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2662 I SÉRIE - NÚMERO 68

Foi Agus Salim, personalidade da maior influência na independência da Indonésia e responsável pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros nos primeiros tempos da independência, que escreveu:
Todos os holandeses dizem que gostariam de fazer progredir o nosso povo, mas cada holandês

- por mais progressista que seja - quer que o nosso povo progrida segundo as suas normas. O nosso progresso deve fazer-se por pequenos passos - dizem eles -, daí o nosso progresso ser regulado por eles.
Nisto reside a desgraça do nosso povo. O nosso progresso é uma questão que só a nós diz respeito.

É o que de essencial está contido nestas palavras, que foram ditas não por outros, mas pelos próprios dirigentes indonésios, que, naturalmente, as viveram e por elas lutaram, que nós queremos que seja respeitado.
Queremos igualmente que respeitem os princípios que regulam as organizações internacionais, designadamente a Cana das Nações Unidas, que subscreveram, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que deve servir de guia a todos os povos e nações.
Isto temo-lo dito e redito. Repetimo-lo agora por uma razão adicional.
O Governo da Indonésia, na continuação da recusa dos direitos fundamentais aos Timorenses, leva a efeito no próximo dia 23 uma eleição no território, que nas condições presentes não passa de uma mascarada, que é para nós e para a consciência mundial totalmente inaceitável.
É ainda, para mais, lamentável, por desvirtuar e adulterar a verdade de um processo de consulta popular que deve ser feito com a maior seriedade por todos quantos respeitam a vontade e soberania do povo.
Por isso vimos propor à Assembleia e aos Srs. Deputados que acompanhem a Comissão Eventual para Apreciação da Situação em Timor-Leste na veemente denúncia da atitude e comportamento da Indonésia.
E que digamos, em conjunto, que não reconhecemos o próximo acto eleitoral como uma manifestação livre da vontade timorense, que para nós aquelas eleições não são consideradas como uma manifestação de autodeterminação.
Neste sentido, em nome da Comissão Eventual para Apreciação da Situação em Timor-Leste, venho propor a aprovação do seguinte voto:

A Assembleia da República reafirma o inalienável direito à autodeterminação do povo de Timor-Leste e declara a ilegalidade e ilegitimidade do acto eleitoral que a Indonésia pretende realizar no próximo dia 23 no território timorense, de que Portugal é potência administrante.
Recusa a integração do território de Timor-Leste na Indonésia, à revelia da vontade dos Timorenses e em flagrante violação dos princípios do direito internacional.
Dispõe-se a prestar o seu activo concurso a todas as iniciativas que venham a ser tomadas no sentido de uma solução que contemple as legítimas aspirações do povo de Timor-Leste.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto que o Sr. Deputado Vítor Crespo acabou de lei.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Aplausos gerais.

Para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Vitorino Costa.

O Sr. Vitorino Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: onze anos e meio após a invasão de Timor-Leste pelas forças militares indonésias, contrariando os vaticínios das mais altas patentes do exército indonésio e de muitos políticos internacionais, o povo timorense continua a resistir heroicamente às pretensões do neo-colonialismo javanês.
À revelia de todo o direito internacional, renegando os mais elementares princípios do movimento dos não alinhados, a Indonésia pretende cercear um dos mais lídimos direitos dos povos, o direito à autodeterminação.
Começando por aniquilar cerca de metade de toda uma população, desrespeitando as mais elementares regras de convivência entre os povos e a Declaração dos Direitos do Homem, a Indonésia tem exercido, neste lapso de tempo, uma das maiores repressões de que há memória nos nossos dias. A violação dos direitos do homem continua a ser uma prática diária por parte dos indonésios, como inequivocamente o atesta o ainda bem vivo e patético caso dos quatro estudantes. O relatório da Amnistia Internacional trouxe-nos o conhecimento do «desaparecimento» e mortes arbitrárias de não combatentes, de torturas e maus tratos de pessoas presas sob a custódia das forças ocupantes, incluindo a sua detenção em condições cruéis e desumanas, a prisão sem acusação formal ou o julgamento de pessoas, cujo crime único era a sua oposição ao jugo do invasor. Ao dizimar metade de uma população, ao utilizar o «escudos humanos», ao afastar as populações das terras dos seus antepassados, concentrando-as em campos e aldeamentos de «recuperação», ao procurar destruir os seus valores e costumes, mesmo os mais sagrados, ao impor uma nova maneira de ser e uma nova língua que a população de Timor não deseja falar, mais que um genocídio físico, os indonésios estão perpetrando, em pleno século XX, um autêntico genocídio cultural. Genocídio este que, para utilizar a expressão do episcopado português, é «mais grave do que e primeiro, pois que afecta tanto os que morrem com 3 os que sobrevivem, e não só as gerações presentes como as futuras».
Apesar de tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o povo de Timor continua ainda hoje a resistir, cada vez mais, à ocupação indonésia, sem o apoio de qualquer potência estrangeira, alicerçado apenas na vontade indómita de um povo que, buscando forças na sua identidade cultural, exige da comunidade internacional o cumprimento dos princípios consignados na carta das Nações Unidas, exige lhe seja respeitado esse direito fundamental dos povos, que é o direito à autodeterminação, o direito à liberdade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: no próximo dia 23 do presente mês de Abril a Indonésia vai realizar eleições gerais no seu território, estendendo-as, num acto ilegítimo, a Timor-Leste, território de que, convém jamais esquecer, Portugal continua a ser a potência administrante.