O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 DE JUNHO DE 1995 2867

te da República e outros antifascistas, entre os quais eu próprio, éramos tratados como deliquentes de alta traição.
A violência racista e fascista começa sempre na deturpação da História e na inversão de valores. E quase sempre uma violência moral antes de ser uma violência, física.
O terrorismo assassino, ocorrido no Bairro Alto, é um atentado a uma certa imagem de nós próprios. Não adianta o discurso hipócrita dos brandos costumes Factos assim nunca se passaram em Portugal. Nunca! Em nenhum momento e em nenhum regime! E não é só a complexidade de uma mera situação social provocada pela imigração, a descolonização tardia, a concentração nas grandes cidades, a cultura suburbana, com a sua ausência de valores e referências morais. É também a passividade e a omissão. Como disse recentemente o Professor Boaventura Sousa Santos: "Numa sociedade com forte cultura política autoritária, é crucial exigir do poder mensagens anti-racistas inequívocas".
Ora, é essa a primeira grande omissão. A omissão de uma clara pedagogia anti-racista por parte dos responsáveis do Governo. É possível que alguns se tenham convencido que tal não é eleitoralmente vantajoso. Eu não trocaria a alma por votos. E digo-vos: se para ganhar eleições fosse preciso pactuar com a violência racista, eu, pessoalmente, preferia perdê-las. E não dormiria descansado se, por razões eleitoralistas, tivesse feito - como fez o Ministro Dias Loureiro - um discurso que sistematicamente proeurou relacionar a criminalidade com certos grupos étnicos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assim como lá fora a xenofobia e o neonazismo são fruto do revisionismo da História e d3 tentativa de branquear os crimes do passado, incluindo O Holocausto, também aqui certos comportamentos são o resultado do modo como, a pouco e pouco, primeiro subepticiamente e agora já sem vergonha, se foi desculpabilizando e reabilitando essa violência institucionalizada que foi O Estado Novo.
Houve uma omissão de mensagens inequívocas por parte do Governo e de uma política de imigração que tenha em conta a nossa realidade e especifidade. Que não seja a simples aplicação mecânica e acrítica, numa perspectiva exclusivamente policial, de acordos que não têm em conta o País que somos. Portugal é um pequeno país, mas não é um país qualquer e deixará de ser ele próprio no dia em que esquecer a dimensão histórica, afectiva e cultural da sua relação com o Brasil e a África ou no dia em que deixar de tratar como irmãos os africanos que trabalham em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Houve uma omissão de pedagogia, de política e, também, de justiça.
Nos últimos anos, registaram-se oito casos de morte. Só o assassino de José Carvalho foi condenado, e mesmo esse conseguiu fugir, misteriosamente, da cadeia de Linho.
Houve omissão da polícia. A polícia normalmente não está ou, então, chega depois. Foi o que aconteceu na noite do dia 10 para 11, no Bairro Alto. Primeiro, não estava, quando chegou, já praticamente tudo tinha sido consumado. O Secretário de Estado da Administração Interna veio a público não para dizer que ia apurar responsabilidades mas para de antemão justificar e desculpabilizar a polícia.
Ou seja, para se auto-absolver e para proteger o seu Ministro.
No "Estado" em que nos encontramos, parece que a polícia só chega a tempo para carregar, como na Marinha Grande, sobre trabalhadores em luta pelos seus salários, ou para desancar estudantes que contestam a política de educação.
Algo está mal! Algo está profundamente mal no nosso país. Há um clima geral de medo, de suspeita, de insegurança e as pessoas começam a querer fazer por suas, mãos o que compete ao Estado fazer.
Não foi só o terrorismo dos skinheads que veio confirmar a crise da sociedade, que é também uma certa crise do Estado democrático. Nem foram só erros os trágicos acontecimentos que tornaram mais evidente a falência da política de segurança, a sua inadequação, ou, pura e simplesmente, a sua inexistência Todos os dias surgem notícias de milícias que pretendem fazer justiça por sua conta. Pode compreender-se o estado de espírito das pessoas, embora tenha de se reconhecer que há muito desejo de protagonismo, fomentado pela guerra das audiências entre canais televisivos. Pode compreender-se, mas não se pode aceitar nem pactuar.
A emergência de milícias populares só é possível pela demissão e abdicação do Estado. Elas são a negação do Estado de direito, existem porque não há política de segurança e porque, de certo modo, já não há Governo.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - É o paradoxo dos projectos de poder construídos em torno de uma pessoa. De repente, como diria o Eça, o Estado "alui"
Houve um filósofo que profetizou o deperecimento do Estado. Foi uma profecia incumprida. Mas estava longe de imaginar que haveria um dia um país onde, em vez do "deperecimento", se verificaria o desaparecimento do Estado.
É o que está a acontecer em Portugal: o Estado passou à clandestinidade, o Governo não governa, a não ser para inaugurar e, sobretudo, para nomear.

or razões de clientelismo, reforçou-se o Estado onde ele não é preciso. Por razões ideológicas, retirou-se o Estado de onde ele faz mais falta.
Onde está a política de segurança do Ministro Dias Loureiro, que tantas vezes repetiu que tinha os skinheads controlados?
Os portugueses interrogam-se sobre para que serve, afinal, o SIS. É para garantir a segurança do Estado ou só para espiar sindicatos, associações de estudantes e, eventualmente, os partidos da oposição?
Eu podia apontar o dedo, porque é muito fácil, a quem tem as responsabilidades políticas. Mas prefiro dizer que todos somos responsáveis pela tragédia do Bairro Alto. Uma tragédia que nos obriga a olhar para nós próprios, para sabermos afinal quem somos. Uma tragédia que exige uma reflexão sem mistificações, para que o racismo possa ser combatido e erradicado, sem dó nem piedade, nem que para isso seja preciso mudar o Código Penal e agravar as penas para qualquer crime de cariz racista.
O processo de formação de Portugal foi, como ensinou Jaime Cortesão, a convergência de um "conjunto de factores democráticos", entre eles, a mestiçagem, a mistura de raças e culturas Não podemos permitir que se construam dentro de nós ghettos ou bairros étnicos. Seria a destruição daquilo a que Torga chamou "a fisionomia in-