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1416 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Duas observações. A primeira é para lamentar que, não tendo podido durante a semana passado- participar nos trabalhos da Assembleia, por motivo de doença, não me tenha sido possível intervir, como pensava, na discussão na generalidade da proposta de lei em discussão.
Isto quer dizer que as minhas observações, neste momento, suo observações de quem conhece de alguma maneira o problema a que a proposta se reporta, por dentro, e o conhece por o ter estudado e por de alguma forma o ter vivido.
Efectivamente, fui durante alguns anos vogal do Conselho de Teatro e também seu vogal-secretário. E isso, a par de alguma curiosidade intelectual, dá-me possibilidades de intervir no debate, como franco-atirador, neste preciso momento.
O Sr. Deputado Pinto Balsemão defende que não competiria ao Estado - portanto, aprovando o texto sugerido pela Câmara Corporativa - intervir quando a ausência de público possa sugerir ou aconselhar, ou até impor, a cessação dos espectáculos. O Sr. Deputado Veiga de Macedo sustenta a opinião contrária.
Eu, primeiro numa posição doutrinária, queria referir o seguinte: um espectáculo de teatro é um espectáculo de ordem eminentemente colectiva. É no teatro que o aspecto colectivo da realização se apresenta. O espectáculo é um texto, que tem um autor; é uma companhia, são actores que representam esse texto.
Pode ser um texto maravilhoso, Sr. Presidente; pode ser uma companhia excepcional, Sr. Presidente. Mas sem público não é teatro. Sem público não é espectáculo. O público é elemento do espectáculo; é elemento do teatro com tal dignidade, com tal interesse, de tal modo participante como o texto e como os actores.
E nada mais arrasante, nada mais aviltante para os actores do que representarem para uma sala vazia.
Aliás, Sr. Presidente, tratando-se, efectivamente, de companhias subsidiadas pelo Fundo de Teatro, o subsídio tem a ajuda financeira do Fundo de Teatro, visa a transmissão da mensagem cultural que o espectáculo leva ao público. E não havendo público, tal finalidade perde-se, irremediavelmente.
Isto é um aspecto de elementar observação para quem se debruça sobre estes problemas. Além do mais, sujeitar, através de contratos, contratos de trabalho como todos os outros contratos, a dignidade de um actor, o passado de um actor, ou tudo o que representa o orgulho profissional de uma companhia, a representar para uma sala com dez, vinte ou trinta elementos, é sujeitá-los a vexame que os actores portugueses não merecem, a não ser que circunstâncias pessoais e excepcionais os conduzam a isso, mas tão-só pela chama da cultura.
Por observações que se deduzem e que, portanto, reflectem elementos de ordem cultural, não há teatro sem público. Por outro lado, tendo em consideração elementos de ordem humana, que são a qualidade, a altíssima, a sublime qualidade do trabalho de quem interpreta, de quem representa, de quem criou um texto para ser representado, entendo que está perfeitamente certa a intervenção do Estado, para não permitir que se degradem os espectáculos, que se possam sujeitar as companhias e os autores ao vexame de trabalhar sem público.
E claro que esta permissão da proposta de lei, temos que a entender, como se diz no lugar comum da linguagem jurídica, em termos hábeis. É uma permissão com que a Direcção-Geral fica, que ela executará prudentemente, que ela executará hàbilmente.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Queria fazer uma anotação que me parece essencial à discussão.
Nos termos da proposta, o que acontece é que o próprio parecer formulado pela Secretaria de Estado vai ser sujeito a um último veredicto, que é o do público. E a própria Secretaria de Estado quem o propõe. A Secretaria e o Conselho de Teatro entenderam que determinado espectáculo mereceria ser subsidiado; mas depois vai-se sujeitar esse seu parecer a opinião favorável ou desfavorável de um público que, infelizmente - e nós o sabemos -, neste momento não está preparado para receber toda a espécie de espectáculos, especialmente aqueles espectáculos de nível mais elevado. Quero dizer que poderemos estar a abrir uma porta para que alinhemos num sistema de transigência, com algum mau gosto, pura e simplesmente porque esse mau gosto se reflecte em termos de bilheteira. Parece-me que este também é, com certeza, um elemento a ponderar.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Uso novamente da palavra para esclarecer, se acaso é preciso fazê-lo, que este n.º 2, na faculdade que confere a Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, não é tão amplo como parece.
A Comissão, posso dizê-lo, começou por interpretar este preceito de uma maneira por demais extensiva. Pareceu-lhe, na verdade, que aquela faculdade envolvia a possibilidade de a Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos suspender a actividade teatral da entidade assistida financeiramente. Mas, interpretando depois melhor essa disposição, a Comissão verificou que o seu alcance normativo é bem mais limitado. Na verdade, o que se pretende no fazer cessar um determinado espectáculo é pôr termo a uma situação inaceitável e estimular a entidade beneficiária do auxílio estatal a pôr em cena, em condições mais propícias, novas peças.
Quanto a observação, muito hábil - hábil no bom sentido, claro está -, do Sr. Deputado Magalhães Mota, ao meu espírito liberal nada impressiona ver um departamento do Estado rectificar posições. Ainda agora um nosso Ministro submeteu a apreciação generalizada - ia a dizer indiscriminada - importantes reformas.
Vai sujeitar-se, é natural, a que nem todos concordem. Mas do facto não vejo que advenham quaisquer inconvenientes. E, de resto, frequente ver o Governo ou os serviços públicos a rectificarem posições. Mau seria que o não fizessem sempre que há motivos para essa rectificação.
É certo que, no domínio do teatro e do cinema, a concessão de subsídios envolve um risco especial. Bem sei que há uma maneira de o evitar: seria exigir tais garantias às entidades que solicitam a assistência financeira que só muito poucas se abalançariam a aceitar as condições impostas.
Não há dúvida de que também nestes casos o Estado tem de ser compreensivo, pois, se leva as exigências longe de mais, não abrirá qualquer possibilidade a que novos valores surjam e se firmem. Mas daí a proteger iniciativas sem interesse ou a sustentar mediocridades vai uma distância muito grande.
Nem deve esquecer-se que os dinheiros públicos não são elásticos. E pode ainda dar-se o caso de haver teatros subsidiados sem público, enquanto candidatos idóneos à assistência financeira não podem ser auxiliados por falta de verba dos fundos respectivos. E isto não me parece justo, nem aconselhável.
Aliás, tenho informações de que a experiência torna o preceito em debate de todo imprescindível. Terei sido mal informado? Antes assim fosse!