O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

17 DE DEZEMBRO DE 1993 681

era, num famoso comício em que também participaram Mário Soares e Manuel João da Palma Carlos.
Apesar de mais maduro, não dei por mim a retocar, invocando anteriores verduras, a admiração dos tempos idos. E assim permaneci pela vida fora, como Eça diz que permaneceu em relação a Antero.
Zenha tinha, entretanto, dado início a uma comunhão de luta e de espírito com Mário Soares, que se prolongaria até aos nossos dias. Juntos, foram o motor de combates pela democracia e pela liberdade, antes e depois de Abril. Sem eles, o novo regime talvez tivesse sido outro.
Advogado em África, tive o privilégio de ter Zenha como .correspondente em Lisboa. E se a velha admiração foi sendo alimentada pelo prazer intelectual de ler os seus trabalhos, a amizade foi sendo reforçada pelas relações familiares que os nossos encontros em Lisboa nos proporcionavam. Continuava a ligar-nos, além disso, o velho sonho de libertar o País e de melhorar o mundo.
Traduzia-se isso numa interiorizada atitude de conspiração permanente. Com frequência, reuníamos os do costume o mais clandestinamente possível: Zenha, Soares, Tito de Morais, Raúl Rego - aqui presente -, Gustavo Soromenho Vasco da Gama Fernandes, Carvalho Santos, Manuel Mendes, eu e, mais raramente, os grandes Azevedo Gomes, Jaime Cortesão e António Sérgio.
Em regra, safa abaixo-assinado, que umas vezes dava interrogatório na PIDE, outras «engavetamento» dos mais contumazes. Zenha, tal como Soares, foi preso diversas vezes. Já, aliás, o havia sido enquanto estudante de Coimbra, juntando às galas do merecimento a beatificação do martírio.
Alguém disse que o próprio Deus teve no amor pelos homens o seu inferno. Uns no primeiro, outros no último anel do reino do Mafarrico, cada um de nós teve o seu. Mas eu ia em dizer que Zenha vivia as punições em nome do seu amor à liberdade como sublimação, ela própria libertadora.
0 próprio casamento, que lhe trouxe tanta paz interior, o não amoleceu para as tentações do conformismo. Manteve-se grande e igual até ao fim, o que só acontece quando os homens são eles próprios grandes.
Quero aproveitar a presença, entre nós, da querida Maria Irene Zenha, para a saudar com a maior ternura e agradecer-lhe, em nome dos admiradores de seu marido, todo o amor, companheirismo, paz por dentro, em suma, felicidade, com que embelezou vida do nosso querido Zenha.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Sei que está de acordo quando afirmo que ele tinha a premente necessidade de se dar, dotado que era de um espírito aberto para o universal. Dar-se em grande, lutar pelos outros, era a sua forma de realização. Muitos o terão julgado afastativo. Mas nós sabemos até que ponto ele era solidário. A muitos terá parecido sarcástico. Mas nós sabemos que ele era simples e terno. Simples até ao despojamento de todos os adornos. Dotado de um espírito selectivo, cativavam-no os grandes valores e as grandes causas. «Irmão franciscano» lhe chamou o padre Melícias. E nós sabemos quão pouco pesou nisso a importância de chamar-se Francisco.
Ele foi, pela sua verticalidade e pelos padrões éticos do seu comportamento, um cidadão romano dos nossos dias. E também, apesar da sua concentração na essência das coisas, um príncipe florentino na naturalidade elegante das suas atitudes e maneiras.
Possuía aquele «dom de Deus» que, segundo Churchi11, consiste em saber, em caso de crise nacional, as ordens que é preciso dar. Está na lembrança de todos o seu grito de alarme na defesa da unidade contra a unicidade sindical, debate que apaixonou o País e dignificou aqueles que o travaram.
Ele voltou a ser, no tempo que durou essa disputa, o meu ídolo de Coimbra. Bem para lá da minha capacidade de idolatrar, ele tinha, de facto, a capacidade de «prever à distância os males nascentes», faculdade que, segundo Maquiavel, «só é concedida aos judiciosos». Ele foi um deles.
Nos governos de que ambos fizemos parte e nesta Casa, em que ecoam ainda os lampejos da sua inteligência e os primores do seu espírito, Zenha foi de novo o vir fortis, a inteligência lúcida e simplificadora que o caracterizava. Ouvindo-o, ficava-se a pensar na«moderada porção de cérebro» com que outros, segundo Thomas Moore,«conseguem triunfar».
«Se tudo o que somos é o resultado do que pensámos», devo a Salgado Zenha muito daquilo que sou. Devo-lhe não ter nunca deixado fenecer em mim a mística da liberdade. Devo-lhe a superação de escatologias incómodas. Devo-lhe o combate de uma vida contra o dogmatismo e a irracionalidade. Devo-lhe a teima em reivindicar ainda hoje, sem complexos, o pensamento utópico. Devo-lhe a recusa em aceitar a monetarização dos valores e o seu apagamento. Devo-lhe o ter podido viver na imitação de um advogado da mudança, antes e depois de me transferir para as solicitações da política.
Há dias, escrevi um artigo recusando-me a aceitar a morte do seu exemplo. Volto a essa recusa. E sugiro que o perpetuemos em bronze, como em bronze foram perpetuados outros que por este país e este Parlamento passaram, com mérito decerto igual, mas não superior ao seu.

Aplausos do PS e do PSD.

É talvez chegada a altura de avaliarmos há quanto tempo não é reforçada a galeria parlamentar dos nossos maiores. Que data tem a última manifestação de reconhecimento e respeito? Só no decurso do novo regime democrático passaram por aqui políticos e parlamentares ilustres, da exemplar envergadura de um Sá Carneiro e de um Salgado Zenha. Vamos honrar ou deixar fenecer a sua memória?

Aplausos do PS e do PSD.

Por isso, com a vossa segura aquiescência, vou entregar na Mesa da Assembleia um projecto de resolução com o exacto sentido de uma dupla e merecida homenagem. Temos, eu e o António Guterres, que, nomeadamente na última década, viveu com Salgado Zenha uma profunda e enriquecedora relação política e pessoal, a honra de figurar como primeiros subscritores. Outros líderes parlamentares deram-nos a honra de se juntar a nós.
Que, ao passar pelos seus bustos, em lugar de público destaque desta Casa Venerável, os cidadãos portugueses possam, a justo título, recordar o seu exemplo, exclamando: Dois grandes homens! Dois espantosos espíritos!

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o representante do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, Sr. Deputado Fernando Amaral.