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1 DE JULHO DE 1989 4837

Para uma intervenção, tem, pois, a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e dos, Recursos Naturais.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais (Macário Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer a apresentação de uma proposta de lei do Governo no tocante à legislação relativa ao domínio hídrico em geral do Estado, que, naturalmente, queremos ver aprovada e executada.
O programa do XI Governo Constitucional prevê a criação e a consolidação do novo sistema institucional de gestão dos recursos hídricos baseado em organismos regionais, tutelados por um organismo central e a elaboração de uma nova Lei da Água, consagrando as traves mestras do novo sistema institucional, jurídico e financeiro.
A actual Lei da Água, que data de 1919, reflecte a situação que se vivia naquela época em que o acesso ao bem água, pela maior parte da população, era difícil. Com o crescimento da população e a alteração dos sistemas de produção e de organização do espaço - especializações espaciais e sectoriais - e com o aparecimento de grandes áreas urbanas de concentração populacional; a ampliação e ainda a intensificação da produção agrícola e o desenvolvimento industrial e a construção de barragens, o acesso à água tornou-se bastante mais difícil.
Esta nova situação, em que a água se transforma num bem escasso ou potencialmente escasso, obriga a mudanças estruturais importantes, tornando-se imprescindível encarar os recursos hídricos através de novas formas e novas políticas, cujas traves mestras se pretende definir através da criação de um novo sistema institucional nesta área.
Uma nova política de gestão dos recursos hídricos tem de assentar em dois conceitos-chave: o princípio do utilizador pagador e o princípio do poluidor pagador.
O essencial destes princípios é a consideração de que os custos reais associados à utilização da água (para consumo ou para rejeição de efluentes) devem ser intercalados pelos próprios utilizadores (consumidores ou poluidores).
Esta é uma forma de incentivar ambos a assumirem uma economia do recurso, no primeiro caso, e de preservação desses recursos e do ambiente no segundo caso. Entendemos que, ao contrário do que tem sucedido até ao momento, se deve optar, claramente, pela via tarifária, em detrimento da via fiscal, para a cobertura dos custos.
Não devem ser os contribuintes a suportar os custos da utilização da água, mas sim os respectivos utilizadores, até porque assim se conseguirá evidenciar a eventual escassez do recurso, bem como a existência de custos associados à sua exploração.
Portugal precisa de enfrentar e resolver, simultaneamente, duas séries de problemas. Uma primeira série de problemas que deveria ter sido resolvida há cerca de dez ou de quinze anos, tal como aconteceu noutros países da Europa, e uma segunda série de problemas, de índole mais conjuntural, e que resulta em larga medida dos efeitos directos ou indirectos da adesão à Comunidade.
O primeiro conjunto de problemas pode ser sintetizado em três aspectos fundamentais: primeiro, a necessidade de uma gestão integrada por bacias hidrográficas; segundo, a necessidade de fazer prevalecer uma óptica de valorização do recurso hídrico sobre a óptica da realização de obras hidráulicas; terceiro, a necessidade do envolvimento e responsabilização dos utilizadores da água.
Gostaria de tecer algumas considerações, sobre estes aspectos fundamentais.
Quando ao primeiro, ou seja, à necessidade de uma gestão integrada por bacia hidrográfica, devo dizer que o espaço natural para o exercício de uma gestão integrada dos recursos hídricos é a bacia hidrográfica, ou um conjunto razoavelmente homogéneo de bacias hidrográficas, como, de resto, é defendido pelos mais variados especialistas.
Esta realidade é imposta pela unidade do ciclo Hidrológico e pela propagação para jusante dos efeitos das acções realizadas a montante. Uma gestão integrada deve ser realizada das cabeceiras, até às zonas estuarinas e costeiras, integrando os usos múltiplos da água, e articulando estreitamente os aspectos de quantidade e qualidade.
Qualquer forma de divisão puramente administrativa do território não é propícia a uma gestão eficaz dos recursos hídricos. Por isso, em Portugal, tal como na generalidade dos países europeus, os poderes locais e regionais devem participar na gestão da água mas não confinar, nem determinar o espaço dessa gestão a limites administrativos.
A integração dós aspectos de quantidade e de qualidade sob a responsabilidade de uma mesma estrutura organizativa, no que diz respeito à gestão da água, é fundamental para dar coerência e eficácia a essa gestão. Esta realidade, que julgo ter muito de universal, é ainda mais relevante num país de características acentuadamente mediterrânicas, como é o caso de Portugal.
Num segundo aspecto, devo dizer que a perspectiva do recurso deve prevalecer sobre a perspectiva apenas da obra.
Numa óptica «extrema» de obras públicas, a realização de infra-estruturas hidráulicas é vista como proporcionadora em si mesmo de desenvolvimento e riqueza. Aproveitavam-se as disponibilidades hídricas onde elas existem, criava-se oferta de água e esperava-se que se desenvolvesse a correspondente procura. Foi essa a lógica que prevaleceu sobre as obras dos anos 50, que se realizaram, em particular, no Alentejo. Por isso, hoje, essa região tem um conjunto de lagos artificiais em que a água não é cabalmente utilizada, contrariamente ao que muitos supõem e ao que todos, naturalmente, desejam. A esta lógica torna-se necessário contrapor uma outra lógica que assente em estratégicas de desenvolvimento regional. A água deve ser vista como um factor estruturante, integrado num aproveitamento de recursos endógenos, em que os factores sociais e humanos desempenham um papel de especial relevo. Um tecido-social com agentes económicos com apetência para a utilização produtiva da água deve ser um factor determinante dos investimentos a realizar. Esta atitude deve ser levada às últimas consequências, encarando a água como um factor de produção ou um bem de consumo, cujo preço deve reflectir os custos reais da sua utilização.