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20 DE JANEIRO DE 1968 2241

O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Quando um projecto de lei como aquele que apreciamos atinge tão grande pormenor nas suas disposições e tão alto nível na sua concepção; quando foi objecto de um notável parecer da Câmara Corporativa e do estudo da Comissão de Defesa Nacional desta Assembleia, onde se encontram distintos e ilustres oficiais das nossas forças armadas; quando estamos no fim da sua discussão na generalidade, durante a qual subiram a esta tribuna ilustres Deputados que são valores efectivos da Assembleia Nacional, seria pretensioso a um civil como eu, tão longe dos problemas militares, vir aqui comentar a referida proposta de lei.
Assim, pedi a palavra, Sr. Presidente, para, apenas em breves minutos, me referir a um assunto directamente ligado à proposta de lei em discussão e acerca dele deixar aqui um voto.
Faço-o, por estrito dever de consciência, perante os que se batem pela Pátria e perante suas famílias.
Não me deixaram, Sr. Presidente, prestar serviço militar nos já recuados tempos da minha juventude. Pedi quanto pude à junta de inspecção que me reprovou para que mo deixasse fazer. Questão de uns centímetros de perímetro torácico a menos, inaptidão indiscutível nessa época, os quais já aumentaram fartamente ao longo da vida. Era em tempo de paz. Fui soldado da Legião- e ali fiz a minha recruta. Meu pai foi soldado e o meu filho mais velho já foi apurado para o serviço militar. Os meus parentes mais próximos ou já serviram Portugal em África ou vão fazê-lo. Assim, estou à vontade para o que vou dizer.
Verifica-se na proposta, de lei a preocupação de salientar o dever de todos servirem a Nação para fins militares e adentro de um conceito amplo de serviço militar que ultrapassa a permanência nas fileiras.
Às características totalitárias que as guerras vão revestindo pensa-se, e bem, que tem de opor-se a defesa integral da Nação e a preparação, também integral, de todas as suas actividades para essa defesa. O que pode atingir-se a este respeito em consciencialização colectiva e nível de civismo pôde ser observado no facto de Israel ter posto, no espaço de um dia, as crianças a distribuir a correspondência domiciliária dos correios e raparigas quase adolescentes a conduzir os veículos de transporte colectivo substituindo automàticamente, umas e outras, os homens que haviam bruscamente partido para a guerra. E se bem entendo, no mundo de hoje a paz tem de ser por ora uma paz armada, já que as agressões e as ameaças de agressão surgem não só vindas directamente de fora, mas infiltrando-se adentro da fronteira, fàcilmente ultrapassáveis, nestes tempos de cosmopolitismo, pela guerrilha e acessíveis aos golpes de mão que atinjam pontos vitais ou chefes difìcilmente substituíveis. Isto, como a guerra atómica, como a propaganda subversiva das emissoras, cria uma situação nova tanto na defesa nacional, como nos conceitos de paz. Por outro lado, o que aconteceu em volta do Suez na guerra-relâmpago que ali houve e o carácter, significado e consequências da táctica que dos dois lados se está utilizando na guerra do Vietname tornam pouco a pouco altamente simbólica e expressiva do nosso tempo a posição e atitude dos homens e mulheres de Israel, que lavram a terra das regiões fronteiriças de arma a tiracolo. O amor da paz, o culto da paz e a promoção da paz parecem pressupor, mais que nunca, o culto do dever militar, do amor da Pátria e da segurança nacional. E, por outro lado, ainda certo pacifismo do tipo Briand e Remarque ou de certo marxismo de exportação «para ocidental ver» e nele se submergir significam, no fundo, o culto da guerra e o pacto com o inimigo. E, assim, parece que por ora não morreu, antes revestiu novas modalidades na era atómica, o velho aforismo Si vis pacem para bellum.
Ora a obtenção e o aproveitamento máximo do pessoal que vai servir nas forças armadas é, portanto, um dos objectivos da proposta de lei, e um ilustre Deputado encarou até a hipótese de, no futuro, vir a ser obrigatório, e não apenas voluntário, o serviço militar feminino adentro da especificidade, do condicionalismo físico e da dignidade da mulher.
Além disso, a renovação dos efectivos em serviço e em campanha e a distribuição pelo maior número possível de portugueses da honra, do dever, mas também do risco, que a guerra impõe a cada um e do sacrifício, no plano profissional e familiar, que ela comporta é ilação óbvia do que venho de dizer.
Pode considerar-se como um aspecto destes objectivos a reclassificação admitida como mera possibilidade pelos artigos 74.º do texto da Câmara Corporativa e 12.º da proposta do Governo.
É este o assunto da minha intervenção e que, em consciência, devo pôr à Assembleia.
Há, com efeito, situações clínicas, estados de doença, que parecem irreversíveis no acto da inspecção, mas que a experiência mostra serem, em certa percentagem, recuperáveis; o critério de selecção dos casos-limite é sujeito a uma certa pcrccutagem de erros e de insuficiências, nas condições e volume de trabalho das juntas de inspecção, e esse critério é susceptível de evolucionar segundo os novos dados da medicina que vão surgindo e do novo conceito de serviço militar. A correcção periódica da selecção e a recuperação pura o serviço militar do um certo número de indivíduos inicialmente considerados inaptos parece-me dever ser posta como um dever de consciência para os responsáveis.
Desta argumentação pretendo concluir que a nova lei deveria conter, possivelmente adentro do artigo 74.º do texto da Câmara Corporativa, uma disposição que estabelecesse não apenas a possibilidade, mas uma periodicidade, obrigatória em tempo de guerra, para a reclassificação geral dos indivíduos considerados inaptos para o serviço militar, já que, por outro lado, no artigo 14.º também se faculta a reclamação individual da classificação atribuída.
De resto, esta reclassificação foi feita em profundidade, como sabemos, pelo menos para um grupo especializado, o dos médicos, onde a necessidade de efectivos mais se fez sentir.
Deixo à Comissão do Defesa Nacional desta Assembleia, se o entender oportuno e pertinente, a inclusão e formulação da lei, por ocasião da, discussão na especialidade, do assunto sugerido.
Termino, Sr. Presidente, com um voto: que seja feita dentro de curto período de tempo a reclassificação geral dos mancebos considerados inaptos para, o serviço militar a partir de 1961, o ano em que começou a guerra no ultramar.
Concluo resumindo: o novo conceito de serviço militar, a correcção que neste aspecto se impõe ao fim de sete anos de guerra, a justiça, em dividir o risco, o sacrifício, a honra e o dever por um maior número de portugueses e a possibilidade de aumentar os efectivos justificam a sugestão que aqui vim fazer.
Faço-o pensando que vou ao encontro do sentimento dos que se batem no ultramar e, mais, do das famílias dos que ali se batem ou ali irão bater-se.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.