27 DE JANEIRO DE 1995 1329
demos, quando temos órgãos responsáveis, permitir que eles não assumam essas responsabilidades.
Penso que, nesse aspecto, devemos criticar o Governo: houve falha de coordenação, houve confiança, talvez excessiva, na capacidade de a própria empresa - antes, departamento do Ministério da Defesa Nacional - seguir a variação de condicionamento da política externa do Governo, mas isso não tem que ver com a lealdade aos valores cuja defesa está entregue ao Governo, não tem que ver com a idoneidade dos portugueses envolvidos nisto, não tem, que ver com a dignidade dos responsáveis pelo Governo e, sobretudo, deixa de o ter quando cies são capazes de assumir a responsabilidade.
O Governo tem de assumir esta responsabilidade e de explicar ao país que não vai consentir que torne a acontecer um incidente que, por acaso, põe em causa o problema de Timor e que, eventualmente, pode pôr em causa outros interesses cuja violação afecte, eventualmente, tf credibilidade do Governo português.
Dito isto, gostaria de manifestar algum desgosto, que, tenho esperança, venha a ser partilhado pelo Sr. primeiro-ministro, que se retira. Durante 10 anos a vida portuguesa foi marcada pela presença do Professor Cavaco Silva. É uma personalidade forte que, mais uma vez, desencadeou em Portugal - o que é uma tradição histórica - a personalização do poder. Isto nada tem de pejorativo nem do contrário àquilo que acontece no fenómeno político; isto tem a ver com a relação entre quem governa e a população. Uns assumem, conseguem, implantam, outros não conseguem implantar esse carisma em relação ao povo que governam.
Mas isso tem custos, essa capacidade de personalizar o regime, de tornar fundamental a sua presença e a, sua decisão- um facto que a História vai sempre registar - tem passivos. Um deles é o de que, em transmissão televisiva directa para o povo português, reunimos hoje os representantes de vários órgãos de soberania que não vão ter qualquer responsabilidade no futuro próximo do país, o que é gravíssimo nas decisões que têm de ser tomadas. Mas nenhum dos senhores estará aqui - nem eu - para responder a esses desafios.
O principal desafio de Portugal - penso que o Sr. Primeiro-Ministro concordará comigo - é, neste momento, a revisão do Tratado de Maastricht. O país tem de estar preparado para ela. Não foi abordado nenhum desses problemas, nenhuma dessas questões na discussão da moção de censura. Por que razão? Talvez porque, quando isso acontecer, nem o Primeiro-Ministro será o piloto da negociação, nem este Governo será o responsável pela negociação, nem será esta Assembleia que vai fixar a orientação.
O país deve estar a olhar para nós nesta transmissão directa e a tentar avaliar qual é a validade, a eficácia e a confiança do sistema político.
Morreu Miguel Torga há poucos dias, e estava a lembrar-me, por causa desta situação de aparelho político adiado, de um comentário que ele fez uma vez em circunstâncias bem mais angustiantes do que as de hoje: "Apetece gritar, não há quem grite". E o que este Governo sabe, o que o Primeiro-Ministro sabe, o que a Assembleia sabe é que no ano em que vamos discutir um tema .fundamental para o futuro do país, que é a sua opção estratégica, nenhum dos que aqui está, em princípio, salvo novas eleições, quando for preciso gritar, estará em condições de ser ele "quem grite".
Isto devia, talvez, orientar-nos para um sentido de humildade perante as responsabilidades que nos cabem diante do país. Um sistema político que é, em grande parte, pela personalização- defeito das virtudes, efeito negativo das qualidades -, fez diminuir gravemente o prestígio e papel da Assembleia perante a população portuguesa. Desconfio que hoje não contribuímos muito para o recuperar.
Queria, só para me servir de exemplo, lembrar que, sobre esta questão gravíssima do Conceito Estratégico Nacional, que temos de decidir - está em estudo, já realizámos reuniões e chamámos as universidades para darem o seu contributo - o grande princípio que temos é o da subsidiariedade que vai ser um elemento fundamental da Constituição Europeia a que alguns chamam "a democracia das democracias".
Queria dar-lhe uma notícia, Sr. Primeiro-Ministro, nesta matéria tão grave. Há aqui forças políticas, aquelas que são mais vinculadas à cultura católica e cristã, que têm os seus autores e os citam. Nós citamos Francisco Suárez, São Tomás, os papas humanistas; há outros, como é o caso dos protestantes, que citam o esquecido Althusser, que voltou à superfície; outros, agnósticos, andam a citar Espinoza; os socialistas citam Proudhon, Pi y Margal e, entre nós, Antero de Quental.
A voz social-democrata veio à Câmara pelo Sr Engenheiro Cardoso e Cunha, numa sessão apoiada por esta Assembleia, e aquilo que ele nos explicou, com grande franqueza e largueza democrática, é que a discussão que temos tido sobre o futuro político da Europa, designadamente sobre o modelo federalista, é uma discussão idiota Não encontrei isto em São Tomás, em Suárez, em Pi y Margal. É uma grande audácia intelectual! Também nos informou nesse debate que a discussão que temos sobre a Europa, "democracia das democracias", portanto, respeitadora da identidade das nações, tem sido tramada entre nós de uma maneira estúpida Interpelado sobre o que acabo de referir, depois de ter entrado em tão magnífica companhia, com estes autores que costumamos citar, deu algumas explicações firmes para concluir que as palavras estavam bem utilizadas. Só teve uma grande virtude democrática, não excluiu do qualificativo nenhum dos intervenientes, nem V. Ex.ª, nem o Governo, nem o partido da maioria. Foi exemplar do ponto de vista do tratamento igual de todos.
Talvez possamos elevar o debate a uma altura maior. Entendo que IO anos de Governo, com o domínio de uma personalidade que fica marcada na História de Portugal, merecem mais altura quando nos mandarem anunciar o pensamento que circula pelas formações políticas que apoiam o Governo.
Por outro lado- quero voltar a insistir nisto-, para discutirmos esses tais problemas que dizem respeito à definição do Conceito Estratégico Nacional, precisávamos de ter algumas ideias, por exemplo, sobre a articulação da nossa investigação e do ensino com o sistema europeu.
Não houve uma palavra nesta discussão sobre o Governo e a censura ao Governo Devíamos ter uma palavra sobre o passivo do desenvolvimento pois todo o desenvolvimento tem um passivo, e nós temo-lo: chama-se agricultura em dificuldades, pescadores em dificuldades, Marinha Grande... Não houve uma palavra sobre o humanismo necessário para assumir a responsabilidade do passivo, e estávamos a discutir a censura ao Governo com todo o povo português, em directo, a assistir ao nosso debate!
Por último, para aligeirar um pouco o peso deste ambiente, só queria dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que aquele seu constante conceito, segundo o qual há 51% de portugueses de bom juízo e conceito de escolha, que votam em si, e 49% que só escolhem errado, teve hoje, aqui, um desenvolvimento importante por parte do Sr. Deputado Pa-