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26 DE ABRIL DE 1996 1989

Porque havia em Portugal um pensamento único - e hoje não. Havia o dogma - e hoje não. Havia um sistema construído para impor uma visão única, uma verdade única ou, se preferirem, uma mentira institucionalizada e hoje não. Hoje não é possível.
Por isso, mesmo que por vezes pareça que os velhos fantasmas estão a renascer, mesmo que por vezes se consiga falsificar a História, mesmo que por vezes se tenha chegado ao ponto de ofender um herói do 25 de Abril, é sempre possível repor a verdade e é sempre possível reparar a injustiça, como fez o Governo ao conceder à viúva de Salgueiro Maia a pensão vitalícia, que lhe tinha sido recusada e atribuída a dois agentes da PIDE.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Antes do 25 de Abril não se podia discutir. Agora pode. Antes do 25 de Abril não se podia responder à mentira. Agora pode. Essa é a força do 25 de Abril. Essa é a diferença do 25 de Abril: Essa é a superioridade moral do 25 de Abril. E por isso essa é a vitória do 25 de Abril, mesmo quando momentaneamente parece que está a ser derrotado. Não está. Porque o 25 de Abril é liberdade. Liberdade de dele próprio discordar. Mas também liberdade de o celebrar e afirmar sem inibições nem complexos. E também sem sectarismos nem apropriações abusivas.
Porque se o 25 de Abril é incompatível com um pensamento único, também o é com qualquer tentativa de privatização ou apropriação exclusivista. É inútil reescrever a História ao sabor das conveniências tácticas do momento ou de meras jogadas politiqueiras. O PS não entra nesse jogo. Por uma questão de princípio. Porque não precisa. E porque nas horas decisivas, com Mário Soares à frente, esteve sempre onde era preciso estar.

Aplausos do PS.

Por isso, mais do que com as nossas cores partidárias, celebramos este dia com cravos vermelhos e com as cores de Portugal, que também gostaríamos de ver juntas aqui nesta tribuna.

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

Não se pode exigir que as novas gerações vivam o 25 de Abril como aqueles que sofreram a ditadura e a ela se opuseram. Para os que nasceram depois, o 25 de Abril já faz, de certo modo, parte deles, é quase como ar que respiram. Talvez não sintam a necessidade de o comemorar como as mulheres e os homens da minha geração, para quem o 25 de Abril continua a ser e será sempre o dia mais belo das nossas vidas.

Aplausos do PS.

Mas passados 22 anos, é tempo de o 25 de Abril deixar de ser uma revolução envergonhada da sua própria vitória. É tempo de os abrilistas responderem sem complexos aos revisionistas da História e aos detractores de Abril.
É sobretudo necessário tirar o 25 de Abril de uma espécie de clandestinidade a que durante um certo tempo foi constrangido.
É também por aí que passa a reabilitação da política e a reconstrução da esperança.
Claro que os tempos são outros e outros os valores. Caiu o muro, ruíram os modelos, anunciou-se o fim da História, substituiu-se a teologia da revolução pela teologia do mercado. A poesia já não está nas ruas, como nesse tempo, em que, como costuma também dizer Sophia de Mello Breyner, «as pessoas não se empurravam umas às outras».
Este é um tempo de empurrão. No sentido literal e em sentido metafórico. O dom de si, que alguns, como Che Guevara, levaram ao extremo, deu lugar à competição feroz. Fala-se muito de solidariedade. Mas nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas, na política, no jornalismo, na vida, anda quase toda a gente a empurrar toda a gente.
Essa é que é talvez a maior derrota do 25 de Abril, que não foi só uma festa de liberdade, foi também uma promessa de fraternidade.
Por isso, não numa perspectiva passadista, mas com os olhos postos no futuro, seria importante recuperar e reinventar um pouco do espírito dessa revolução precursora e pioneira.
Revolução precursora, porque como gostava de dizer Francisco Salgado Zenha, «foi o primeiro de um conjunto de factos políticos que anunciaram uma nova era».
Revolução pioneira, porque apesar de todos os desvios e tentações, mostrou ao mundo que era possível passar de uma ditadura para a democracia sem cair numa nova ditadura. Foi essa experiência triunfante que abriu caminho às transições democráticas na Espanha e na Grécia, no Brasil e em outros países da América Latina. E mais tarde serviu ainda de exemplo e, inspiração a países africanos e do leste europeu.
O 25 de Abril tornou Portugal muito maior do que o seu pequeno espaço físico. Libertou o povo português, permitiu o nascimento de novas pátrias de língua oficial portuguesa, tornou-se centro de atenção, de estudo e reflexão sobre o processo de transição para a democracia. Ao contrário do que afirmam os seus adversários, o 25 de Abril não diminuiu Portugal; acrescentou Portugal. Acrescentou Portugal da sua liberdade e da sua dignidade. Acrescentou Portugal da emergência de novas nações com as quais se estabeleceram novos laços de cooperação e fraternidade.
Essa dimensão universalista não pode ser esquecida. E por isso não podemos aceitar que Portugal volte a ser aquele «país quietinho», de que falava Teixeira de Pascoaes. E por isso é preciso recuperar um certo espírito do 25 de Abril, que não foi só precursor e pioneiro do que aconteceu mas do que ainda não aconteceu. Não no sentido de voltar às utopias irrealizáveis, embora eu pense, como um grande revolucionário que conheci, que, às vezes, «devemos ser realistas, isto é, exigir o impossível». Mas o que ainda não aconteceu foi, ousar o possível. E ousar o possível é não aceitar, sob o pretexto da chamada mundialização, uma ordem económica única, um pensamento único, um sentido único.
Porque isso é também uma forma de colonialismo e totalitarismo. O colonialismo imposto pela lógica do mais forte. Segundo Edward Goldsmith, fundador da revista The Ecologist, «este novo colonialismo das empresas multinacionais corre o risco de tornar-se o mais impudico e brutal que jamais se viu».
Mas há também o risco de que a divinização do mercado se substitua à absolutização e totalitarismo da burocracia do Estado. Há hoje «zonas gigantes à escala do planeta de planificação privada, centralizada e burocrática no seio de uma economia dita de mercado».
O sistema soviético criou o Goulag político, o ultraliberalismo está a criar um Goulag económico. São várias as vias para o Big Brother.