2118 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 112
ram a abolição por não estarem presentes. Assim, a abolição no Acto Adicional de 5 de Julho de 1852 ficou a dever-se à exclusiva iniciativa da Câmara dos Deputados, e não podia escolher-se melhor lugar de representação da vontade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A este título, outros juntaria a Câmara dos Deputados na luta, através de propostas de vários Deputados e de discussões parlamentares, no sentido da abolição em relação aos crimes comuns.
Em 28 do Maio de 1852, o Ministro Seabra apresentou proposta, para a abolição da pena de morte para certos crimes. Porém, a proposta não teve seguimento o perdeu o interesse, por virtude da saída de Seabra do Governo para ir tratar do projecto do Código Civil e por ter sido publicado o decreto ditatorial de 10 de Dezembro de 1852 que promulgou o Código Penal.
Este Código mantinha a pena de morte e vários defeitos, sendo alvo das mais severas críticas parlamentares e da opinião pública, que levaram a nomeação de uma comissão de revisão e emenda. Na crítica e na linha da abolição da pena de morte sobressaem o conselheiro Silva Ferrão (Teoria do Direito Penal Aplicada ao Código Penal Português, 1856, comentário ao artigo 29.º) e o Deputado, arcebispo e lente de Coimbra, Doutor Aires de Gouveia. (A Reforma, das Cadeias em Portugal, 1860).
O projecto de Levi Maria Jordão (de 1859) ainda incluía a pena de morte, mas a 2.ª edição (de 1864) colho as críticas sofridas e suprime-a por deliberação da comissão presidida pelo autor do brilhantíssimo relatório do projecto, onde se afirma que «se resolveu eliminar tal pêra, não só por ser contrária à Natureza, mas por estar em desacordo com o direito do punir e com a natureza e fim das penas e pura satisfazer a vontade nacional», que se pronunciava contra a pena capital.
Demorada a revisão do projecto de 1861-1864 e malograda, a sua conversão em lei, o movimento abolicionista cansava de esporar o que a sã consciência e a firme vontade nacionais exigiam.
É neste ambiente que mais uma vez nesta Casa, se projecta, o sentimento nacional: na sessão de 3 de Junho de 1868, a propósito da discussão do «sustento dos presos, e polícia das cadeias», discutiu-se e, depois, na sessão de 18 de Junho, rejeitou-se a verba orçamental do salário do carrasco; naquela sessão discursou o Doutor Aires da Gouveia, que apresentou propostas de abolição da pena capital e de extinção do cargo do executor, com o seguimento de outra, do Deputado Gavicho. Estas propostas colheram o entusiasmo da Câmara e seguiram os seus termos sem lograrem discussão, que esteve marcada paru 20 de Junho.
Só com as sucessivas travagens das propostas parlamentares o Governo. O vem a colher o há muito ambicionado título de tomar a iniciativa de propor a abolição da pena de morto.
O Ministro da Justiça e lente de Coimbra, Doutor Barjona de Freitas, apresenta, na sessão de 28 de Fevereiro de 1867, a proposta da reforma penal e prisional que, no artigo 1.º, continha, a abolição da pena de morte, pena que, segundo o relatório, «paga o sangue com o sangue, mata, mas não corrige, vinga, mas não melhora, e, usurpando a Deus as prerrogativas da vida e fechando a porta ao arrependimento, apaga no coração do condenado toda a esperança de redenção e opõe à falibilidade da justiça humana as trevas de uma punição irreparável».
O parecer da Comissão de Legislação Penal de 17 de Maio (publicado na sessão de 18 de Junho), excelentemente relatado pelo Deputado António Pequito Seixas de Andrade, alicerça-se nos humanitaristas Beccaria e Bentham, em Mittermayer, Rousseau, Mably, Filangieri, Pastoret e Mancini, na abolição de facto, há décadas, na abolição de direito para os crimes políticos, na brandura dos nossos costumes e na opinião pública, concluindo pela oportunidade e confiança na humanitária abolição.
Ainda ecoam nesta Casa os formosos discursos feitos, nas sessões de 18 e 21 de Junho, pelos Deputados Santana e Vasconcelos e Aires de Gouveia, que louvaram o movimento de coração que levou o Governo a apresentar à discussão de um parlamento livre e ilustrado a abolição da pena de morte, abrindo uma página brilhante na história de um país grande nas suas tradições, diversas vezes o primeiro a plantar a civilização em longínquas terras e que, em 1867, se colocou à frente da civilização europeia como uma das primeiras nações do Mundo.
«Continuemos a nossa marcha», dizia o Deputado Santana e Vasconcelos, «e o futuro há-de dizer que tivemos razão, e a história há-de inscrever em letras de ouro os nomes dos homens que, dando o seu voto a reformas deste alcance, concorrem para levantar o nível moral da terra em que nasceram.»
«A pena de morte, assassínio particular respondido por um assassínio oficial», aditava o Deputado Aires de Gouveia, «é ilegítima, desnecessária, inútil e absurda. O primeiro direito da sociedade é o da sua conservação. A sociedade nunca carece de assassinar para se manter segura.»
As Câmaras dos Deputados e dos Pares, nas sessões de 21 e 26 de Junho, aprovaram a proposta que determinou o Decreto das Cortes de 16 de Junho, sancionado pela Carta, de Lei de 1 de Julho de 1867, que, no artigo 1.º, aboliu a pena de morte para os crimes civis.
Esta lei, considerada por Aires de Gouveia «o mais belo florão da coroa de D. Luís e o mais glorioso brasão do seu reinado», teve imediata aplicação às províncias ultramarinas, conforme interpretação autêntica contida na Portaria de 9 de Agosto de 1869, no Decreto de 9 de Junho de 1870 e na Lei de 27 de Dezembro de 1870.
A pena de morte subsistiu na lei para os crimes militares, sendo considerada letra morta no triunfante movimento de opinião pública de 1874 e com expressa revogação no Decreto de 16 de Março de 1911 e no artigo 3.º, n.º 2, da Constituição de 1911, com a restrição para o caso de guerra com o estrangeiro e em teatro de guerra (Lei n.º 635, de 28 de Setembro de 1916, e artigo 8.º, n.º 11, da Constituição de 1933).
Na mesma linha humanitária, o Brasil, nação de civilização lusíada, seguiu, em 1890, o exemplo da abolição da pena de morte, e Portugal fez questão do respeito devido à vida dos delinquentes estrangeiros, que, segundo cláusula impressa nas convenções de cooperação judiciária, só são extraditados e entregues ao país requerente sob a condição de não lhes ser aplicada a pena capital.
Sr. Presidente: Lima nação, velha de séculos, que sabe viver e permite que só viva sem discriminações nos planos interno e internacional, que, séculos fora, sempre seguiu direitos caminhos de vida humanitàriamente cristã, que tem escritores e jornalistas, então como agora, sempre a actuarem nas nobres campanhas de elevação e dignificação da pessoa humana, que, após experiência mais do que secular, reacende um farol de humanidade a iluminar todos os cantos do Mundo para a elaboração de melhores normas de convívio, essa nação pode, fundadamente, orgulhar-se de ter sido pioneira, dando novos mundos ao