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10 DE MARÇO DE 1986 1393

dados, minhas senhoras e meus senhores, Srs. Deputados: Foi com enorme receio e profunda emoção que me submeti ao impulso de escrever o que agora vos transmito.
Receio, porque, surpreendendo a grandeza deste momento, temia não poder subir ao topo das vossas exigências legítimas, das vossas expectativas, dos vossos desejos.
É que falar em nome do Parlamento é sentir a pesada responsabilidade de um querer colectivo, é assumir o pensamento de um povo, é realizar a convergência de todos quantos, pela sua confiança, depositaram no Presidente da Assembleia da República o mandato de uma representação geral.
Porém, a consciência da generosidade, do respeito e da cordialidade que me haveis dispensado durante o meu mandato foi esbatendo aquele receio para dar lugar à inefável sensação de que, estando entre os meus pares, tanto bastaria para que aquele se esfumasse.
Emoção profunda, dizia eu, Srs. Deputados, por estar participando num dos actos mais altos da minha curta experiência política. Da minha experiência política e da longa e admirável caminhada da nossa história parlamentar.
Estamos aqui reunidos, Srs. Deputados, para testemunhar um compromisso e consagrar uma investidura.
Neste hemiciclo, onde a vontade do povo se faz lei, quiseram os constituintes servir a Assembleia da República com uma prerrogativa que significasse o mais subido sentido de solidariedade institucional que deve estar presente aos órgãos da soberania.
Nessa elaborada visão do entrosamento dos seus órgãos souberam conjugar, de forma feliz, a independência de cada um com o esforço convergente e necessário à unidade de Estado.
Por causa dela convocámos o Plenário.
Esta é a sua ordem do dia: simples, directa, precisa.
O Presidente eleito toma posse perante a Assembleia da República.
O acto é transcendente na sua simplicidade, grandioso pela força directa do seu conteúdo, precioso pela concisão do seu objecto.
Se um acto de posse é sempre uma tomada de compromissos, para quem a recebe e para quem a dá, ele tem um inexcedível significado se se trata da posse do Supremo Magistrado da Nação.
Ele é um acto cimeiro a culminar todo um processo eleitoral que constituiu uma admirável jornada de afirmação política, a garantir a democraticidade de um povo adulto, que legitimamente se pode rever na exemplar vivência das opções feitas, na seriedade e consciência com que afirmou a sua participação responsável e livre.
O diálogo aberto, a discussão acalorada ou a polémica por vezes acidulada fizeram larga sementeira de ideias, de propósitos, de projectos e até de sonhos.
Foi uma jornada de fé e de esperança, sem vencedores nem vencidos, porque todos se mostraram dignos de um debate concorrencial onde os primores do pensamento atingiram a transparência e a grandeza das aspirações do povo que somos.
O testemunho dado é uma vitória da liberdade, uma vitória de Portugal, uma vitória da República, uma consagração da democracia.
Por isso, é com sentida alegria, com profunda emoção, com os mais elevados sentimentos, que fazemos deste momento um dos mais altos e gratificantes da actividade parlamentar.
Na grandeza da nossa missão de deputados, penso que nenhum outro acto terá maior dignidade e nobreza do que o de testemunhar e receber o juramento que acabámos de ouvir.
Feito perante os eleitos do povo, feito perante nós, deputados de Portugal, é sentir a subida honra de participarmos, com a nossa presença, na construção do presente de olhos postos no futuro.
Estamos fazendo história, depositária da nossa originalidade e garantia incontestável da nossa identidade, partilhando do solene significado deste acto, para reforçar o ânimo e o entusiasmo para um trabalho cada vez mais fecundo e necessário.
É que a força trepidante das exigências do nosso tempo só cede perante quem generosa e confiadamente a ela se entrega com entusiasmo e com fé.
Somos, Srs. Deputados, a expressão viva de um órgão de soberania, sede do diálogo, da compreensão, da firmeza, do ajuste confiado de soluções pelo exercício democrático das faculdades e poderes que do povo recebemos.
A liberdade, expressa no direito à diferença, no direito à contestação e à crítica, no direito de opor e propor, tem aqui a sua sede por excelência.
A democracia, no ritual dos seus processos; na responsabilidade das suas afirmações, na riqueza dos seus intentos, tem aqui o fulcro dos seus propósitos. Aqui se luta, com galhardia, com entrega, com convicção, com seriedade e responsavelmente, por um futuro mais justo, mais fraterno, mais humano.
É por aquilo que somos, por aquilo que devemos fazer, por aquilo que representamos que a arquitectura constitucional concedeu à Assembleia da República o privilégio da participação que estamos vivendo.
Como representantes do Pais temos tarefas ingentes a realizar num trabalho que se não compadece com demoras ou adiamentos.
Trabalho que tem sido uma exigência que se procura com entusiasmo e entrega e não um fardo que se suporta.
Só nesse estado de espírito poderemos corresponder ao que de nós se espera.
Neste momento histórico a muitos títulos, a Nação Portuguesa tem os olhos postos nas instituições que realizam a força telúrica dos seus desejos 'de construir um país mais justo, mais progressivo, que conquiste e acompanhe o ritmo da Europa.
Não se nos perdoaria que não correspondessemos de pronto e a cada momento ao império dessa vontade colectiva que o povo vem manifestando e que nós sentimos como um apelo instante, profundo, permanente, inalienável.
Sejamos, pois, dignos deste povo, pelas responsabilidades que assumimos, para que, pelo trabalho, nos coloquemos nos espaços da recuperação necessária e urgente, preferindo o dever à conveniência, a justiça à popularidade, o direito ao favor.
Parafraseando um grande pensador da humanidade, sinto-me autorizado a dizer que somos um povo que «obedece mas não serve; respeita os chefes mas não aceita senhores; obedece às leis, mas só obedece às leis e é pela força das leis que não obedece aos homens».
E porque é um povo que tem arreigada e fortalecida esta consciência ele não poupará a sua censura, a sua condenação, a quem não dê testemunho desse trabalho na reconstrução esperada.