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14 DE DEZEMBRO DE 1967 2117

pena de morte; que ainda há campos de concentração, guerras terroristas e genocidas; que ainda se discute o modo de executar a pena de morte e se adoptam o fuzilamento, o enforcamento, o garrotamento, a câmara de gás, a guilhotina e a cadeira eléctrica, é consolador ver que uma pequena nação se agigantou, há um século, dando ao Mundo um modelo, que agora reofereceu, de código de humanidade, a garantir a todos e a cada um viver a própria vida e morrer a sua morte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa multissecular nação aboliu a pena de morte, em 5 de Julho de 1852, para os crimes políticos e, em 1 de Julho de 1867, para os crimes civis, e tal abolição foi extensiva a todos os pontos e gentes da terra portuguesa, desde o Minho a Macau e Timor e desde Trás-os-Montes à nossa índia, sem qualquer discriminação racial, religiosa, política ou cultural; o foi também extensiva aos estrangeiros nos casos de aplicabilidade territorial e extraterritorial da lei penal portuguesa.
A abolição foi total e geral, por a pena de morte ser «contrária à doçura dos nossos costumes e ao poder da nossa civilização» e ainda por estar abolida de facto há quase um século para as mulheres e há mais de vinte e um anos para os homens.
Por vontade nacional, introduziu-se na lei o que já era dos domínios da prática.
Com legítimo orgulho - nas palavras de Braga da Cruz -, «Portugal pode ser apontado como exemplo ao Mundo na luta por uma sociedade mais digna, mais livre, mais responsável, mais humana», e pode, com esse título de orgulho, honrar-se dos seus sentimentos cristãos.
Uma nação que, desde a sua fundação, desde o milagre de Ourique, vivera, à luz de Cristo, vivendo e fazendo cristandade, dilatando a Fé e o Império, não podia deixar de seguir uma linha de humanidade cristã, reagindo contra o barbarismo, a crueldade e outros defeitos do seu sistema punitivo, bebidos nas fontes do direito visigótico e do direito romano em que se plasmou.
Não vou repetir aqui os aspectos históricos e filosóficos da linha jurídica de humanização do nosso direito foraleiro c costumeiro e das nossas leis e codificações condensadas nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas e nas leis extravagantes.
Essa humanização é lenta e tem alguns regressos, até que se intensifica, desde o último quartel do século XVIII, em vários diplomas (Decretos de D. Maria de 1777 e de 1790, Alvará de 5 de Março de 1790, Decretos de 7 de Janeiro de 1797, de 11 de Dezembro de 1801 e de 11 do Janeiro de 1802). Esta intensificação é logo após o recrudescimento da crueldade, especialmente em relação aos crimes de lesa-majestade, no tempo de D. José (Carta Régia de 21 de Outubro de 1757, Alvará de 7 de Janeiro de 1759 e Lei de 13 de Agosto de 1770).
Aqueles diplomas são o produto da influência do pensamento iluminista e deles resulta, segundo Melo Freirr:, Pereira e Sousa, Henriques Seco e Bernardo José de Carvalho, o desuso dos tormentos e das mutilações e o desuso na aplicação ou na execução da pena de morto, que não era aplicada, muitas vezes, por magnanimidade (3 por espírito de brandura dos nossos juizes e tribunais que tinham repugnância na sua aplicação, ou que não era executada por virtude do perdão real ou por comutação que se intensificou em galés, degredo e trabalhos públicos. Só em relação aos crimes atrocíssimos ou enormíssimos - aclarados pelo diploma de 1802 - aquela pena era aplicada e executada, ficando praticamente abolida, desde o Decreto de 11 de Dezembro de 1801, na interpretação do Decreto de 11 de Janeiro de 1802, para todos os demais crimes punidos com tal pena pelas Ordenações.
Os sucessivos projectos de reforma da lei penal (de Melo Freire, de José Manuel da Veiga e de Pereira Forjaz de Sampaio), como as Constituições de 1822 e de 1838 e a Carta Constitucional de 1826, não eliminavam a pena de morte, que foi mantida no projecto e no Código Penal de 1852 e ainda na 1.ª edição do projecto de 1861 da- comissão presidida por Levi Maria Jordão.
É justo assinalar que o movimento abolicionista surgiu na consciência da Nação, estando a abolição de facto feita desde 1 de Julho de 1772, data em que se executou a última mulher; desde 1834, em que se fez a última execução por crime político, e desde 22 de Abril de 1846, data em que se executou, em Lagos, o último homem. A partir de então, a- pena de morte, ao cabo de muitos séculos, ficou moribunda, morrendo por si e repudiada pelo são sentimento e firme vontade do povo.
A sangueira da Revolução Francesa e as nossas fratricidas lutas liberais impediram a abolição da pena de morte em França e em Portugal.
Entre nós, menos por acção do iluminismo e do enciclopedismo ou do humanitarismo, que nem nos projectos de Melo Freire, o Beccaria português, levaram à abolição da pena capital, mais por acção do sentimento nacional, se atingiu a ambicionada abolição.
A aspiração de Beccaria, de Betham, de Filangeri, de Locke, de Montesquieu, de Rousseau e outros tivera eco, em 1797, nas instruções para o Código da Rússia, de Catarina II, que não passaram a lei, e, em 1786 e 1787, no Código da Toscana, de Leopoldo II, e no Código da Áustria, que aboliam a pena de morte, para a restabelecerem em 1790 e 1795, e ainda, em 1848 e anos seguintes, no cantão de Friburgo, em San Marino, e em mais três cantões suíços.
Fora estes e outros casos restritos ou de vida efémera, as várias nações mantinham-se presas ao preconceito multissecular 1, e é Portugal que, antes do novo apelo abolicionista de Mittermayer de 1862, inicia um movimento de reacção contra a pena de morte, na linha de humanidade cristã, que determina a abolição de facto e, depois, a abolição expressa em 1852 e 1867.
Interessa salientar que foi nesta casa lusitana, na Câmara dos Deputados, que germinou e frutificou a tese abolicionista.
Na proposta governamental da reforma constitucional apresentada em Janeiro de 1852 não figurava a abolição da pena de morte, porque o Governo queria que constasse de uma lei ordinária.
Porém, em 10 de Março de 1852, os Deputados Rodrigues Cordeiro (por Leiria) e Mendes Leal (por Aveiro) apresentaram uma proposta de aditamento ao artigo 16.º do Acto Adicional à Carta, abolindo a pena de morte para os crimes políticos.
Na discussão da proposta intervieram vários Deputados, como Passos Manuel, Vicente Ferrer, Rodrigo da Fonseca, e o Ministro António Luís de Seabra, mas nenhum defendeu a tese contrária, e a proposta foi aprovada na sessão de 29 de Março, tendo alguns Deputados, na sessão seguinte, apresentado declaração no sentido de que, na, véspera, não haviam votado contra a abolição, mas contra o aditamento no Acto Adicional, ou que não vota-
1 A Inglaterra, por exemplo, mantinha, ainda em pleno Século das Luzes, a pena de morte para mais de 200 infracções.