3188 I SÉRIE - NÚMERO 94
da superfície total da América Latina e 45% da sua população; Portugal, por seu lado, faz parte integrante e em plenitude de direitos, do poderoso mercado abrangido pela União Europeia, que conta mais de 3OO milhões de consumidores e pode oferecer aos países latino-americanos fácil acesso aos países da Europa mais rica. A complementaridade entre um e outro destes espaços regionais é testemunhada pelas negociações já encetadas entre o MERCOSUL e a União Europeia.
Deste modo, no plano político, é visível o interesse dos dois países na aproximação e acerto das suas políticas externas. Basta pensar no papel determinante que os países lusófonos poderão desempenhar na necessária e iminente reorganização das Nações Unidas e no reconhecimento do Brasil, numa ONU reformada, como grande potência mundial, atribuindo-se-lhe, consequentemente. a qualidade de membro permanente do Conselho de Segurança.
Assim, no plano da língua e da cultura, é necessidade histórica e imperativo do espírito a conjugação de esforços entre Portugal e o Brasil para a defesa e promoção da lusofonia e dos valores e tradições culturais que lhe dão vida. A verdade é que a diversidade das culturas e a sua preservação são condição insuprimível da felicidade dos povos. A uniformização ou padronização à escala do Mundo, destruindo o património específico de cada povo, constituiria um desastre histórico irreparável. A "aldeia global", de que muitos falam e que tantos parecem louvar, representaria uma grave regressão se fosse ao ponto de anular as diferenças de cultura e de espírito que hoje enriquecem a humanidade...
15to significa que Portugal e o Brasil - e também os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, o território não autónomo de Timor Leste e as comunidades de língua portuguesa espalhadas pelo Mundo - têm diante de si uma enorme e ingente tarefa: a de preservar as suas identidades e as tradições e valores através dos quais elas se afirmam. É por isso bem-vinda a organização e institucionalização da anunciada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Sr. Presidente da República Federativa do Brasil, permita-me que, por fim, confesse a minha muita admiração pela brilhante carreira de intelectual e de político que Vossa Excelência vem fazendo no Brasil e fora dele.
Tenho seguido os grandes passos dessa carreira e, nomeadamente, a obra de recuperação económica do Brasil que iniciou como Ministro da Fazenda. Apesar do êxito alcançado, Vossa Excelência não tem deixado de chamar a atenção, em discursos, declarações e entrevistas, para o lugar instrumental que deve caber sempre ao sistema económico na organização da sociedade. Recuperadas a operacionalidade e a eficiência da economia, é preciso saber colocar esta ao serviço das pessoas e da sua felicidade, porque a economia existe por causa do homem, e não o homem por causa dela. O Estado tem de se empenhar, a sério e a fundo, na permanente e cada vez mais fina realização da solidariedade e justiça social.
Eis aí, Sr. Presidente, uma ideia - a ideia da fraternidade ou da solidariedade social - que Vossa Excelência não se cansa de enunciar e que pertence à mais lídima tradição político-filosófica de Portugal e do Brasil.
Renovo os nossos penhorados agradecimentos pela honra da vinda de Vossa Excelência ao Palácio de São Bento e formulo o voto de que a visita de Estado do Presidente Fernando Henrique Cardoso a Portugal contribua para o estreitamento das relações políticas, culturais, económicas e afectivas entre os dois povos irmãos pelo sangue, pela história, pela língua e pela cultura e unidos por laços que nem o tempo nem os homens podem desatar.
Aplausos gerais.
Tem a palavra o Sr. Presidente da República Federativa do Brasil.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr. Presidente da República Federativa do Brasil (Fernando Henrique Cardoso): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente do Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares, Srs. Embaixadores, Sr.ªs e Srs. Deputados, Senhoras e Senhores: "Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo".
Encontro no verso do poeta universal, Fernando Pessoa, as palavras para exprimir a alegria que sinto em retornar a Portugal. A acolhida sempre hospitaleira do povo português deixa-me emocionado e honra meu país. Brasileiros e portugueses, estamos unidos indissoluvelmente pela história e pela cultura; pelo amor à liberdade e por uma amizade de séculos, que a cada dia se renova.
De Portugal herdamos muito mais do que os laços do sangue que corre nas veias da maioria dos brasileiros, muito mais do que a língua, que nos trouxe identidade e voz. O Brasil tem orgulho dessa herança, porque foi graças a ela que construímos uma grande nação, unida e tolerante.
Pelos campos e cidades brasileiras convivem em boa harmonia brancos, negros e índios; europeus, africanos e asiáticos; cristãos, judeus, muçulmanos. Credos e raças esforçaram-se para dar origem a um país capaz de respeitar e enaltecer a diversidade. Acolhemos de peito aberto, ao longo dos séculos, milhões de imigrantes de todos os continentes, que vieram tentar vida nova em nossa terra, gerando riqueza e trazendo para a civilização brasileira suas influências e tradições, que são a fonte da nossa criatividade e da nossa vitalidade. Foi graças a essa herança que vivemos em paz há mais de um século com nossos vizinhos sul-americanos.
Srs. Membros da Assembleia da República, é para mim grande motivo de satisfação poder dirigir-me ao Parlamento português, mormente sabendo, como sei, que - e se permitem usar uma expressão que não tem acolhida vernácula mas que se usa no linguajar parlamentar brasileiro - estão em recesso, quer dizer não estão em momento de sessionar regularmente, razão pela qual agradeço do mais profundo coração. Como ex-Senador que sou, sei das dificuldades que isso representa em épocas em que cada um dos políticos que tem representação nas Casas do Povo deveria estar junto a suas bases; porém, dão-se ao sacrifício, para mim é um prazer, de estarem aqui para me escutar.
Esta é uma Casa do Povo e de um povo de fibra e valor. Em nome do povo brasileiro, homenageio, neste momento, os homens públicos e os cidadãos deste país, responsáveis por um novo Portugal, dinâmico e moderno, que se integra cada vez mais na União Europeia, sem esquecer, contudo, suas tradições mais caras e a importância de seus vínculos históricos e económicos com as nações que brotaram do tronco sólido da civilização lusitana.
Minha visita a Portugal ocorre no momento em que o Brasil se renova na estabilidade e no crescimento econô-