O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

21 DE JANEIRO DE 1971 1417

O Sr. Alberto Meireles: - Não desejava envolver-me nesta discussão, mas parece-me que há no texto motivos que me causam uma certa perplexidade. No fim diz-se, no n.º 2, que pode a assistência financeira cessar quando os espectáculos não tenham a média semanal de frequência fixaria em regulamento. É aqui a minha perplexidade.
Primeiro, este n.º 2 afigura-se-me ter carácter regulamentar, sendo mais que duvidoso para mim que devesse ser incluído nu base. Tem carácter regulamentar, ata porque estabelece uma das cláusulas do contrato de assistência financeira. Portanto, é relegá-lo para o regulamento. É mataria de cláusulas a estabelecer pela Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos ou pelo Fundo do Teatro, ao contratar com determinada entidade peticionária a assistência financeira. Portanto, é uma das muitas cláusulas que terão de ser incluídas no contrato. Porque é que ela há-de figurar nas bases de uma lei programática?
Segundo, se bem compreendo e se diz no n.º l, compete a Direcção-Geral fiscalizar a actuação das entidades assistidas, a fim de garantir um rigoroso cumprimento das cláusulas das obrigações assumidas. Mas é evidente que nenhum beneficiário do Fundo pode assumir obrigação de ter determinado número ou quantidade de público a assistir aos espectáculos, porque isso não depende dele. Evidentemente, ele desejaria a plateia cheia, mas como é que se pode obrigar o público a ir lá? É esse o drama, á a contingência do negócio teatral, a contingência do espectáculo. Pode não ir ninguém, porque não gosta, porque a publicidade foi má, porque o texto é péssimo, porque os actores não correspondem, porque choveu - eu não digo porque nevou, porque isso é lá para as terras de cima -, e está portanto o teatro bloqueado e não cumpriu, rigorosamente, a obrigação assumida quanto a média semanal de frequência. Pois é evidente. Como é que pode uma empresa obrigar-se a uma média semanal de frequência a um espectáculo se não pode forçar os indivíduos a lá ir? Parece-me, não só pelas razoes que a Câmara Corporativa apresentou no seu parecer, como por aquilo que aqui foi dito, que o n.º 2 contém matéria regulamentar. Isto sem desrespeito pela judiciosa observação e esclarecimento do Sr. Presidente da Comissão de Educação e sem menos apreço e respeito pela posição esclarecida que tomou.

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: Recordo-me perfeitamente, quando esta base foi discutida na Comissão, de ter apresentado as minhas objecções, algumas das quais aqui referidas por alguns Srs. Deputados. Acedi, contudo, na posição que a Comissão adoptou de apoiar o n.º 2 desta base, com a ideia de se evitar a possibilidade de se manterem espectáculos sem qualidade, apenas porque o Fundo de Teatro garantia a sua rentabilidade. Não sei mesmo se, eventualmente, isto, num caso ou noutro, terá já acontecido. Pode, porém, vir a acontecer. E, na realidade, neste n.º 2, fala-se numa faculdade.
Há, evidentemente, diversos inconvenientes aqui apontados, e creio que ainda há outro que está, aliás, implícito nas considerações a que também dou todo o meu apoio, Sr. Deputado Alberto de Meireles, e que é esta: esta lei pretende fomentar o teatro de qualidade. Reconhece-se que não há público para o teatro de qualidade. Ora. quando um empresário se dispõe a montar um espectáculo de qualidade, requer, para isso, a assistência do Fundo de Teatro; mas, sabendo que tem sobre a cabeça esta espada, quê é a da possível não adesão do público que leva a cessação dessa assistência, é natural se retraia, qua hesite em apresentar um espectáculo de qualidade e que, no fundo, esta condição vá fomentar o teatro de qualidade menos aceitável, que não justifica esta lei.
Cai-se assim aparentemente numa certa posição de impasse que, a meu ver, se poderia talvez ultrapassar da seguinte forma: eliminar deste n.º 2 a referência a uma média semanal. Eu creio, realmente, que é abusivo e é absolutamente impossível, e não sei que critérios é que podem ser utilizados como referência à adopção de uma média semanal válida. Por outro lado, parece-me de manter, apesar de tudo, a faculdade dessa suspensão, confiando que efectivamente - porque, se o não fizermos, toda esta lei cai por base - as pessoas que constituem o Fundo de Teatro vão realmente sempre actuar no sentido de que o bom teatro seja fomentado, seja posto à disposição do público e insistentemente, mesmo que inicialmente ele a isso não corresponda.

O Sr. Júlio Evangelista: - Duas palavras mais, Sr. Presidente. Acentuou o Sr. Deputado Pinto Machado uma premissa que não me parece perfeitamente exacta, qual seja a de que há falta de público para o teatro de qualidade. Nada nos autoriza a fazer tal afirmação.
Primeiro: também nada nos autoriza a dizer que o teatro de qualidade seja o mais caro na montagem, nas despesas de cenografia e nas despesas da companhia.
Eu devo dizer que estou até convencido de que o grande teatro do nosso tempo é teatro bem mais barato, sob o ponto de vista de realização, do que o teatro de outros tempos, em que à falta de textos de categoria se recorria ao fausto das montagens. É que o teatro é também equilíbrio, Sr. Deputado Pinto Machado, o teatro é equilíbrio entre texto, representação e público. Nos tempos em que os textos falham, nos tempos em que, por motivos desta ou daquela ordem, a categoria dos textos desce e decai, o teatro recorre a outros instrumentos do seu arsenal de criação. O teatro é verdadeiramente mágico, nesse sentido, e, por isso, no século XVIII nós vemos o teatro alçar-se às grandes encenações e cenografias, inclusive entrar para o seio do teatro tudo aquilo que era representação, não apenas oral, mas representação cantada e recreio dos olhos. Isto é, o teatro recorre, como tudo na vida e na natureza, a processos de compreensão cultural qua lhe permitam a sobrevivência. Quando falha o texto, o teatro recorre aos extremos das grandes construções visuais e orais. O teatro do nosso tempo é um teatro suficientemente rico, Sr. Presidente e Srs. Deputados, rico de texto, rico de sentido humano, para dispensar em certa medida preciosismos de cenografia, das caríssimas companhias, de tudo aquilo que distrai os olhos ou os sentidos, quando o fundo não consegue convencer o espectador.
Não falta público para o grande teatro. Há público para o grande teatro. O que não podemos é deixar uma porta aberta para alimentar as mediocridades. Isto é o que nós temos de travar, porque, à sombra de uma disposição que se pretende que seja uma porta aberta para a defesa da qualidade, podemos estar a abrir uma porta para a defesa da mediocridade. A mediocridade, tout court, tem sempre as casas cheias, mas essa não está ao abrigo da lei de protecção.
Ora bem, Sr. Presidente, queria dizer mais o seguinte: repetir que o teatro sem público não é teatro. As companhias podem ir para a televisão e representar, mas isso deixa de ser teatro. Já em tempos se pôs o problema de que a televisão seria um processo de compensar a grande crise do teatro. Isto pôs-se em 1957, salvo erro, quando a televisão entrou no nosso país. Dizia-se: o teatro está em crise, a televisão vai dar-lhe nova força, a televisão vai trazer ao teatro todos os potencialidades, toda