2494 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 124
qualquer religião.» E logo me predispus também a subscrevê-la inteiramente só, desacompanhado de outros colegas, dado que regimentalmente o podia fazer e não me sentia inclinado a aliciar adesões nem sempre fáceis de Conseguir, muito embora tivesse conhecimento de um generalizado entendimento consentâneo com o meu.
Aconteceu, porém, que, não sem justificada satisfação, quando me preparava para executar os meus desígnios, fui abordado - sponte sua - por dois ilustres colegas, que, havendo acompanhado as minhas aduzidas considerações «na generalidade» me manifestaram a sua vontade de me acompanharem, gentileza com que verdadeiramente me honraram. Simplesmente, a atitude desde logo me constituiu na obrigação de dar conhecimento do facto a outros ilustres parlamentares cujas opiniões sabia não serem igualmente concordes com a redacção que me havia merecido reparo.
Daí, o haver resultado subscrita por «muitíssimos» mais do que seria necessário a .proposta cuja viabilidade a minha única assinatura garantiria, melhor e mais expressivamente significativa na companhia que me proporcionaram nove dos meus ilustres colegas com prejuízo dos restantes signatários, que em muito ultrapassavam o número máximo de dez admitido pelo Regimento. Tudo o que, considerado o multifarismo das convicções políticas do conjunto proponente, representa, sem dúvida, una notável e louvável espírito de independência, a predominar sobre o demais uma sadia e dignificante manifestação de «querer» em matéria de sentimentos que em muito transcende o acessório das predilecções políticas de cada um.
E assim, para além do mais, todos podemos dar um alto exemplo de isenção e civismo, de que se poderão tirar ilações de relevante significado político, que não deixarão de sensibilizar o conjunto nacional na demonstrada possibilidade de as existentes correntes de pensamento diferente poderem, sem peias, «cerrar fileiras» para se manifestarem em contrário a uma proposta emanada do Governo, que por tal modo sai prestigiado em conjunto com esta Assembleia, inequívoca e salutarmente livre e independente.
Pois, Sr. Presidente, por esta forma se pôde verificar que não é de poucos, mas de muitos, a oposição ao conteúdo do n.º 1 da base II em discussão.
De muitos e de diferente formação política, que assim se mostram apegados ao que é património comum, os sentimentos de religiosidade de uma nação, através desta Assembleia - «não desinteressada», como já ouvi com desprazer -, tão «generosamente» inclinada a reconhecer um direito de livre exercitamento de cultos, e tão conscientemente que não duvido de que não seja sensível à redacção constante da proposta de alteração apresentada contra o que se entendeu ser uma manifestação expressa de a religiosidade por parte do Estado, que só se manterá verdadeiramente alheio na matéria se, e isso basta, simplesmente afirmar a adopção do regime de separação nas suas relações com as diversas confissões religiosas, tal como se preconiza.
De outro modo, católicos ou não, todos se poderão sentir ofendidos com a agressividade de uma formulação de princípio desnecessária - muitos, como eu, atingidos se sentiram -, já que ninguém pode deixar de conceber, no que concerne ao Estado, implicitamente resultante o entendimento de que não professa qualquer religião, atributo de consciência própria apenas dos indivíduos isoladamente considerados, predisposição interior, estado de alma que nunca será de pressupor no Estado, conjunto de órgãos que só no plano político a todos nos representa.
Isto pondo de parte, como já o referi na «discussão sobre a generalidade», a manifesta incongruência resultante da falta de correspondência com o contexto geral da proposta, donde pode até derivar a argumentação de que o «Estado não professa», mas «obriga a professar» - aliás na exacta observância de um ordenamento de inspiração constitucional.
Sem necessidade de ocupar mais tempo à Câmara faço votos por que tenham resultado incontroversas as razões que nos conduziram a reprovar o n.º 1 da base II em discussão, com o fim de obstar-se a que o Estado, como tal, tome posição de sinal negativo em matéria sobre que só se mostrará verdadeiramente independente se a não tomar.
Sr. Presidente: Estamos de tal modo cansados e dominados pelo calor que a todos nos tem apoquentado - V. Ex.ª, talvez, mais do que todos noa - que, olhando mais distantemente estou, muito justificadamente, a recear a discussão que se seguirá da proposto de lei sobre a liberdade de imprensa. Isto, dominado pela dúvida de que, por maior que seja o nosso afã, não conseguiremos tratar aprofundadamente, como devemos, tão importante problema. O que é simultaneamente grave no que, porventura, nos pode desprestigiar e ao Governo, de que aquela emanou. Pelo menos, àqueles que não «tiraram» umas férias para melhor se apetrecharem e defenderem.
Tenho dito.
O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente: Com outros Sr s. Deputados, à frente dos quais se encontra o Dr. Cunha Araújo, subscrevi uma proposta de alteração para esta base II.
Consagram-se nela princípios que, em matéria religiosa, já dominam a posição do Estado Português: o princípio da aconfessionalidade ou neutralidade religiosa e o princípio da separação, designado preferentemente pelo Concílio por princípio de colaboração.
O princípio de que o Estado não deve ser confessional - mesmo num país quase totalmente católico -, pois, sendo-o, diz-se «ultrapassaria a esfera da sua competência, que é procurar o bem temporal dos cidadãos», tem vindo a ganhar cada vez mais terreno entre os novos-ricos do pensamento, que o advogam, chegando a ter adeptos entre alguns participantes no Concílio Vaticano U.
Porém, a fórmula usada na proposta de lei de se dizer que «o Estado não professa qualquer religião» parece-nos menos feliz, por equívoca, dando azo a que com ela possa entender-se que o Estado se desinteressa de todo o facto religioso, excluindo toda a ideia de Deus como coisa julgada dispensável.
Ora tal não acontece, nem deve acontecer. Na declaração do episcopado da metrópole, de 13 de Novembro de 1970, afirmou-se que «o Estado, por si mesmo, é laico, mas não pode ser laicista. Não pode assumir, em matéria religiosa, uma atitude de simples indiferença», citando a observação judiciosa do cardeal Daniélou de que «[...] A plena liberdade religiosa deve, portanto, ser reconhecida pelos Estados de maneira positiva.
Trata-se de uma exigência de direito natural. Quer o ateísmo do Estado, que impede a vida religiosa, quer o laicismo, que a ignora, são contrários ao direito natural».
Neutralidade religiosa não é, pois, o mesmo que indiferença pelo facto religioso, e o Estado, como ainda não há muito tempo disse o venerando cardeal Cerejeira, «não pode desinteressar-se do bem comum, e a vida moral e espiritual são componentes essenciais dele».