2076 I SÉRIE-NÚMERO 60
O nosso empreendimento mais importante foi, talvez, o que realizámos na agricultura da índia: de um país que importava cercais nos anos 50 e 60, alcançámos uma posição de auto-suficiência e detemos um stock de reservas considerável. As mudanças no sector agrícola são resultado dos esforços regulares levados a cabo pelo Governo em reformas agrárias, aumentando a irrigação, facilitando o acesso às variedades de sementes mais produtivas, providenciando outros fornecimentos, estabelecendo uma rede de apoio às instituições para a sua expansão, comercialização e crédito e assegurando preços remunerativos.
A Índia deu também passos significativos no sector industrial e, hoje em dia, alinhamos entre os primeiros 15 países industrializados: a produção aumentou cinco vezes, a percentagem de bens básicos da produção total aumentou de menos de 5%, na altura da independência, para 50%; passámos de uma posição de economia que importava quase todos os bens de consumo, desde os alfinetes-de-dama a canetas, em 1947, para uma fase de auto-suficiência em artigos como ferramentas para maquinaria pesada e equipamentos, de energia, quer atómica quer convencional, e uma quantidade de bens de consumo.
Não tendo lido uma revolução industrial, a índia está determinada a não deixar escapar as vantagens da revolução tecnológica moderna. Detentora do terceiro maior reservatório de força de trabalho especializada, a índia realizou um grande percurso em campos como computadores, fábrica de energia nuclear, oceanografia, pesquisa espacial e engenharia genética e biotecnologia. Colocámos o nosso primeiro satélite no espaço em 1975 e tornámo-nos o sétimo país a pôr em órbita um satélite de comunicação com o seu próprio foguete lançado por um propulsor a combustível sólido. A índia é o quinto país a ter um satélite de controlo remoto. Somos também um dos poucos países que detêm o ciclo completo de combustível nuclear - desde a refinação do minério ate ao tratamento dos resíduos.
Mas todos estes empreendimentos ficam diluídos, senão apagados, pela nossa grande e crescente população: um aceitável PNB dividido por 800 milhões de pessoas traduz-se num pobre rendimento per capita. O nosso aumento anual de população é de cerca de 16 milhões, o que representa mais de uma vez e meia a vossa população total - em resumo, acrescentamos três «Portugais» à nossa população cada dois anos. Os esforços desenvolvidos em termos de planeamento familiar atingiram a população urbana, mas ainda estão longe de chegar às áreas rurais. Uma vez que a taxa de crescimento entre os sectores mais fracos da sociedade é maior do que nas classes média e alia, o problema da pobreza acentua-se.
Estamos, contudo, conscientes de que ainda há muito por fazer: um terço da população vive ainda no nível mínimo de subsistência; o contraste entre as áreas urbanas e rurais continua a ser grande; levará ainda alguns anos até que a pobreza seja finalmente erradicada do nosso país e que as necessidades básicas de saúde, educação e emprego sejam asseguradas aos restantes 30% da população - é a eles que se dirigem a nossa política e os nossos esforços, para que entremos no próximo século como uma nação cujos problemas básicos tenham sido ultrapassados.
A preocupação com a construção das instituições democráticas, a industrialização e a solução para os problemas sócio-económicos não alhearam a índia dos problemas do mundo. Pelo contrário, mesmo durante a luta pela independência, interessámo-nos sempre de forma especial pelas questões internacionais. O Mahatma Gandhi disse, numa ocasião: «Só posso manter a índia íntegra e a liberdade da índia íntegra se tiver boa vontade relativamente a toda a família humana e não apenas à família humana que vive neste pequeno lugar da terra chamado índia.»
Nos anos 50, quando a maior parte dos países do mundo se encontrava polarizada, escolhemos o caminho do não-alinhamento e decidimos examinar cada questão por si própria. O Movimento dos Não Alinhados, do qual o nosso Primeiro-Ministro, Jawaharlal Nehru, foi um dos arquitectos, cresceu em força. A sua importância no contexto presente não pode ser subestimada. Os recentes acontecimentos - orgulho-me de assinalá-lo - reforçaram plenamente a nossa fé nos princípios do não alinhamento e a visão de Nehru de uma grande família humana, livre dos blocos de influência, regida por valores esclarecidos em que ideologias em conflito e interesses nacionais se revelam insignificantes em face do consenso de cooperação e coexistência no mundo.
Presentemente, assistimos a alterações profundas que ultrapassam esta família humana. A Europa mostrou a forma de criar uma atmosfera de cooperação e confiança entre países que herdaram do passado anos de guerra e inimizades. A Europa também está a mostrar o caminho para a criação de um grande mercado para si própria, onde o intercâmbio comercial e económico entre os países seja determinado por necessidades mútuas e complementares mais do que por barreiras nacionais. Verificamos que, enquanto a Comunidade Económica Europeia prossegue com confiança a criação de um mercado único para 1992, novos acordos terão provavelmente o efeito de unir os doze com os países da EFTA. Na verdade, o isolamento dos países da Europa do Leste está a acabar e prepara-se o caminho para uma eventual cooperação e uma propagação da democracia à nossa volta e entre todos os países da Europa.
A Índia e Portugal, que tem a sorte de partilhar laços históricos comuns e contactos culturais, detentores de um considerável reservatório de talento humano e áreas de forças complementares, deveriam examinar seriamente a forma de utilizar com êxito estes recursos nas novas oportunidades que se irão deparar na Europa em transformação que se nos apresenta - e não esqueçamos que a Índia e Portugal também partilham, entre outros valores que mencionei, um profundo comprometimento de raiz num percurso de vida democrática!
Os ventos da mudança não se confinam à Europa; também sopram suavemente sobre África. Assistimos, nos últimos dias, a alguns importantes e encorajadores progressos: o surgimento da independência da Namíbia e a libertação de Nelson Mandela. Embora o mundo deva estar consciente de que a libertação de Mandela não é senão um passo em relação ao objectivo de desmantelamento do sistema de apartheid, a comunidade internacional estaria a prestar um mau serviço a si própria se se deixasse ir na ilusão de que a libertação de Mandela trará automaticamente paz e felicidade a todos os povos da África do Sul. É nossa convicção - e limitamo-nos a endossar os apelos feitos pelo próprio Nelson Mandela - que deve continuar a pressão sobre o regime da África do Sul, através da aplicação de sanções, enquanto vigore um sistema de opressão racial.
E também o momento de partilhar a nossa preocupação relativamente à negação de direitos e aos sofrimen-