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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65 1330

Desinteresse apenas aparente, repito.
É que a Assembleia Nacional não está, nem poderá estar, desinteressada dos problemas do cinema e do teatro, mas, pelo contrário, interessada e a vários títulos.
2. Na verdade, os problemas que dominam a nossa atenção vão evoluindo e, geralmente, de acordo com as próprias alterações da vida económica e social.
Bastará, numa rápida panorâmica, atentar um pouco na série de lições, livros, artigos, referências que lhe são feitas para verificar como o papel dos meios de comunicação social na sociedade moderna é para muita gente um problema de interesse, para alguns outros uma fonte de preocupações.
Isso mesmo terá reflectido, apesar de tudo, o debate que até este momento se processou.
3. Muitos sentem uma preocupação, angustiante e angustiada, perante a ubiquidade e o possível poder das mass media.
Creio que a essência do seu raciocínio é o reconhecimento, mais ou menos intuído, do que o instrumental que os meios de comunicação social contêm é poderoso, que poderá ser utilizado para o bem, e para o mal e, finalmente, que na ausência de controles «adequados» a última hipótese é a mais provável.
Curiosamente, há um «calcanhar de Aquiles» em todas as fortalezas de resistência.
No fundo, no fundo, joga-se à defesa por temor mais ou menos reverencial do adversário.
E o mesmo provincialismo intelectual que pensa resolver todos os problemas gritando «ó da guarda!» que tem medo de tudo quanto lhe parece máquina, técnico ... ou tecnocrata. É a atitude, estranhamente infantil, de quem, sentindo os valores a que se agarra tènuamente mantidos e as posições sociais inseguras, pretende impedir que os perigos e as tentações dele se aproximem, porque se se aproximarem cairá.
4. Uma outra fonte de preocupações, talvez mais realista, é a das formas de controle social, nomeadamente de poderosos grupos de interesse e de pressão, através dos meios de comunicação social.
Todos sabemos e vamos tomando consciência de como para controlar opiniões e crenças se usam cada vez menos meios directos de coacção e cada vez mais meios de persuasão em massa.
Até que ponto a imprensa, a rádio, a televisão e o cinema nos colocam perante uma autêntica insatisfação que é fonte de progresso e de desenvolvimento ou tomam sobre si a tarefa de conformar o comum das gentes com o status quo social e económico?
Eis outra preocupação, esta, sim, com dimensão autêntica aqui e agora.
Se for possível, e julgado conveniente e útil, por exemplo, reduzir o período consagrado a antes da ordem do dia, com o benefício do rigor de maior síntese nas intervenções que o constituem, talvez ainda tenhamos oportunidade e tempo para, efectivando o aviso prévio que anunciámos, retomar a questão.
5. Outros se preocupam com os efeitos, supostos ou reais, dos mass media sobre a cultura popular e o gosto estético do público, que eles fariam cada vez mais decair.
Para esses o meio de difusão mais antigo era necessariamente mais nobre. São incapazes de descobrir a linguagem própria de cada meio de comunicação e continuam a pensar a televisão como um cinema em écran pequenino, o cinema como teatro gravado em celulóide, «importado em latas», como dizia Robert Florey, o teatro como romance lido alto por várias pessoas ...
6. O rápido enunciado destes pontos servirá tão-sòmente para abrir caminho, ainda que sumariamente fundamentado, a uma afirmação, aliás aqui já várias vezes formulada.
A proposta de lei sobre o cinema como a sobre o teatro apenas encara uma pequena parcela dos problemas postos e, talvez por isso mesmo, o debate tem decorrido com algum pessimismo, até quanto à possibilidade de resolver essa parcela.
O simples facto de se ter decidido encarar os problemas, os muitos aspectos positivos que as propostas nos apresentam, por si só nos parecem justificar algum optimismo e um mais franco aplauso.
Além do mais, mão é só quanto ao cinema, nem quanto ao teatro, que não basta legislar.
III - 7. Como se afirmou na Constituição Pastoral:
A Igreja no Mundo actual. É próprio da pessoa humana necessitar da cultura, isto é, de desenvolver os bens e valores da natureza, para chegar a uma autêntica e plena realização(1).
O homem do nosso tempo é, efectivamente, o protagonista, o autor e o promotor da cultura, e toda a cultura autêntica tem como fim o próprio homem, ou, se quisermos, a construção de um humanismo pleno em que o homem desenvolva a sua liberdade e responsabilidade perante si mesmo, os outros e a História(2).
Nas próprias palavras conciliares: «cresce cada vez mais o número de homens e mulheres, de qualquer grupo ou nação, que têm consciência de serem os artífices e autores da cultura da própria comunidade. Aumenta também cada dia mais no Mundo inteiro o sentido da autonomia e responsabilidade, o qual é da máxima importância para a maturidade espiritual e moral do género humano. O que aparece ainda mais claramente, se tivermos diante dos olhos a unificação do Mundo e o encargo que nos incumbe de construirmos, na verdade e na justiça, um mundo melhor(3).
Um dos deveres sociais do nosso tempo é, assim, o de «libertar muitos homens da miséria, da ignorância», trabalhando energicamente «para que se reconheça e actue em toda a parte [...] o direito de todos à cultura»(4).
8. E, pois, num contexto em que o Estado não pode deixar de assumir os seus deveres perante formas culturais que já não são nem adornos, nem excessos, nem luxos, que estas propostas de lei nos são presentes.
Infelizmente, por estranhas, ou pelo menos complexas, razões, o cinema não tem sido considerado como autêntico fenómeno cultural. A Universidade ignora-o sobranceiramente - mas essa e outras «ignorâncias oficiais» da nossa Universidade já não espantam - e o mesmo vão fazendo zonas mais ou menos representativas da cultura. O cinema é ainda, entre nós, a forma de o «intelectual» cansado se entreter no sábado a noite.
Talvez seja por causa da origem popular do cinema ...
Certo é que existe uma cultura cinematográfica, e o cinema deu-nos já um conjunto espantoso de obras de arte e uma contribuição à procura da verdade e da beleza que emocionou milhões de homens com uma eficácia e uma extensão maiores que qualquer outra arte.
Creio não ser impunemente que, por exemplo, é possível invocar entre os «realizadores» portugueses Afonso

1 Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n.o 53.
2 O comentário é, salvo erro e quase textualmente, o de Ruiz-Gimenez.
3 Constituição Pastoral Gaudium es Spes, n.º 55.
4 Vaticano II, Gaudium et Spes, n.º 60.