1288 I SÉRIE - NÚMERO 35
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP que vamos debater tem plena actualidade e mergulha a sua razão de ser na necessidade de dar corpo ao normativo constitucional, onde se consigna que «na definição da política agrícola é assegurada a participação dos trabalhadores rurais e dos agricultores através das suas organizações representativas».
Á não regulamentação deste princípio tem permitido que a representação sócio-profissional dos agricultores no nosso país, no plano institucional, esteja entregue exclusivamente ou quase exclusivamente a uma única confederação, a CAP, quando é do conhecimento público a existência de outras confederações, tanto no plano sócio-profissional - a Confederação Nacional de Agricultura- como no plano da representação dos interesses económicos do sector cooperativo - a CONFAGRI.
Isto mesmo esteve presente na constituição recente do Conselho Económico e Social com a entrega de uma dupla representação sócio-profissional da lavoura à CAP, cuja presença, aliás, estava já garantida por via da Comissão de Concertação Social, discriminando e não incluindo a outra Confederação existente.
O Governo afirma defender o pluralismo na vida social e política mas consagra, contraditoriamente, o princípio da unicidade na representatividade da agricultura portuguesa. Ao fazê-lo o Governo reduz, inclusivamente, a sua própria capacidade negocial, ficando dependente das estratégias de um único parceiro, a CAP, cuja representatividade, além do mais, se reduz hoje quase ao universo dos grandes proprietários - e não todos - do Alentejo e Ribatejo e aos negociantes intermediários do sector. É a CAP que se arroga o intolerável direito de determinar quem deve ser aceite ou não como organização representativa, marginalizando-se assim, sobretudo, a agricultura familiar, os milhares de pequenas e médias explorações que nada têm a ver com aquela Confederação.
Esta exclusividade atribuída a uma única estrutura não encontra paralelo em qualquer outro sector da vida portuguesa e tem permitido os maiores escândalos em matéria de privilégios e tráfico de influências.
À CAP foi atribuído, recentemente, por despacho do Sr. Ministro do Emprego, o exclusivo de gerir uma linha de crédito, sem juros, de 150 000 contos para apoio às estruturas associativas de agricultores nas despesas de aquisição de material para a formação profissional. Quaisquer que sejam as organizações que se candidatem - pertençam ou não à CAP -, são obrigadas a entregar ha sede desta os processos de candidaturas. É a CAP que as aprecia, dá parecer e propõe a decisão de financiamento ao Instituto do Emprego (BEFP), e - pasme-se - o despacho atribui à mesma CAP a fiscalização desse mesmo investimento.
À CAP estão a ser entregues várias infra-estruturas do Estado afectas à agricultura como, por exemplo, o Parque de Recolha e Leilão de Gado de Palmeia, várias infra-estruturas da EPAC, edifícios públicos e centros de formação profissional.
No processo em curso de reestruturação do Ministério da Agricultura prepara-se a entrega à CAP - ou a associações desta com grupos multinacionais - de importantes instrumentos e estruturas do Estado. Para a CAP a entrega é feita a título gratuito mas para outras organizações, como acontece agora com a privatização dos matadouros, a sua participação no respectivo capital social tem de ser pago e bem.
À CAP terão sido entregues mais de 300 000 contos do PROAGRI para a construção da sua futura sede em detrimento de outras estruturas; à CAP é entregue o exclusivo da representação sócio-profissional da lavoura, tanto no já referido CÊS como no Conselho Económico e Social da CEE, no Conselho Consultivo do PROAGRI, no Conselho Consultivo do Leite e Lacticínios, no Conselho Nacional de Caça e em inúmeras outras instituições e iniciativas do Estado.
O Ministro da Agricultura e o Primeiro-Ministro recusam-se a falar com outra organização que não seja a CAP. Só para dar um exemplo recente: no polémico e escandaloso processo de privatizações dos matadouros, que envolve um negócio de milhões de contos, afastam-se não só a outra confederação como as inúmeras associações de comerciantes de carnes - que no passado domingo, aliás, se reuniram em Lisboa numa acção de reflexão e protesto - para se privilegiar mais uma vez a CAP.
A CAP e a ACEL concluíam-se para controlar ilegitimamente a produção de eucalipto: a ACEL paga à CAP 50$ por cada estere de eucalipto entrado nas fábricas e esta Confederação, em contrapartida, guarda silêncio sobre a expansão das celuloses e permite que a ACEL baixe o preço de compra aos produtores florestais. Centenas de funcionários do MAP trabalham para ou nas instalações da CAP.
A CAP funciona assim como um lobby de interesses próprios, mais do que como uma verdadeira estrutura representativa do sector.
Srs. Deputados, o Governo, por decisão política unilateral, nomeia uma organização da lavoura como exclusiva representante do sector funcionando como uma extensão do aparelho de Estado. O que o Governo pretende é conceder artificialmente a uma organização uma representatividade que esta não conseguiu alcançar pela via do associativismo.
A razão é clara: quando a agricultura está reconhecidamente em crise, quando os agricultores vêem diminuído, ano após ano, os seus rendimentos- recordamos que os preços no produtor caíram 30% em termos reais nos últimos seis anos -, quando o mercado nacional é invadido sistematicamente por produções comunitárias e de países terceiros, provocando um agravamento do défice agro-alimentar, quando o Governo é incapaz de apontar uma perspectiva estratégica e um quadro orientador para a nossa agricultura, quando não são promovidas as nossas vantagens comparativas, quando os interesses nacionais não são defendidos, quando acontece isto tudo, o Governo necessita de organizações dóceis que troquem o seu reino a troco de um prato de lentilhas, que possam servir de almofada à sua política e que misturem em dose sábia uma pretensa oposição à política agrícola em certas questões pontuais e menores e uma convergência estratégica no essencial, criando falsas expectativas e tentando, assim, impedir o desenvolvimento da luta dos agricultores.
Para o Governo esta é a função da CAP! Para a CAP e os seus dirigentes isto permite-lhes usufruir de privilégios e exclusivos que nada têm a ver com a sua representatividade.
O nosso projecto de lei destina-se, exactamente, a definir um quadro legal que termine com as exclusões de uns à custa dos privilégios de outros e que permita que a agricultura portuguesa tenha a representatividade plural que emana das organizações existentes.