31 DE OUTUBRO DE 1990 175
[...] Para dias se reservarão, com proveito, as funções que se prendem com a definição de uma orientação geral, com carácter estratégico, tradutoras da ideia que a comunidade fax da sua própria vida colectiva, da orientação que lhe quer dar e do modo como se projecta no futuro, e com a fiscalização da actividade do órgão executivo realizada através de documentos próprios, de conteúdo claro c incontroverso.
Ao optar-se pelo reforço da capacidade fiscalizadora da assembleia municipal, possibilitar-se-á o alargamento das matérias em que ela será obrigatoriamente chamada a intervir, a obrigatoriedade de redução a escrito, com distribuição prévia à assembleia, da informação que o presidente da câmara tem de prestar, acerca da actividade municipal, em cada uma das sessões ordinárias; a faculdade de constituição, no seio da assembleia municipal, de comissões ou de grupos especificamente encarregados do acompanhamento e da apreciação de aspectos concretos da actuação do executivo.
Na proposta feita, prevê-se expressamente a figura da «moção de censura», para permitir a formulação e divulgação de juízos negativos acerca da acção da câmara municipal no seu conjunto ou da actuação de qualquer um dos seus membros. Tendo como preocupação c considerando como benéfica a estabilidade executiva, a moção não terá como efeito a destituição do executivo; mas, prezando a clareza, a transparência e a correcção oportuna de uma acção menos adequada, faculta-se a crítica, que é naturalmente muito responsabilizadora para quem critica. Com efeito, se quem a fizer não tiver razão, verá voltar-se contra si um instrumento que brandiu em vão. Caminha-se, assim, no sentido da maior responsabilização de todos os titulares dos órgãos autárquicos.
O presidente da câmara municipal, na actual legislação, não é expressamente considerado como um órgão da administração municipal, como sucede em muitos outros países de pendor mais presidencial [...] nas suas instituições. Com o intuito de garantir e de salvaguardar a democraticidade dos órgãos autárquicos, reforçou-se o seu carácter colegial, mesmo dos executivos. Esta circunstância não impediu, no entanto, que a lei continuasse a reconhecer c a atribuir uma esfera de competência própria ao presidente da câmara municipal.
A competência excepcional do presidente para a prática de quaisquer actos da responsabilidade da câmara municipal, em circunstâncias especiais, chegou a estar prevista na Lei n.° 79/77, não tendo sido transposta para o Decreto-Lei n.° 100/84 por ausência de um mecanismo que sancionasse a não sujeição à subsequente ratificação pela câmara municipal, como a lei impunha.
Este quadro de circunstâncias permite concluir que a falia de inserção formal da figura do presidente da câmara no elenco dos órgãos autónomos locais não inviabilidade repensar-se no reforço das suas competências. Pese embora a preocupação de salientar o carácter colegial dos órgãos autárquicos, a verdade é que o presidente da câmara municipal não tem deixado de ser objecto de trenamento especial. Sendo par dos vereadores no órgão colegial, a verdade c que ele não deixa de ser um «primeiro» entre esses pares, com o que isso envolve no plano da representatividade, mas também no da responsabilidade.
Isso c particularmente traduzido no artigo 252.° da Constituição da República, que estabelece que o presidente da câmara municipal é o primeiro candidato da lista mais votada na eleição. E transparece também, claramente, no
Decreto-Lei n.° 100/84, que regulamenta as atribuições das autarquias locais e define as competências dos respectivos órgãos, e no qual se atribui ao presidente da câmara municipal um vasto conjunto de competências de orientação c de coordenação da acção municipal e se salienta a sua função de representação do município.
Acresce que, ao ser consagrada a modalidade da «delegação tácita», consubstanciada num conjunto de competências que, pertencendo embora à câmara municipal no seu conjunto, se consideram directa, imediata e automaticamente transferidas para o seu presidente, está a reconhecer-se, afinal, o papel essencial que está reservado ao presidente da câmara municipal e a considerar como indispensável cometer-lhe poderes especiais com vista a garantir maior eficácia c operacionalidade ao funcionamento do órgão.
A par das competências tacitamente delegadas, prevê-se a hipótese de delegação expressa noutras matérias, ficando assim substancialmente reduzido o conjunto das competências que não podem, em caso algum, deixar de ser exercidas pela própria câmara.
De tudo isto resultará o reforço dos poderes dos presidentes das câmara municipais, cometendo-se-lhes competências que neles estão tacitamente delegadas, de entre as quais assumem significado especial a superintendência na gestão e direcção do pessoal, a outorga nos contratos, as acções necessárias à administração corrente do património, a promoção da execução das obras que constem dos planos aprovados e a concessão de licenças.
Tendo referido que, para nós, é muito importante recolher os ensinamentos da prática, reflectir sobre o que está a dar bons resultados e sobre o que funciona mal e ir propondo alterações que adeqúem os procedimentos às necessidades, não surpreenderá ninguém que eu diga que, para a formulação das propostas apresentadas, pesou muito o conteúdo dos relatórios das visitas de inspecção realizadas. Foram estas que permitiram detectar situações pontuais em que a defesa da operacionalidade justifica a atribuição de poderes acrescidos ao presidente da câmara. Isso é particularmente verdadeiro no que respeita à competência excepcional proposta para o presidente praticar actos da responsabilidade da câmara em casos especiais c urgentes, sujeitos a ulterior ratificação. Não se considera, porém, a eventual falta de submissão ao órgão colegial para ratificação como ilegalidade grave, com todas as consequências que isso acarretaria, mas permite-se à câmara municipal retirar, em qualquer altura, a faculdade concedida no caso de a sua utilização estar a revelar-se abusiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apontei brevemente os principais atributos dos ajustamentos que se propõem.
Eles vão todos no sentido da maior eficácia do funcionamento dos órgãos autárquicos, com a maior responsabilização que a autonomia sempre representa. Vão também no sentido da clareza de definição das competências. Quanto mais bem definidas essas estiverem, mais fácil será pedir e prestar contas. Pretende-se que elas também favoreçam a dignificação do poder local e o tomem atraente para muitos novos candidatos que introduzam novos pontos de vista, que exprimam o modo de ver de protagonistas com experiências diversificadas e que olhem para as coisas sem estar prisioneiros de soluções que escolheram no passado para resolver os mesmos problemas.
A força de termos vivido intensamente o jogo político da última década e meia, não nos damos facilmente conta [...]