critério simultâneamente compreensivo e enérgico, rigorosamente exercido quanto ao que se mostra imperdoável, de simples advertência no que se revele desculpável.
Mas como, perguntar-se-á, em escala eficiente com a manifesta probreza dos recursos disponíveis, agravada, ao que se diz, a verificada falta de agentes em serviço, por desentendimentos que obstam à cedência de guardas da Polícia de Segurança Pública à Polícia de Viação e Trânsito?
Há muito tempo já temos em mente a ideia do estabelecimento de uma fiscalização a exercer pelo comum dos automobilistas e que, posteriormente, já vimos referida por outros a quem, decerto, lembrou a mesma solução. Claro que, de jure constituto, o problema reveste-se de certo melindre e apresenta algumas dificuldades no pensamento que nos domina de tornar efectiva e útil a sugerida fiscalização, pois se torna indispensável outorgar uma certa autoridade a pessoas que o não são nem são seus agentes.
A participação da infracção, do delito, está no nosso direito penal sujeita a um condicionalismo legal regulador do desencadeamento da acção penal por parte da autoridade competente, reconhecendo-se o poder da possibilidade de fazerem fé em juízo, apenas aos autos de notícia levantados pela autoridade pública, agente de autoridade ou funcionário público, e estes mesmo quando os factos a que se refere «forem presenciados» pelo autuante que levantar os autos e estes o sejam nos termos e com as formalidades prescritas na lei. Põe-se, assim, quanto ao estabelecimento de uma fiscalização privada, o