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31 DE OUTUBRO DE 1990 171

original ao conceder facilidades aos EUA em bases áreas portuguesas, facilidades atribuídas após um diálogo a que faltou transparência, tornando-se, assim, cúmplice objectivo de uma estratégia susceptível de conduzir a uma guerra monstruosa e ao próprio desprestígio das Nações Unidas.
Aquilo que está em causa no Golfo pode vir a condicionar o presente e o futuro da humanidade. Em Paris, o Presidente François Mitterrand, que é um estadista bem informado, afirmou -segundo o Lê Monde- que a crise no Golfo entrou no "período fetal".
Os Estados Unidos da América estão a reforçar apressadamente o seu colossal exército aquartelado no deserto árabe. A estratégia do actual Governo da Grande República norte-americana poderá levar ao desastre, ou seja, à guerra, que seria uma guerra impopular. Em Setembro passado, 75% dos americanos aceitavam ainda os argumentos do Presidente, hoje não. A popularidade de Bush caiu bruscamente. Uma elevada percentagem de congressistas passou a exigir do Presidente que cumpra a Constituição e consulte o legislativo, antes de entrar em aventuras guerreiras no Golfo, dado que a síndrome vietnamita continua viva na consciência social da Pátria de Jefferson.
Na Europa, assiste-se também a uma mudança de comportamento do cidadão comum. A opinião pública francesa principiou a contestar activamente a presença no Golfo de 15000 homens - a segunda força militar na região. Na Grã-Bretanha, o discurso americano da Sr.ª Thatcher está a suscitar protestos cada vez mais firmes. Na Alemanha e no Japão, dois financiadores da escalada militar americana, o tom das críticas sobe.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao Governo de Cavaco Silva ficaria bem um esforço sério para superar os complexos condicionamentos da pequena política e produzir uma declaração contra a guerra, demarcando-se, desde já, de qualquer acto de força unilateral, venha de onde vier, à margem das resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

A Pátria do Homem, ao planeta Terra -reduzido a aldeia global-, falta ainda o espírito de solidariedade que as aldeias começaram a desenvolver nos primórdios de antiquíssimas civilizações.

É inadmissível que, no limiar do terceiro milénio, certos governos vejam ainda na guerra uma continuação da política. É farisaica a atitude daqueles que teimam em invocar princípios éticos e jurídicos para justificar políticas que podem conduzir a repugnantes chacinas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que algo de muito importante nos une acima daquilo que nos separa. Somos pelo direito de todos os homens a percorrerem a estrada da vida. A guerra é um atentado contra a razão. Em Portugal, como noutros países, para se defender a paz e condenar o recurso à guerra não se deve esperar pelo primeiro tiro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente:-Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Montalvão Machado, Adriano Moreira e José Lello.

Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): -Sr. Deputado Urbano Rodrigues, no início da sua intervenção, cheguei a convencer-me de que a posição defendida por V. Ex.ª, neste Plenário era meramente pessoal, todavia, no decurso
da mesma, rotulou-a como do seu próprio partido, o que me deixou verdadeiramente perplexo. Com efeito, supunha que o Partido Comunista Português ainda não tinha chegado ao radicalismo da posição que tomou nesta intervenção.
Quero fazer-lhe apenas a seguinte pergunta: V. Ex.ª entende correcto, entende ser certo, à face da lei internacional, à face da lei da independência dos povos, que o Iraque tenha tomado pela força o Koweit e se recuse a sair dele?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP):-Não ouviu a intervenção!

O Orador:-Ouvi, ouvi!
É que eu oiço tudo e os senhores só ouvem aquilo que querem!

Aplausos do PSD. Risos do PCP.

V. Ex.ª não acha que quem produziu a crise do Golfo foi precisamente a invasão do Koweit pelo Iraque e que a posição renitente do Iraque em sair do Koweit é que está a provocar tudo o resto?

O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado Urbano Rodrigues deseja responder agora ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Urbano Rodrigues (PCP):-No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:-Tem então a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): -Sr. Deputado Urbano Rodrigues, começo por dizer-lhe que tenho dispensado sempre a maior atenção às suas intervenções públicas fora desta Câmara, até neste domínio, e que tenho encontrado nas mesmas um cuidado de investigação e de análise que não são vulgares. E quando digo isto, quero significar que devemos respeitar essa atitude intelectual, esteja ela onde estiver.
Também não tenho dúvidas de que as suas conclusões, como evidentemente as minhas ou as de qualquer deputado desta Câmara, são condicionadas pela perspectiva básica que cada um de nós tem do mundo e da vida.
Sabendo isto, calculo que podemos discutir estas matérias, pelo menos, com a intenção de que essa discussão resulte em benefício de todos. E, neste caso, em proveito da paz.
Uma das primeiras observações que a intervenção do Sr. Deputado me sugere é a de que, provavelmente, é menos indicado olhar para a questão do Golfo como se toda ela se resumisse num conflito definido pelos Estados Unidos em relação a um ponto concreto, que é a invasão do Koweit.
Julgo que a área tem uma tal complexidade de causas capazes de romper a paz que, neste momento, o perigo mais evidente é o de que é difícil manter uma coligação, como os Estados Unidos fizeram, à volta de um só problema, numa área onde há uma constelação de problemas gravíssimos: é o problema da Síria, fazendo "bombacha" do Líbano; é a guerra civil do Líbano; é o caso de Israel; é a paz, ainda substancialmente não feita, entre o Irão e o Iraque, e é, sobretudo -penso-, a nossa dificuldade