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9 DE MARÇO DE 1968 2677

Atitude que parece querer definir uma época, um desregramento (da linguagem) que faz prever uma despersonalização da linguagem tendente à perda do seu direito de cidadania.

Um povo liga-se pela linguagem, sendo através dela que estabelece a transmissão dos seus costumes, dos seus pensamentos e até mesmo dos seus sentimentos, na medida em que souber dar expressão ao falar. O Dr. Mário Gonçalves Viana, num dos seus trabalhos, reconhece-lho mesmo valor social o principalmente valor psicológico, pedagógico e ético. Povos que não puderam encontrar uma linguagem comum não conseguiram estabelecer dentro da nação o clima de unidade que evitaria as desavenças em que sempre se têm encontrado envolvidos.

Julga-se hoje mais vantajoso conhecer um ou dois idiomas estrangeiros do que a língua materna, que, por se falar desde a infância, se pensa dominar suficientemente. E assim vulgar encontrarem-se pessoas, nas diversas camadas sociais, que, ignorando o significado das palavras, se exprimem mal e empregam vocábulos impróprios e monossílabos que não ajudam a transmissão dos seus pensamentos e os tornam incompreensíveis para o comum dos seus semelhantes. A linguagem e a escrita dos estudantes são confusas e inexpressivas, sendo certo poder afirmar-se que muitos têm dificuldade em escrever correctamente e em termos de se fazerem compreender. A informação falada e escrita, em lugar de contribuir para- a correcção desta tendência, adopta o sistema, sendo vulgar lermos c ouvirmos expressões que ferem fundamentalmente os regras da linguagem.

Por toda a parte anúncios e cartazes indicativos e de informação, tabuletas ou dizeres expressam-se em idioma estrangeiro ou exibem erros de ortografia e de sintaxe, tudo com o beneplácito de quem tem o dever de corrigir e emendar: até mesmo as publicações dimanadas dos organismos do Estado são exemplos dessa- indisciplina.

O conhecimento da Língua, deve ser o primeiro e o mais eminente de todos os conhecimentos, pelo que há que velar pela sua pureza. Para isso é indispensável estudar como deve ser dado cumprimento às, recomendações contidas no Decreto n.° 35 228, de 8 de Dezembro de 1945, que aprovou as bases do Acordo Luso-Brasileiro para a Unidade Ortográfica da Língua Portuguesa, no sentido de as tornar efectivamente eficientes, de maneira a impedir a deterioração da língua pátria e o empobrecimento linguístico.

Mais especificadamente propomo-nos:

a) Estudar uma acção destinada a proibir a minus-culizacão, por ser contrária às regras ortográficas estabelecidas- na lei;

b) Rever o uso das formas de expressão falada e escrita da responsabilidade dos organismos públicos, tendo em vista a sua correcção e uniformização;

c) Tornar obrigatória a versão para português das línguas estrangeiras faladas nos filmes;

d) Sugerir o lançamento de uma campanha de aperfeiçoamento do vernáculo, através dos órgãos de informação e dos serviços do Estado, utilizando todos os meios de que se dispõe. Procurar-se-á ainda analisar u posição da língua materna nos planos de estudos dos cursos secundário e médio e a sua incidência sobre a formação da juventude.

A Sr.ª D. Maria Ester de Lemos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao pedir a palavra para evocar o centenário de Camilo Pessanha, moveu-me, naturalmente, o empenho de prestar nesta Assembleia, à qual incumbe o dever de zelar pela conservação e exaltação dos autênticos valores nacionais, homenagem a um dos vultos mais eminentes da literatura portuguesa de- todos os tempos.

Parece, com efeito, que não estaria certo deixarmos passar em silêncio -nós que representamos o melhor que podemos e sabemos os interesses não só materiais, mas também espirituais da Nação - os três centenários que durante este ano se comemoram.

Sentiu-o, antes de mim, o Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita, ao evocar, com a sua fina sensibilidade cultural, sempre vibrátil às coisas portuguesas, os outros doiji homenageados deste ano, António Nobre e Raul Brandão.

Camilo Pessanha - de cuja poesia me ocupei nos anos de juventude, com o entusiasmo ainda intacto dos encontros que nos deslumbrara- é, no entanto, um caso tão puramente literário, ou para melhor dizer, tão exclusivamente artístico, que abordá-lo numa assembleia política chegou a parecer-me quase descabido.

Não podemos, com efeito, procurar na obra ou na vida de Camilo Pessanha nem a exaltação dos valores nacionais, nem a fidelidade num ideal político, ético ou cívico, nem sequer um som muito peculiarmente português; muito embora o poeta amasse de raiz a sua Pátria e estivesse, fatalmente, inserido e modelado na realidade de uma tradição lusíada, seria por certo necessário forcar tendenciosamente os factos para fazer dele um paradigma de portuguesismo ou um exemplo moral a apresentar às gerações mais novas.

Na verdade, Camilo Pessanha não é uma "vida", e uma "obra".

O seu perfil humano de abúlico e de nevrótico, de orgulhoso solitário e de torturado da efemeridade das coisas, desaparece e fica diluído em músico, em magia verbal, em dilacerante beleza, capciosa e embriagadora como o ópio.

E, no entanto, é justo e certo que o evoquemos com gratidão, mesmo nesta Câmara, cuja acção tem como sentido último o engrandecimento e a, consolidação de tudo quanto constitui a substância espiritual da Pátria.

Pessanha, seja,qual for o substrato humano da sua obra - destituída de- intenções ideológicas-, é um dos mais extraordinários poetas de língua portuguesa, mestre de ritmos, de climas o de achados verbais que as gerações seguintes não puderam nem poderão ignorar. Com ele, o verso português, tornado mais dúctil e mais discretamente musical, depurado de elementos prosaicos, liberto de lugares-comuns de escola e carregado de novas e mais profundas intuições do ser, adquire uma qualidade que, pondo-o em uníssono- com a sensibilidade poética europeia do 1.° quartel do século, ao mesmo tempo lhe confere uma intemporalidade e universalidade, uma ressonância de arte verdadeira capaz de colocar o seu autor entre os maiores poetas da sempre.

Fosse a língua portuguesa - e bem podia sê-lo, e virá porventura a alcançar essa vitória num futuro próximo, fosse a língua portuguesa uma língua de expansão universal, e nenhum homem culto de qualquer país poderia hoje ignorar o nome do que- foi não apenas o único verdadeiro poeta simbolista português, mas um dos maiores s-imbolistas de qualquer literatura.

Esta, a justificação da homenagem que entendemos dever prestar-lhe, em nome e por amor da grandeza de Portugal.

E ficaria por aqui se não me parecesse que à memória dos grandes escritores é devida alguma coisa mais do que palavras laudatórias, medalhas comemorativas c homenagens toponímicas.