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3804 I SÉRIE - NÚMERO 78

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito embora aquilo que vá referir não seja novidade, pois já tivemos oportunidade de expender considerações similares na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, parece-nos importante explanar aqui, perante a Câmara, de uma maneira clara, qual é a nossa filosofia ao abordar esta matéria.
Fazemo-lo, porque é em virtude desses princípios que adoptámos que depois redigimos a nossa proposta e, naturalmente, à medida que as discussões foram evoluindo, acabámos por subscrever a proposta conjunta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Percebemos e nunca enjeitámos as nossas responsabilidades na elaboração da Constituição de 1976 e pensamos que ela é explicável, em primeiro lugar, por razões de ordem cultural.
Nos anos 60, acreditava-se muito - e as elites portuguesas seguiram essas correntes europeias - que ao Estado cabiam e era capaz de realizar funções, muito para além daquelas que as velhas teorias do liberalismo do século XIX lhes tinham atribuído. Acreditava-se que as empresas públicas, as nacionalizações, o condicionamento da economia, eram elementos indispensáveis em termos da modernização das estruturas sociais, económicas e políticas e, porventura, uma condição indispensável da democratização. Pensava-se, assim, nos sectores que lutavam contra a ditadura.
É esse ambiente cultural de carácter genérico, geral, em que o 25 de Abril mergulhou, que explica como foi relativamente fácil que forças políticas com uma orientação bem mais precisa e com um propósito político de transmutação num certo tipo de sociedade tivessem tido tão pouca contradita nesse momento.
Recordo que ontem, numa notável conferência que o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa pronunciou a propósito do bicentenário do Ministério das Finanças, este fenómeno da ambiência cultural dos anos 60, que envolveu também o 25 de Abril e já realizado na época de 70, foi um aspecto devidamente salientado.
É verdade que, quando o Movimento das Forças Armadas fez o seu programa, teve a hombridade de dizer: «Nós reconquistámos a liberdade para o povo. Vamos entregar ao povo o exercício do poder político e entendemos que não devemos realizar nenhumas opções fundamentais, essas vão ficar reservadas para a Assembleia Constituinte e para os poderes que, a seguir, naturalmente, advirão de uma Constituição democraticamente elaborada.»
Cedo, porém, as realidades conturbadas do período entre 1974 e 1976 vieram demonstrar que esses bons propósitos não se concretizaram nos termos que tinham sido pensados. É verdade que foram feitas opções, algumas delas porventura inadiáveis, mas outras poderiam bem, se não fosse a ânsia de certas forças políticas, terem sido guardadas para o momento em que a Assembleia Constituinte as discutisse.
Uma dessas opções foi justamente a ideia de colectivizar, de realizar nacionalizações, de realizar a Reforma Agrária como uma condição imprescindível, como uma alavanca, apoiada, de resto, em movimentações de trabalhadores instrumentalizados por certas forças políticas para conseguir essa «sociedade a caminho do socialismo» com que algumas forças políticas sonhavam.
Foi-se ao ponto de, num primeiro pacto, dulcificado após o 25 de Novembro num segundo, se terem condicionado, em termos que, sobretudo no primeiro pacto, eram inteiramente inaceitáveis, a liberdade de escolha da Assembleia Constituinte.
É evidente que os condicionalismos da época explicam muitas dessas coisas, mas a verdade é que a Constituição de 1976 - e eu reitero aquilo que há pouco tive ocasião de ver citado pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito -, como Constituição compromissória, entre outros princípios que nela se inscreve teve, todavia, dois princípios estruturantes que condicionam ao longo de todo o texto constitucional e que, mais curiosamente ainda, reflectem, em muitos pontos, as fases cronológicas da sua elaboração.
O primeiro é o princípio democrático que foi salvo pelas eleições, pela parte mais válida do Movimento das Forças Armadas e também pela vontade inequívoca daqueles que militaram nos partidos democráticos e que arriscaram muito da sua vida para que essa liberdade vivesse e se mantivesse em Portugal. Princípio democrático, esse, que foi espelhado logo na afirmação de que o poder político pertence ao povo, de que são eleições com um pluralismo garantido que vão permitir a designação dos seus representantes dos órgãos políticos, a separação dos poderes, naturalmente a temporalidade dos mandatos electivos e também todos os aspectos relacionados com o poder local e com as garantias do pluralismo político.
Ao lado desse princípio, instituiu-se um outro que afirmou claramente que a Constituição seria transitória. É bom não esquecer que foi afirmado que a Constituição seria transitória e que ela iria desembocar numa sociedade sem classes, através do exercício do poder pelos trabalhadores, tutelado pelo Movimento das Forças Armadas que era, simultaneamente, o garante de que essa via única não sofreria tergiversações e que tinha como órgão que traduzia essa tutela o Conselho da Revolução, uma espécie de governo paralelo ao lado do outro governo.
Foi traduzida também, em certos pontos, nos chamados «direitos sociais», nos termos em que, na altura, eles foram pensados.
Mas o cerne, a alavanca, o motor, esse, foi certamente a ideia de que seria através das nacionalizações, da planificação democrática da economia e da Reforma Agrária que essa caminhada para o socialismo se iria realizar, é verdade que temperada pela ideia de que seria sempre através da vontade democraticamente manifestada pelo povo.
Sabemos que, a partir de 1976, a vontade democraticamente manifestada pelo povo foi nitidamente num sentido inverso: através de todos os partidos democráticos, desde o Partido Socialista ao Partido Social Democrata, ao CDS e muito mais tarde ao PRD, foi claro e inequívoco que o povo escolheu os representantes desses partidos, sufragou, de uma maneira inequívoca, as opções políticas dos governos. Exemplo mais macroscópico não podemos apresentar do que a circunstância de termos aderido às Comunidades Económicas Europeias e de esse voto de adesão ter sido apoiado pela esmagadora maioria do povo português, só se tendo oposto o Partido Comunista e aqueles que são os seus companheiros de luta!