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17 DE DEZEMBRO DE 1993 679

linear». A entrevista teve lugar durante a campanha eleitoral de Novembro de 1945 e aí o jovem Zenha traça o estado da Universidade portuguesa daquela época, dizendo: «A política universitária do governo não é mais que a transposição para este campo particular da sua política geral de policiamento implacável de todos os sectores da vida nacional ou formas de expressão da opinião colectiva previstas para evitar qualquer choque ou manifestação concreta de oposição à sua retrógrada visão política e interesses que serve ( ... ). 0 objectivo final desta política é converter as universidades em veículos transmissores da sua ideologia obscurantista, obrigando os professores a ominosas declarações atentatórias da liberdade de consciência e expulsando aqueles que, de uma maneira mais aberta, exprimem o seu desacordo com a política pedag6gica ou social governativa de um governo cuja subsistência é incompatível com a independência do pensamento e a crítica inflexível da juventude. Por isso, não nos podíamos admirar que destruísse a autonomia das universidades, colocando nas reitorias e direcções da faculdade dóceis executores das suas ordens e amordaçasse a voz desinteressada e inexorável da juventude».
E termina a entrevista desta forma lapidar: «Pela identificação dos seus interesses com os interesses fundamentais do povo português, o estudante deve ser a guarda avançada do processo da dignificação nacional».
Evidente se torna, pois, a recusa de continuar numa universidade que ele abomina e rejeita. Transfere-se para Lisboa, onde faz o estágio de advogado com outro jurista eminente e opositor do regime, que, mais tarde, viria a ser o Primeiro-Ministro de Portugal, logo depois da Revolução do 25 de Abril, o Professor Adelino da Palma Carlos.
Como advogado, Zenha é o defensor permanente dos políticos perseguidos pelo regime, dos presos e torturados pela PIDE, uma presença constante no Tribunal Plenário de Lisboa e ele próprio vítima de abusos e encarceramentos arbitrários.
Em diversos escritos, denuncia o procedimento da própria Polícia Judiciária durante os interrogatórios dos arguidos e contra a aplicação de medidas de segurança. Quanto ao papel de advogado, escreve na introdução de uma das suas alegações publicadas: «Os advogados entregam-se muitas vezes a fastidiosos exercícios de exegese, pesando gravemente ovos da mosca em balanças de teias de aranha, com grande cópia de citações arrevesadas em línguas várias, de permeio com a invocação de infindáveis artigos, arestos e diplomas. Este exoterismo estéril e, quiçá, presunçoso é objecto de sátira pública. E, às vezes, com razão». E define o que deve ser o papel do advogado: «( ... ) o advogado deve surgir à sua luz natural - a de elemento indispensável em qualquer comunidade civilizada. Sem advogados que gozem de necessária independência no exercício do seu mister, não é possível a defesa do direito. Não o direito do Príncipe, do César, do Monarca (seja qual for a forma da sua designação), mas o direito como aspiração colectiva da comunidade à justiça. 0 direito ou é uma criação colectiva quotidiana ou não passará de mera mágica ou feitiçaria incompreensível com a principal função de encobrir o arbítrio e a desigualdade».
Do advogado das causas políticas, o chamado «caso Sommer» abre a Francisco Salgado Zenha o grande portão e a oportunidade de se afirmar como um dos abalizados nomes do foro português, caso este que ele definiu como sendo de julgamento da própria justiça e sintetizou nestas breves palavras: «Em 1945, copiando-se os modelos da Alemanha do Terceiro Reich, retirou-se aos juízes toda

a competência instrutória, que foi entregue única. e exclusivamente a agentes do governo e a ele obedientes: o Ministério Público e as polícias. Converteu-se, assim, a justiça em assunto do governo a ser decidido nesta fase, não pelos juízes mas, sim, pelo governo e seus ajudantes - o Ministério Público ou polícias -, quer dizer, em vez de reconverter a justiça instrutória política ao modelo comum, alargou-se o esquema de perseguição política. Em todos os casos, só é réu quem o governo autoriza. Todo o inimigo do Estado é, em princípio, culpado. Os adeptos do regime

passaram a ficar pela garantia de impunidade.
E os seus adversários ingressaram todos na categoria de
delinquentes preventivos».
Em todos as lides em que interveio, nunca o advogado Zenha se limitou a enunciar secamente os factos e o direito aplicável. Demonstrou o empenho que punha em defesa dos seus clientes com o estudo minucioso, descendo até aos ínfimos pormenores dos respectivos dossiers e revelou, a propósito, um largo conhecimento doutrinário quanto à ciência de Direito, fazendo pertinentes críticas à legislação existente.
Finalmente, como político, foi o Ministro da Justiça que abriu o caminho à dissolução dos casamentos celebrados negociando com a Santa Sé uma solução para um problema que dividia a nossa melhor doutrina e constituía uma grave questão social.
Bateu-se, frontalmente, contra a lei de unicidade sindical, anunciando aqui também, com coragem, numa época conturbada, as soluções democráticas e pluralistas.

Como candidato à Presidência da República, durante a sua campanha revelou qualidades de tenacidade, aprumo intelectual e convicções ideológicas, que defendeu com a coerência de toda uma vida.
No seu «discurso de despedida», como lhe chamou um jornalista respeitado, Mário Mesquita, que escreveu o melhor obituário que ouvi ou li. na nossa comunicação social, Zenha deixou este conselho aos seus amigos, depois tantas vezes. repetido e, agora mesmo citado pelo orador que me antecedeu.. «Sejamos bons e tentemos ser os melhores, mas sejamos modestos; a modéstia é a melhor forma de vaidade».
Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do CDS-PP vai, oportunamente, apresentar ao Plenário um projecto de resolução no sentido de que o retrato de Francisco Zenha seja colocado na sala da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para que todos quantos ali tomam assento diariamente possam ter sempre presente o exemplo de quem foi um dos nossos melhores colegas e, deste modo, ganhou o direito de figurar na galeria dos homens ilustres que construiram o regime político e constitucional que nos
nos permite hoje usufruir o doce sabor da liberdade.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o representante do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, Sr. Deputado Lino de Carvalho.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Exm.ª, Família de Salgado Zenha: Quando do falecimento de Francisco Salgado Zenha, o Partido Comunista Português exprimiu o seu pesar pela perda de um vigoroso combatente antifascista, de uma personalidade com papel de relevo na democracia portuguesa e de um homem de convicções e valores».
Convicções e valores assentes no primado da defesa da democracia e dos direitos dos cidadãos. Convicções e valores que perfilhou enquanto Deputado e presidente do seu