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682 I SÉRIE-NÚMERO 20

O Sr. Fernando Amaral (PSD):- Sr. Presidente da Assembleia da República, Distintos Representantes dos Órgãos de Soberania, ilustres Convidados e Familiares de Salgado Zenha, Meus Caros Colegas: Fomos convocados para vir aqui dar um exemplo de moral e praticar um acto de justiça. Nada de mais gratificante para uma Assembleia que se preza das suas vivências.
Vimos aqui para referir e homenagear alguém que, durante a sua longa carreira de homem público, mobilizou os seus dotes superiores na procura da verdade ao serviço de nobres causas.
Vimos aqui por espírito de justiça para que se retenha um nome que tem direito ao nosso respeito, à nossa admiração.
Para os homens da minha geração, ele é um símbolo que merece o devotado culto com que distinguimos todos os que, poderosamente, concorreram para afirmar e defender a liberdade na luta prodigiosa e empolgante de afirmar e defender os Direitos do Homem.
Se o sagrado não se manifesta sem ritos e solenidades, também a política tem
necessidade destas e de consagrar seus símbolos. Por isso estamos aqui para, solenemente, consagrarmos Salgado Zenha.
Faço-o em nome do meu partido.
Sinto-o em meu próprio nome.
É que a vida dos homens bons, que das multidões se distinguem, deve ser posta de manifesto aos olhos de toda a gente, para que os exemplos da sua dedicação enorme constituam um alto ensinamento e um aliciante convite para novas e contínuas disponibilidades.
Neste mundo angustiado, que parece ter perdido o seu norte, são necessários os construtores de tarefas e os fomentadores de esperanças. Por isso o lembramos com admiração e respeito.
Alguém que tem o cordão das formas definitivas afirmava que «nós somos testemunhas do nascimento de um novo humanismo onde o homem se define, em primeiro lugar, pela sua responsabilidade perante os outros e perante a História».
Salgado Zenha assumiu-se perante os outros e contribuiu para definir o rume da nossa História.
Nós o lembramos aqui com o orgulho e com a convicção de quem sabe e sente que a grandeza das nações pequenas só se avalia pela grandeza dos seus homens.
Salgado Zenha, na turbulência do choque das ideias e opções que se consumiram na fogueira revolucionária dos impulsos e das paixões, distinguiu-se pela seriedade dos seus propósitos.
E se é o sacrifício que dá sentido ao destino de cada um, ele é também condição da vida colectiva, para que seja continuada, transmitida e partilhada. Honrar os que nos legaram este sentido e que por ele deram tudo o que eram é garantir, pela memória viva, a duração de um legado que tem de ser meditado para que, ao sacrifício dos que passam, corresponda a fidelidade dos que ficam.
Não seriam precisas palavras se não fora a exigência do ritual.
«É que já não se trata de julgar, de contestar, de absolver ou de elogiar, mas ré guardar silêncio e de contemplar para compreender, admirar e respeitar, para que cada geração reinvente os valores que permitam que a sociedade trilhe caminhos seguros de uma maior justiça e de uma mais sentida humanidade».
Éramos, ainda ontem, contemporâneos de Salgado Zenha. Somos já agora o futuro, que medita e acolhe o seu apreciado exemplo.
Ele foi dos que esteve na frente e agiu e o homem que age é sempre superior a
ao que se submete. Ele nunca se submeteu e, por isso, a liberdade ganhou espaços mais largos e se afirmou na grandeza do destino com que sonhamos. Não se submeteu na inquietude da sua juventude.
Na velha e prestigiada Academia coimbrã, como ainda há pouco foi lembrado pelo Sr. Dr. Almeida Santos, conquistou o privilégio de ser o primeiro presidente eleito da Associação Académica. Aí soube dizer «não» com a veemência e a responsabilidade de uma vontade esclarecida, correndo e suportando os riscos que a prepotência dos que mandavam intolerantemente impunha.
Disse «não» em nome da liberdade e ganhou a estatura de um jovem adulto que, por força da dignidade do homem livre, não transige, não abdica.
Passou pela Universidade e ali marcou um sulco profundo no percurso de uma vida devotada à liberdade e à defesa dos Direitos do Homem.
Passou pela barra dos tribunais e, como advogado de grandes causas pela verdade e pela justiça, ganhou o perfil de reconhecido prestígio.
Nós sabemos que a justiça é a mais fecunda das virtudes humanas e ele praticou-a e revelou-a numa entrega militante alicerçada na defesa dos direitos que, como atributos do homem, são a expressão mais próxima da sua dignidade.
A defesa dos direitos dos cidadãos, independentemente das suas profissões de fé ou tendências políticas, foi uma constante a dar brilho a uma conduta que é paradigma da bela função do advogado. Nessa nobilitante profissão, onde o direito e a justiça são as linhas condutoras de comportamentos, os Direitos do Homem ganharam o sedutor relevo das tarefas irrecusáveis. A sua figura franzina ganhara, então, os créditos de advogado de grande vulto.
Da singularidade dos seus argumentos, numa personalidade por vezes difícil, porque acima do comum, discorria a força de uma inteligência sagaz e lúcida, onde a ironia, subtil e cortante, roubava, por vezes, o espaço para uma réplica serena e pronta.
Porque proeurou a verdade e a justiça apaixonadamente, a Ordem dos Advogados terá nele uma das referências das mais distintas e emblemáticas.
Viveu intensamente a profissão, e até ao fim, já que teve entre nós, a sua última morada na Ordem dos Advogados.
Quem tanto prestigiou a profissão, haveria de ter ali a emocionada despedida dos que se honraram, como seus pares, pelo admirável exemplo que nos legou.
Passou pelo Executivo. Teve então a delicadeza e o jeito de tratar um dos temas que, no espaço dos Direitos do Homem, constituía um lamentável travão à consciência do homem livre, já que ele tem o direito de se não sentir agrilhoado às opções ditadas pelas circunstâncias de cada momento do seu percurso.
E porque sabia distinguir o matrimónio, como Sacramento, do casamento, como contrato, fez-se paladino da distinção. Estavam em jogo as relações das pessoas com a sua profissão de fé; estavam em causa as relações dos cidadãos com o Estado. Espaços distintos e ambos respeitáveis, mas que se situavam em planos bem diferentes.
Sinto-me à vontade para aplaudir a distinção que se impunha para que o Estado pudesse providenciar, como lhe compete, no respeito dos direitos de cidadania, no domínio da liberdade inalienável que é a sua condição; e para que a Igreja, na sua admirável doutrina, não estivesse presa, nas suas formulações, pelo império das leis que lhe são estranhas.
Os católicos ganharam uma maior consciência das responsabilidades que assumem na fidelidade à sua doutrina, os cidadãos alcançaram um maior espaço na sua liberdade.