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2496 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 124

Diz a Câmara que «o princípio da igualdade de tratamento jurídico das diferentes confissões não é necessário à regra fundamental da liberdade religiosa».
Por outro lado, a afirmação de que «as confissões religiosas têm direito a igual tratamento» pode acarretar ao Estado situações de conflito que o Governo, com certeza, gostaria de evitar. Tem sido citado como exemplo que os Muçulmanos, com fundamento na letra deste n.º 2, «poderiam exigir o reconhecimento, na ordem jurídica portuguesa, do casamento poligâmico, admitido pelo islamismo», o que é inconstitucional.
Com o mesmo argumento poderia a mesma ou outras religiões exigir que o ensino ministrado pelo Estado fosse orientado pelos princípios das respectivas doutrinais, em situação paralela às do ensino inspirado pela doutrina e moral cristãs.
Não nego que assim pudesse ser nos territórios onde o número de fiéis de confissões diferentes da religião católica fosse suficientemente expressivo. Do que duvido é da constitucionalidade de uma tal medida, se algum dia viesse a ser requerida e aceite.
Será que, no espírito do legislador, o conceito de representatividade a que faz apelo é garantia suficiente para obviar a semelhantes desvios?
Subjacente ao conceito estaria a ideia da qualificação especialmente consignada no texto constitucional quanto à religião católica, apostólica, romana.
Partindo deste princípio, não nos custa admitir que a diversa representatividade, apontando o sentido do texto constitucional, possa ser a única ressalva prevista pelo Estado ao afirmar a igualdade de tratamento que atribui às confissões religiosas.
De qualquer modo, a redacção que foi dada ao n.º 2 desta base é susceptível de controvérsias, que se dispensariam com a sua eliminação pura e simples, e sem prejuízo, creio eu, da matéria expressa no número anterior.
Se a Assembleia optar pela manutenção, votarei de preferência o articulado sugerido pelo Sr. Deputado Sá Carneiro e outros, pois parece-me corresponder mais exactamente ao espírito do legislador, tal como o interpreto.

O Sr. Sá Carneiro: - Relativamente ao n.º 1 da base II, Sr. Presidente, entendo que a afirmação de que o Estado não professa qualquer religião se deve manter.
É possível, e será essa a principal objecção, que ela já derive da segunda parte deste n.º 1, ou seja, do regime de separação quanto a todas as religiões.
Simplesmente, parece-me oportuno salientar o traço mais evidente desse regime de separação, que é o da aconfessionalidade do Estado. Não se trata de defender a arreligiosidade do mesmo. Já na base I, votada na passada sessão, ficou claro que a posição do Estado face ao fenómeno religioso não é nem de antagonismo, nem de ignorância, mas de reconhecimento jurídico.
Simplesmente, a redacção que consta da proposta de Lei é que me não parece muito feliz, pois a profissão de uma religião é um fenómeno necessariamente humano, diz respeito única e exclusivamente à pessoa humana, já que a religião, no seu conceito lato, que é aquele que domina esta proposta e a disciplina jurídica da liberdade religiosa, é a relação do homem com a causa da sua própria natureza, da sua existência e do seu espírito. Qualquer relação deste tipo é necessàriamente de carácter religioso, leva à reflexão sobre a própria origem do homem, e à sua actuação em função dessa reflexão.
Como pessoa colectiva que é de direito público, o Estado não pode evidentemente professar uma religião, pode, sim, adoptá-la ou não; e nesse sentido a proposta que subscrevi com o Sr. Deputado Mota Amaral viria dizer que o Estado não adopta qualquer religião como própria.
Relativamente ao n.º 2 da base II, em que há também uma proposta de alteração de que sou signatário, visa ela a deixar claro que a diferença de representatividade jamais pode reflectir-se na disciplina jurídica da liberdade religiosa; e assim propomos que se diga que em matéria de reconhecimento e de garantia da liberdade religiosa, bem como pelo que respeita à protecção jurídica contemplada na base anterior, todas as pessoas e confissões têm direito a igual tratamento. Não deve, a meu ver, ter aqui qualquer influência a diferente representatividade, ela poderá, sim, ser atendível para outros efeitos: para efeitos sociais, para efeitos de toda e qualquer outra ordem, será atendível a diferença de representatividade, mas nunca para efeitos da igualdade de tratamentos; é esse o sentido da emenda ao n.º 2 da base II.
Tenho dito.

O Sr. Cunha Araújo: - Evidentemente que a comissão eventual para o estudo da proposta sobre liberdade religiosa se debruçou, no trabalho havido, sobre todas as possibilidades de minimizar esta fórmula contra que a minha proposta se rebela.
Já tinham sido sugeridas, justamente entre elas, com o espírito de fazer uma modificação que não fosse de nenhum modo agressiva para qualquer religião, já se tinha sugerido, dizia, a possibilidade de se adoptar a fórmula que consta da proposta de emenda do Sr. Deputado Sá Carneiro: «O Estado não adopta qualquer religião. E não só esta, mas aquela outra que chegou ainda a fazer um princípio de carreira, em que se dizia que «o Estado não consagra qualquer religião como própria», o que foi desde logo repudiado por mim e outros colegas na comissão eventual.
Nestas circunstâncias, pondo de parte as expressões que devem ou não devem ser usadas, parece-me a mim que o problema que se põe é o de saber se há ou não há necessidade de o Estado fazer uma declaração, no sentido em que o faz na proposta da comissão eventual, isto é, «o Estado não professa qualquer religião».
Quanto a mim, e agora aos demais subscritores da proposta de alteração de que tive a iniciativa, entendo e insisto que o Estado não precisa de fazer quaisquer declarações nesse sentido, pois lhe bastará declarar o regime de separação com as diferentes confissões religiosas. Portanto, quaisquer outras fórmulas que possam ser sugeridas, é fugir decididamente à dificuldade e ao problema que se põe. O que nós pretendemos, e o que pretende a maioria da consciência nacional, é que não fique expressamente declarado, numa lei sobre a liberdade religiosa, que o Estado não professa qualquer religião.
Tenho dito.

O Sr. Almeida Cotta: - Sr. Presidente: Eu realmente estou de acordo com o Sr. Deputado que acabou de usar da palavra, quando diz que o principal e o indispensável é que fique claramente estabelecida a necessidade ou não necessidade de se fazer preceder o regime de separação, que é princípio fundamental estabelecido para as relações entre p Estado e as diversas confissões religiosas; se será ou não conveniente fazê-lo preceder da declaração, de que não professa qualquer religião, porque o Estado não professa qualquer religião.
É um facto, ninguém o contesta, o Sr. Dr. Cunha Araújo a mesma coisa, ninguém contesta que o Estado, realmente, como pessoa colectiva, não professa qualquer religião. Disse-o aqui o Sr. Dr. Sá Carneiro, disse-o numa intervenção que fez na generalidade, e não sei até se agora