6 DE MARÇO DE 1969 3355
O estudo que faz no referido livro, que podemos classificar de política e de economia comparada, constitui, por tudo o que fica dito sobre o curriculum deste jornalista, modo de ver de interesse marcado para uma análise das perspectivas futuras do mundo contemporâneo, isto quer em referência aos sectores de política e de economia, quer ainda ao vasto campo de vida social dos povos.
Da leitura desta obra não nos ficou, na realidade, qualquer dúvida sobre as vantagens que aponta, digo, as já conseguidas por determinados sectores do «hiperindus-trialismo» norte-americano, isto quando posto em confronto com a evolução incerta, heterogénea e por vezes lenta de sectores paralelos das actividades industriais europeias e, muito em especial, em relação ao que se passa nas regiões mais evoluídas da Europa. Quando Servan-Schreiber nos fala, por exemplo, no capítulo «A Europa sem estratégia», da «batalha do cálculo», citando uma afirmação de John Diebold, diz-nos, sem reticências, que o reino dos computadores, que dominará, a partir de 1970, toda a actividade das indústrias, como instrumentos excepcionais que são de análise e ainda de gestão e decisão, representa, só por si, condição suficiente, diz, para o domínio absoluto da indústria americana sobre a economia europeia, e consequente perda da independência das actividades manufactureiras do Velho Mundo. E, se nos lembrarmos que, no início desta ciclópica corrida, refiro-me ao aparecimento da primeira geração de ordenadores, a Europa ocupava ainda, então, lugar cimeiro, podemos avaliar quanto tempo já foi perdido, nesta parcela do mundo ocidental, pelos imprudentes e imprevidentes responsáveis pela política económica deste pequeno canto do continente euro-asiático.
Todos eles, digo, procurando, por vias incertas e confusas, uma hegemonia sob as mais variadas bandeiras, olvidando que o pequeno espaço europeu, numa moderna economia de mercado, terá de figurar na realidade, econòmicamente, como um todo indivisível.
Ora este todo indivisível, muito antes do ano de 1970, não estará já então dominado, e com significado avanço, pelas inúmeras I. B. M. norte-americanas instaladas até na própria Europa?
A idade do ordenador não correrá assim, definitivamente, sob o signo norte-americano?
Louis Armand, que assina com o seu prestigioso nome algumas das últimas páginas de Le Défi Américain, embora navegando em águas um pouco diversas das do autor, e sem qualquer sombra de pessimismo, admite que a Europa, dispondo, como dispõe, de uma incomensurável riqueza de matéria cinzenta, poderá ainda entrar na era electrónica com um grau de progressismo susceptível de colmatar a actual disparidade de posições.
O essencial, diz Louis Armand, é que a Europa aprenda a utilizar convenientemente os conjuntos electrónicos de gestão, em que os ordenadores são, de facto, peças fundamentais, isto para catalisar a renovação total das estruturas das suas actividades. Assim o Velho Mundo terá ainda, afirma, uma palavra a dizer, embora sem a necessidade de tudo pretender fabricar, antes, saber utilizar, nas melhores condições de rentabilidade, os equipamentos. Não é, na verdade, tarefa simples a desta «cibernetização», mas é também o grande e apaixonante trabalho que fascina hoje, ao mesmo tempo, técnicos americanos, russos e japoneses, entre os demais.
Com efeito, segundo especialistas modernos de gestão, por cada homem ocupado na fabricação de uma máquina são necessários pelo menos dez para definirem a melhor maneira de a utilizar, e estes cooperando estreitamente com outros, provàvelmente cem, que conhecendo bem, ao mesmo tempo, as características das máquinas e o funcionamento das empresas e das administrações facultem uma utilização mais lesta e produtiva das mesmas.
É, numa palavra, no trabalho intelectual, que o Americano designa por software, que o Europeu poderá, ainda, encontrar o fundamento de uma quase independência industrial, isto na era que se avizinha.
Trata-se, pois, na expressão de Louis Armand, de a Europa se mostrar mais inteligente com referência ao estudo das estruturas, já que se atrasou, por forma significante, no capítulo dos equipamentos.
Reestruturação educacional das massas nos diferentes graus da aprendizagem, evolução progressiva da estrutura e dos métodos de gestão das actividades, incluindo as do marketing, eis, assim, os grandes pilares da sobrevivência das actividades produtivas do ocidente europeu em face do crescente predomínio da indústria americana. E esta não oculta mesmo a intenção de conquistar, num futuro próximo, para maior expansão das suas actividades, este mercado de excepção, constituído por muitas dezenas de milhões de consumidores de elevada potencialidade de poder de compra.
Quando a Europa, destruída, em grande parte, nos seus mais valiosos sustentáculos económicos, isto no fim do último conflito mundial, procurava, com o auxílio dos investimentos facultados pelo Plano Marshall, reconstruir-se a partir de cinzas, encontrou-se, desde logo, perante a situação inquietante da perda de uma massa incomensurável de matéria cinzenta.
E não foram apenas os cientistas germânicos que, como verdadeiros prisioneiros de guerra, foram levados para a Rússia e para a América do Norte, onde foram, mais tarde, os pioneiros na construção de mísseis e de foguetões capazes de levar a morte aos pontos mais afastados da Terra. Teremos de somar a este número, de facto, a irreparável perda de muitos outros milhares de cientistas dos ramos de física, de química e de matemática, bem como do importante sector de biologia, mortos durante a guerra ou emigrados depois dela finda. Não nos devemos, assim, admirar, ao procurar conhecer a primeira nacionalidade de alguns dos galardoados com o Prémio Nobel, de encontrar nomes ilustres de muitos sábios americanos, mas oriundos, alguns deles, das mais prestigiosas Universidades da velha Europa.
Por tudo o que fica dito, e ainda mais pela notável revivência demonstrada no extenso sector das actividades industriais europeias no pós-guerra, estou com Louis Armand quando pergunta, aludindo à corrida russo-americana para a conquista da Lua, por que é que a Europa não se preocupará, entretanto, com a objectivação de um outro sonho, talvez menos dispendioso de realizar - o de verdadeira aproximação entre os habitantes da Terra?
E será, decerto, tarefa, além de menos custosa, muito mais efectiva na criação de bens capazes de, progressivamente, diminuírem aqueles fatídicos dois terços de subalimentados que constitui a maior nódoa dos tempos contemporâneos.
O exemplo da recuperação japonesa, em ambiente de excepcionais dificuldades políticas e económicas, isto também a partir do pós-guerra, não virá a favor do acerto desta atitude?
Chegou o momento, julgo, de pôr perante VV. Ex.ªs, Sr Presidente e Srs. Deputados, o teor da mensagem portuguesa. Ela ultrapassa, creio, a projecção humana de todas as outras tentativas que correm mundo para o reequilíbrio de uma situação instável sujeita hoje aos mais variados ventos e sob a forte pressão consequente dos